Arte Dercy Gonçalves completaria 110 anos nesta quinta-feira se estivesse viva A atriz marcou a história da comédia no país com o humor escrachado

Por: Deborah Novais

Publicado em: 22/06/2017 09:34 Atualizado em: 22/06/2017 12:58

Atriz e humorista Dercy Gonçalves, falecida em julho de 2008, no Rio de Janeiro. Foto: Zuleika de Sousa/CB
Atriz e humorista Dercy Gonçalves, falecida em julho de 2008, no Rio de Janeiro. Foto: Zuleika de Sousa/CB

Em 23 de junho, há 110 anos, nascia uma mulher que marcou profundamente a cultura do país com um estilo de humor peculiar:  Dercy Gonçalves. Ela atuou intensamente no  teatro, no cinema, na  televisão e na música.  "Foi uma das artistas mais singulares e incomparáveis e fez tudo com uma personalidade extraordinária", afirma João Antônio de Lima Esteves, professor da Universidade de Brasília. Para ele, Dercy deixou como legado "o exemplo de que a gente pode ser verdadeiro, inteiro, ser quem a gente é de verdade".

A trajetória da artista foi tão extensa que ela até conquistou o posto de atriz com carreira mais longa do mundo, no Guinness world records de 2012. E não é para menos. Dercy atuou em mais de 20 filmes, 18 programas de tevê e um número que vai além de 60 montagens teatrais - meio em que também foi autora, produtora e diretora. Sobre o trabalho, o professor analisa: "Ela possuía um enorme improviso dentro de si. Nada que fazia saía como o original ou o esperado. Todos os personagens eram diferentes, mas ainda assim eram sempre a própria Dercy".

O professor relembra uma história de quando era assessor de teatro da Fundação Cultural, na década de 1970, em que Dercy Gonçalves pretendia levar um espetáculo para o Teatro Nacional, e ele deu parecer favorável. "O processo foi para o nosso conselho, composto por homens ligados à ditadura, gente extremamente preconceituosa e careta", critica. A produção foi vetada, mas João Antônio não se contentou e conseguiu um espaço para a montagem, no antigo edifício da Rádio Nacional. A casa lotou e o público adorou a apresentação. Mas a humorista não aguentou calada: "a primeira coisa que ela fez foi esculhambar a fundação pelo preconceito que tinha sofrido", completa.
 
Superação
De origem negra e pobre e nascida em uma cidade no interior do Rio de Janeiro, foi abandonada na infância pela mãe e criada pelo pai alcoólatra, sempre sofrendo discriminações, principalmente racial. Trabalhou em uma bilheteria de cinema durante a adolescência para ajudar com as finanças de casa e logo descobriu o amor pela carreira artística. O sonho foi realizado quando fugiu para fazer parte de uma companhia de teatro circense. "Apesar dessa tragédia toda que foi a vida dela, ela só trouxe alegria para todo mundo. Era uma mulher que fazia o mundo gargalhar", enfatiza João Antônio. Como a própria Dercy Gonçalves expôs em entrevista: "O ontem acabou. Não tenho mágoa de nada e nem saudade de nada. Vivo o hoje. Tenho alegria de viver, adoro a vida".

Revolução
Para João Antônio, a humorista influenciou intensamente a comédia brasileira, com a verdade cênica sempre presente nela e uma incrível relação com o espectador. "Ela foi ficando cada vez mais senhora de si, se importando menos com o que os outros pensavam. Foi uma mulher revolucionária que não tinha vergonha alguma da própria história", conta, sobre o decorrer da carreira da artista. E a revolução também aconteceu na representação feminina do país. "A Dercy nunca foi exemplo dessa mulher que o mundo machista moldou", analisa o acadêmico. Conhecida por utilizar com frequência palavras de baixo calão, além de falar o que lhe "desse na telha", a artista se diferenciou das típicas donas de casa e "mulheres de família" da época.

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