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Bancos e bilionários precisam contribuir na economia de guerra

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 30/03/2020 03:00 Atualizado em: 29/03/2020 21:53

Só é possível vencer a crise com cooperação. Entre os três níveis de governo. E entre eles, as empresas, as instituições científicas e a sociedade civil. Diálogo e coordenação. Que, infelizmente, não estão no DNA do atual presidente. Por isso, no Brasil, a articulação para o esforço cooperativo vai depender dos demais atores. De todos e de cada um de nós. Aqueles que insistem em usar politicamente a crise vão ficar falando sozinhos no ambiente tóxico das redes.

A dimensão do problema reclama do governo federal um programa de medidas sanitárias e econômicas. Mas também a articulação para executá-las. Até agora foram anunciadas algumas medidas: (i) fundo emergencial de R$ 40 bilhões com linhas de créditos a juros de 3,75%, garantidas pelo Tesouro, para que as empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões paguem R$ 2.090,00 por mês aos seus empregados; (ii) aprovação à proposta da Câmara de pagamento de auxílio entre R$ 600,00 e R$ 1.200,00 mensais a trabalhadores informais e a pessoas com deficiência à espera do BPC (R$ 44 bilhões); (iii) antecipação de pagamentos a aposentados do INSS; (iv) compensação aos trabalhadores que tiverem contrato suspenso ou sofrerem redução salarial, numa proporção do seguro-desemprego que hoje vai de R$ 1.045 até R$ 1.813,00; v) MP 924/20, que abre crédito extraordinário de R$ 5 bilhões para o MEC e o Ministério da Saúde desenvolverem ações de combate à Covid-19. Para a maioria dos analistas essas medidas são positivas, mas aquém das necessidades do momento.

Outras ideias, mais ousadas, têm sido propostas. Parece boa a ideia da PEC do ‘orçamento de guerra’ em discussão na Câmara. Que visa separar o orçamento de gestão da crise do orçamento fiscal. Outra medida ainda esperada é a ajuda às empresas que estão abaixo do piso de R$ 300 mil ou acima do teto de R$ 10 milhões do programa proposto. Urge um plano mais amplo de injeção de recursos para a saúde, inclusive com transferências imediatas a estados e municípios. Para ampliar os 47 mil leitos de UTI pré-crise e comprar ventiladores e kits para teste rápido de massa.

Com a pandemia ocorreu uma reviravolta geral nas políticas econômicas. Os bancos centrais estão indo além do anterior papel, como nota The Economist (28/3/20). Os bancos centrais não mais se limitam a baixar as taxas de juros e a oferecer créditos aos bancos privados. Agora, estão garantindo fluxos de créditos para empresas e consumidores. Com esse objetivo de ampliar o crédito à atividade produtiva, economistas como Alexandre Rands (DP, 28/3/20) propõem que o estado crie uma taxa sobre as reservas excedentes dos bancos a fim de onerar a cômoda opção pelo investimento seguro nos títulos públicos atrelados à Selic.

Outra medida positiva seria o remanejamento de recursos do pesado custeio do estado brasileiro, transferindo despesas não gastas durante o lockdown. Que alcancem, como defende Rodrigo Maia, o corte provisório de até 20% dos subsídios e vencimentos dos agentes políticos e servidores dos três poderes, nos três entes da federação, preservados os servidores de menor renda e os da linha de frente de combate ao vírus. A economia seria de R$ 3,6 bilhões mensais. Aos quais seriam adicionados R$ 2 bilhões do fundo eleitoral e R$ 1 bilhão do fundo partidário,

Estudo do Ipea sugere zerar a fila de espera de 1,7 milhão de famílias do Bolsa-família. E um reajuste de até 29% no critério de acesso e nos valores pagos pelo BF. Outra boa proposta é a liberação dos R$ 100 bilhões do FGTS para os titulares de 30 milhões das 37 milhões de contas. Isso daria algo como um salário mínimo para cada trabalhador por três meses. Outra medida seria a moratória e a anistia de tributos federais, o que aliviaria o setor produtivo, diminuiria a quebradeira de empresas e facilitaria a retomada no pós-crise.

Cresce a cobrança para que as grandes fortunas sejam forçadas a cooperar. O empréstimo compulsório previsto no art. 148 da CF/88 poderá ser instituído por lei complementar para atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública. Poderia ser lançado um empréstimo compulsório para donos de fortunas e empresas que faturem a partir de um certo patamar. De modo a fazer, pela primeira vez, o andar de cima contribuir num momento de crise nacional. Que tal ver os bilionários contribuindo? E que tal fazer Amazon, ItaúUnibanco, Bradesco e Vale desembolsarem alguns bilhõezinhos que são parte ínfima de seus lucros? Igualmente pode ter chegado o momento de regulamentar o imposto sobre as grandes fortunas que permanece dormente no Inciso VII da CF/88.

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