Fux vota por absolver Bolsonaro e placar da condenação fica 2 a 1 no STF
Terceiro a votar, ministro do STF partiu da premissa de que acusados não formaram organização criminosa armada nem teriam responsabilidade direta pelo 8 de janeiro
Guilherme Anjos e Mareu Araújo
Publicado: 10/09/2025 às 20:15

Ministro Luiz Fux (Foto: Rosinei Coutinho/STF)
Terceiro a votar, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu divergência e defendeu, nesta quarta-feira (10), a absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de parte dos réus pela trama golpista.
"Todos esses elementos conduzem à inescapável conclusão de que não há provas suficientes para imputar ao réu Jair Messias Bolsonaro os crimes de tentativa de abolição do estado de direito, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Resta, então, a imputação do delito de organização criminosa, com relação ao qual já esclareci que a existência de um suposto plano criminoso não basta para a caracterização da organização criminosa", afirmou o ministro.
O voto de Fux partiu das premissas de que os réus do chamado núcleo 1 – formado pelo próprio Bolsonaro, por militares de alta patente e por civis do primeiro escalão do governo – não constituíram uma organização criminosa armada nem teriam responsabilidade direta pelos ataques de 8 de janeiro de 2023. Para ele, o possível plano de golpe dos réus não passou de "mera cogitação".
Durante o julgamento, o ministro do STF decidiu analisar individualmente a conduta de cada um dos réus, minimizou as provas apresentadas contra o ex-presidente e afirmou que as denúncias contra Bolsonaro seriam “genéricas” e conteriam "ilações". "Dúvidas e contradições enfraquecem a acusação", disse.
Anteriormente, Fux votou por condenar Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, apenas por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, mas inocentou o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, de todos os crimes. Os demais acusados ainda não foram julgados.
Agora, o placar está 2 a 1 pela condenação do ex-presidente na tentativa de golpe. No dia anterior, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela condenação dos oito réus.
Relator do caso, Moraes alegou que Bolsonaro seria o chefe da organização criminosa. Já Dino seguiu o entendimento, mas defendeu penas menores para Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Voto
Recheado de citações e de discussões teóricas sobre democracia, conceitos republicanos e manifestações políticas, o voto de Fux já dura mais de 10 horas, o mais longo até o momento. “Não há golpe sem deposição de governo”, declarou o ministro, para quem os acusados também não poderiam ser punidos por falas políticas ou "bravatas".
“Só pode ser punido quando tiver preenchido os requisitos daquela punição descritos na lei penal", disse. “Não há nenhuma prova de que algum dos réus tinha o dever específico de agir para impedir os danos causados pela multidão”.
Sem citar nomes de colegas, o ministro deu início à leitura do voto dissertando sobre o papel de magistrado e, veladamente, criticou a postura de Moraes. Segundo ele, o juiz deve acompanhar a ação penal com distanciamento – “não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também o seu necessário dever de imparcialidade”.
Ao discordar dos outros ministros, Fux manteve-se coerente com suas manifestações anteriores. Durante a análise das questões preliminares, o ministro viu “incompetência absoluta” da Primeira Turma para julgar o caso, concordou com a tese de cerceamento de defesa e foi favorável à nulidade do julgamento.
Para ele, a chamada trama golpista deveria ser avaliado por instância inferior ou pelo plenário da Suprema Corte. “Em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”, disse.
Fux acolheu, ainda, a tese de defesa de “data dumping” (compartilhamento tardio de provas) e fez uma comparação com o julgamento do Mensalão, escândalo envolvendo a compra de apoio de parlamentares pelo governo Lula (PT) em 2005. “Levou dois anos para receber a denúncia e cinco para ser julgado”, declarou.
Já no processo atual, de acordo com o ministro, foram 161 dias entre o acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a trama golpista e o início do julgamento. Os autos, no entanto, contariam com mais de 70 terabytes (TB) de documentos e cerca de 225 milhões de áudios e mensagens.
“Salta aos olhos a quantidade de provas”, disse Fux. Segundo alega, ele próprio sentiu “extrema dificuldade” para elaborar o seu voto diante do volume de informação nos autos. “Em razão dessa disponibilidade tardia, apelidei de tsunami de dados”, disse.
Falta de provas
No mérito, Fux alegou que a existência de um plano golpista não seria o bastante para caracterizar a formação de uma organização criminosa e comparou os atos com “meros programas delinquenciais”. “Não se pode banalizar o conceito de crime organizado, que com frequência conta com planejamento empresarial”, disse.
“Com efeito, a existência de um plano criminoso não basta para caracterização do crime de organização criminosa”, declarou. “Sem a existência de vínculo associativo estável e dotado de permanência, não se caracteriza, no plano da tipicidade penal, o delito de quadrilha, incompatível em seu perfil conceitual com os conluios criminosos meramente transitórios”.
Para ele, também não haveria provas de que Bolsonaro e os outros réus foram mandantes dos atos de 8 de janeiro de 2023. “A simples alegação de liderança intelectual desacompanhada de evidências concretas, de responsabilidade de um indivíduo pelo dano, não é suficiente para a condenação”, afirmou.
“Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição e depois se omitido. Pelo contrário, há evidências de que assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício Supremo fosse invadido pelos vândalos.”
Delação de Mauro Cid
Em uma das poucas convergências com Moraes, Fux votou pela legalidade da delação premiada de Mauro Cid. As defesas de quase todos os outros réus pediram a anulação da delação de Cid, alegando omissões e contradições do delator.
Até então, Fux era crítico à legalidade da delação. Durante o julgamento, contudo, o ministro considerou que a colaboração cumpriu requisitos previstos por lei, como a identificação dos participantes da organização criminosa e da estrutura hierárquica do grupo.
O julgamento da trama golpista está previsto para acontecer até sexta-feira (12). A ministra Cármen Lúcia é a próxima a votar. Presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin fecha o julgamento.

