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Os riscos de desempenho

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois

Publicado em: 29/02/2020 03:00 Atualizado em: 01/03/2020 10:59

As previsões para o crescimento do PIB brasileiro em 2020 ainda continuam próximas a 2,0%, apesar de algumas delas já estarem recuando. Parte dessa redução veio da reconsideração a partir dos números mais recentes referentes aos últimos meses de 2019. Entretanto, desde o começo sabia-se que há vários riscos que poderiam desencadear acontecimentos que podiam reduzir o ritmo de crescimento. O mais óbvio deles era a magnitude do impacto do coronavírus. Mas há outros riscos internos cujas evoluções não têm sido favoráveis. Esses são preocupantes e podem ter impacto até maior na redução da taxa de crescimento.

Um primeiro risco advém das evoluções que terão as mobilizações das polícias estaduais nas próximas semanas. Em vários estados há possibilidade de greves e arruaças por não estar se chegando a acordos quanto aos aumentos salariais. No imaginário dos policiais, houve nas últimas eleições mudanças a seu favor na correlação de forças na sociedade. Isso os qualifica a aumentar os salários relativos. As discussões em torno da reforma da Previdência já evidenciaram tais mudanças e agora eles querem estender os seus efeitos à remuneração presente. Acreditam que se um governador já cedeu (Zema, MG), os demais também terão que ceder. Esses motins, caso realmente venham a ocorrer, terão efeitos perversos no crescimento econômico, tanto pela insegurança gerada, como pela deterioração fiscal que gerarão em vários estados.

Um segundo risco interno observado surge das perspectivas de greve dos caminhoneiros. A tabela de valor mínimo dos fretes fere a Constituição Federal de forma óbvia. Ela tem se mantido porque o STF vem adiando o julgamento sobre sua ilegalidade. Mas deverá ir a julgamento ainda no primeiro semestre. Com a decretação de sua ilegalidade o país poderá ficar novamente refém dos caminhoneiros. Na greve passada faltou um presidente de pulso para controlar a situação. Dessa vez será bastante difícil para o atual se opor aos grevistas, já que ficou ao lado deles e se beneficiou muito das suas arruaças à época. A situação pode novamente ficar complicada e isso não só terá efeitos imediatos pela perda de produção por causa da falta de matérias-primas e combustíveis, mas também pelo aumento das incertezas quanto à estabilidade social no país.

A perspectiva de harmonia entre os poderes parece estar ainda distante. As acusações e desrespeitos frequentes de membros da alta cúpula do Executivo, ou seus familiares, aos outros dois poderes, Legislativo e Judiciário, parecem que não vão ter fim. Isso leva a ameaças constantes à democracia e consequentemente gera incertezas quanto aos rumos futuros do país. Os investimentos são prejudicados e os recursos disponíveis para alavancar a atividade econômica findam por ficarem empoçados nos bancos ou até mesmo a elevarem o déficit público nominal, por causa das operações compromissadas necessárias para manter a taxa Selic nos patamares estabelecidos. Ao invés de haver redução nesses atritos, suas frequências parecem aumentar.

Nas últimas semanas o governo federal introduziu mais uma fonte de incertezas na economia. A possibilidade do ministro Paulo Guedes ser deposto do seu cargo, caso não entregue taxas de crescimento aceitáveis para a satisfação dos anseios políticos. A simples perspectiva de que ele possa sair também aumenta muito as incertezas quanto ao futuro do país, reduzindo os investimentos e até mesmo o consumo de bens duráveis. Ou seja, do nada se cria mais restrições ao desempenho da economia nacional. Diante desses desenvolvimentos recentes, parece que já devamos começar a torcer para que consigamos nos aproximar dos 2% de crescimento do PIB este ano, pois há chances grandes de enfrentarmos frustrações maiores ou iguais às de 2019.

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