Música

'O Brasil sempre foi isso que tá aí', diz Otto sobre conservadorismo. Confira a entrevista

Pernambucano celebra 20 anos de Samba pra Burro, primeiro disco solo da carreira, em show no Recife

Publicado em: 19/10/2018 10:12 | Atualizado em: 08/06/2020 00:05

Há 20 anos, Otto ganhou destaque ao unir os tradicionais ritmos do estado com o que havia de mais cool na cena eletrônica. (Foto: Kenza Said/Divulgação)
Há 20 anos, Otto ganhou destaque ao unir os tradicionais ritmos do estado com o que havia de mais cool na cena eletrônica. (Foto: Kenza Said/Divulgação)


Há duas décadas, um disco estampado por um loiro de moletom verde, ex-percussionista da Mundo Livre S/A, reforçava a arte pernambucana nas pistas de dança e festas alternativas todo o país. Samba pra burro fez Otto Maximiano deixar de ser um instrumentista secundário para ganhar destaque ao unir os tradicionais ritmos do estado com o que havia de mais cool na cena eletrônica, criando o que foi apelidado de “música eletrônica brasileira”.

Após lançar um vinil comemorativo de aniversário em setembro, o cantor, que completou 50 anos de idade em junho, celebra novamente o álbum em apresentação na quinta edição do Oktoberfest, realizado nesta sexta-feira (19) no Baile Perfumado, Zona Oeste do Recife, juntamente com Siba e Banda Eddie.

Acompanhado de Junior Boca (guitarra), Bactéria (teclados), Carranca (bateria), Meno Del Picchia (baixo) e Buguinha (programações), Otto promete um repertório nostálgico, com oito faixas extraídas do álbum. O LP de aniversário foi lançado em setembro com um show no Sesc Pinheiros, em São Paulo, e o artista refez a capa icônica, desta vez usando moletom branco, em foto clicada pela sua esposa, a francesa Kenza Said. Em entrevista ao Viver, o artista fala sobre o álbum, sua importância para a música brasileira e o atual conservadorismo em ascensão na política nacional. 

Otto refez a capa de Samba pra Burro para relançamento em vinil. (Foto: Vavá Ribeiro e Kenza Said/Divulgação)
Otto refez a capa de Samba pra Burro para relançamento em vinil. (Foto: Vavá Ribeiro e Kenza Said/Divulgação)


ENTREVISTA - OTTO, cantor

Olhando para Samba pra Burro hoje, qual é sua visão sobre o álbum?
Foi um divisor de águas para a música brasileira. Se você escutar ele hoje, continua tão atual e original que nem dá para acreditar. Era a primeira vez que eu gravava, saía da gravação e ia para o palco. Foi minha primeira vez cantando de verdade. É como se fosse meu primeiro filho completando 20 anos (risos). Os caminhos que percorri foram muito rápidos depois desse disco. Eu era muito novo, tudo era novo e experimental, mas muito natural também. Isso foi o resultado de juntar os músicos do Manguebeat como Gilmar Bolla 8 e Pupillo com produtores da música eletrônica como Apollo 9, Camilo Rocha e Soul Slinger. Hoje, estou descobrindo coisas em volta do disco por causa do relançamento, com novas bases do Buguinha que respeitam o caráter orgânico e eletrônico.

Causou certa comoção nos fãs o fato de você ter refeito a capa.
Na verdade, fomos à Trama (gravadora do Carlos Eduardo Miranda) e pedimos as fotos de Vavá Ribeiro (autor das fotos originais) em alta definição, mas eles não encontraram. Então decidimos “remixar” a capa também. Eu chamei a Manu Carvalho, que tinha feito o figurino, e pedi para minha atual esposa Kenza Said, que é fotógrafa, para fazer as fotos. Inclusive, as imagens foram feitas no mesmo lugar: o Edifício Bretagne, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Acabou sendo bom porque mostrou que o álbum é tão novo que me alcançou agora. Continua atual e forte.

Reviver um álbum de 20 anos atrás dá certa sensação de nostalgia. Estamos vivendo um momento político bem “nostálgico” também, com essa aclamação por um governo de mentalidade militar. Concorda?
Eu acho que a democracia levou um golpe muito grande desde quando tiraram a Dilma Rousseff. Houve todo um movimento para destruir um partido, bateram muito, fizeram tanta oposição a um governo democrático que abriu as portas para esse inferno que estamos vivendo, de retrocessos. Ficou o pior do Brasil. É uma coisa muito difícil, mas vamos lutar para tentar reverter, embora exista uma cegueira muito grande da sociedade. Eu sinto muito pelos índios, pela floresta, pela política e pela paz. Nunca achei que fôssemos voltar para algo autoritário, mas faz parte do pacote.

Nesse cenário, a opinião da classe artística tem sido bastante desacreditada, assim como a da mídia. Como você enxerga isso?
Isso é natural de um regime que aponta para o fascismo. Não existe pensamento. Mas eu acho que, na verdade, o Brasil sempre foi isso que tá aí. Essa coisa sempre esteve enrustida, mas depois de tudo que vivemos veio à tona. Não precisava ter chegado a esse ponto, mas vamos trabalhar para reverter. A democracia é assim. Nada está perdido enquanto houver essa esperança. E caso não tenha mais, vamos lutar da mesma forma.

E coo a música pode fazer parte dessa luta?
A arte sempre vai fortalecer muito. Se você pegar a música brasileira, foi de momentos como esse que surgiram Chico, Caetano... A arte sempre vai reagir, porque ela incomoda. Ela está do lado do povo. A arte não "deixa para lá" porque ela é o povo e provoca o pensamento. É uma regra básica. O pensamento é importante, mas a violência vende.

SERVIÇO
Bailinho Oktoberfest
Onde: Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, 390, Prado, Recife)
Quando: nesta sexta-feira (19), a partir das 23h
Quanto: R$ 100, R$ 50 (meia) e R$ 60 (inteira social, com 1kg de alimento não perecível), disponíveis online através do Sympla e nos pontos físicos Haus, Avesso, Redley, Disco de Ouro, Passa Disco e Venda de Seu Biu.
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