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Sem eventos, classe artística do Recife está desnorteada com pandemia

Publicado em: 20/03/2020 13:49 | Atualizado em: 29/12/2020 22:43

 (Foto: Pixabay)
Foto: Pixabay


"E se vier um vírus / E colocarem máscaras / E se queimarem arquivos / E fabricarem facas / E se lhe derem gritos / E te matarem vivo / Se te fecharem portas / Se te negarem abrigo / Cuidem-se / E cuidem dos seus amigos". Os versos recém-criados são do pernambucano Juliano Holanda. Ele apresentou a música Cuidado ao público em vídeo publicado no Instagram, acompanhado de um violão. Juliano, um dos principais compositores e produtores musicais da nova cena autoral pernambucana, tentou expressar um pouco do que o meio artístico independente da cidade vem sentido com o isolamento causado para prevenir a propagação do novo coronavírus.

Inicialmente, a Prefeitura do Recife proibiu a realização de eventos públicos e privados com mais de 500 pessoas. Depois, o número caiu para 50. A mesma medida foi adotada pelo Governo do Estado, passando a valer para todos os municípios de Pernambuco. Eventos e shows de grande porte foram remarcados ou cancelados, atingindo em cheio a indústria criativa, um setor responsável por 4% do PIB nacional e que, segundo o IBGE, emprega cerca de 5 milhões de pessoas. O tamanho total do prejuízo para o setor da cultura e entretenimento ainda vai levar um tempo para ser calculado. Para os artistas e produtores independentes, no entanto, o medo por incertezas já começou a tomar conta desde o início da semana. 

Juliano Holanda  (Foto: Beto Figueroa/Divulgação)
Juliano Holanda (Foto: Beto Figueroa/Divulgação)


"Eu tive alguns shows cancelados, fora de Pernambuco inclusive, mas acho que o impacto ainda é muito recente", opina Juliano Holanda, presente como produtor e músico em mais de 50 álbuns de artistas pernambucanos e nacionais. "A classe artística ainda está entendendo o que está acontecendo. Já existem grupos no WhatsApp, com conversas que tentam pensar em novos moldes, formas de organização e modelos de sustentabilidade durante a quarentena. Além do dinheiro, existem lançamentos e projetos que vão sofrer uma defasagem."

Foi no calor das notícias na última sexta-feira que Holanda compôs Cuidado, que viralizou no Instagram. "Ao mesmo tempo, existe uma cooperação muito forte das pessoas sobre ficar em casa. Se a gente fizer isso, cada um cuidar dos seus, conseguimos passar por essa crise. É um momento de dar as mãos, não fisicamente, mas extraoficialmente. E agora sim são as verdadeiras mãos." 

Gabriela Dias é sócia do Terra Café Bar, um dos principais palcos da cena independente pernambucana, ao lado de Fernanda Batista. Na última terça-feira, o estabelecimento localizado na Boa Vista, Centro do Recife, receberia o evento Democracia no Palco, com André Mussalem, Isadora Melo e Gonzaga Leal. Na quinta-feira, seria a vez de um show com Isaar, seguindo por Martins e Seu Pereira na sexta. O espaço costuma receber cerca de 200 a 300 pessoas por noite. Tudo cancelado.

Evento no Terra Cafe%u0301 Bar. (Foto: @Sidarta.jpeg/Divulgação)
Evento no Terra Cafe%u0301 Bar. (Foto: @Sidarta.jpeg/Divulgação)


"Para mim, o Terra é um sustento. A cena também depende dele para funcionar, como uma cadeia. Estamos meio sem saber o que fazer", conta Gabriela. "Nosso plano é reorganizar a agenda, pois tínhamos coisas agendadas até abril. Estamos pensando positivo, como se esse isolamento fosse provisório pelo surgimento de um controle. Caso não seja, teremos que adiar tudo ainda mais e pensar em novas possibilidades. Não conseguimos viver sem movimentar esse equipamento."

A companhia teatral pernambucana Magiluth, que recentemente inaugurou o Casarão Magiluth no bairro da Boa Vista, sente-se afetada de várias formas. O grupo adiou o ensaio aberto do Estudo nº 1: Morte e vida, inspirado na obra de João Cabral e Melo Neto, que seria apresentado na última quartafeira. "A política de cultura do atual governo federal já tinha mudado o ‘clima’ para os artistas, então agora a pandemia coloca em risco a sobrevivência", diz Giordano Castro, que integra o Magiluth ao lado de Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres e Mário Sergio Cabral. 

Companhia Magiluth. (Foto: Vitor Pessoa/Divulgac%u0327a%u0303o)
Companhia Magiluth. (Foto: Vitor Pessoa/Divulgac%u0327a%u0303o)


“As companhias teatrais estão sendo afetadas na difusão de seus trabalhos, circulação de grupos. O Magiluth iria participar de alguns festivais, que estão sendo cancelados, como o Festival de Curitiba. Esses acontecimentos estão colocando em risco a própria estrutura e sobrevivência do grupo, embora muitos tenham a impressão de que somos um ‘grupo rico’. Não sabemos como será nos próximos meses”, continua Giordano. Apesar da recomendação para permanecer em casa, o grupo continuará realizando ensaios. “Sabemos que não é bem um exemplo, mas temos tomado muito cuidado e não podemos parar as nossas atividades. Tirando o ensaio, todos continuam em reclusão dentro do seu espaço.”

Foto: Divulgac%u0327a%u0303o  (Conteiner que trazia pec%u0327as da Completely Knocked Down.)
Foto: Divulgac%u0327a%u0303o (Conteiner que trazia pec%u0327as da Completely Knocked Down.)


A exposição Completely knocked down - Recife Bremen connection vinha sendo idealizada há três anos em uma parceria entre o pernambucano Francisco Valença Vaz e a alemã Rebekka Kronsteiner, com financiamento da Lei de Incentivo à Cultura. O projeto tem como mote o intercâmbio entre artistas brasileiros e alemães. O vernissage seria na última quarta, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam). “Todas as peças continuam dentro do museu. A ideia é deixar a exposição conservada durante esse período. Só vamos tirar a poeira”, diz Francisco. “Os alemães Christian Haake, Wolfgang Hainke e Tobias Heine estavam no Recife. Entramos em um trabalho corrido de garantir seus retornos. A Europa estava começando a fechar suas fronteiras, o Brasil também ia suspender seus voos.”

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