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Drogas Grupo pernambucano Bongar pede ao público para não fumar maconha no terreiro de Xambá "Não cheguem aqui querendo revolucionar sem saber o que é levar um baculejo e um cano de ferro na cara nesses lugares", desabafou o grupo, em reflexão sobre o tratamento policial dado a ricos e pobres

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 07/06/2016 20:41 Atualizado em: 08/06/2016 01:32

Grupo Bongar se pronunciou pelo Facebook. Foto: Beto Figueiroa/divulgação
Grupo Bongar se pronunciou pelo Facebook. Foto: Beto Figueiroa/divulgação

 

O grupo cultural Bongar, composto por músicos do terreiro Xambá do Quilombo do Portão do Gelo, em Olinda, se pronunciou pelas redes sociais contra o consumo de de drogas nos eventos realizados na comunidade. "Chega uma moçada branquinha, universitária, também pretos e pretas com black estilo ator de novelinha malhação da globo golpista, que se diz brincante, mas sempre com os 'fininhos' nos bolsos e puxam as rodinhas nos portões dos moradores, sem nenhum respeito", diz a nota publicada.

Os integrantes afirmaram que, embora sejam a favor da liberação da maconha, não aceitam o consumo de drogas no local, sobretudo por parte de pessoas que não fazem parte da comunidade. Em outro trecho, a publicação continua: "Não cheguem aqui querendo revolucionar sem saber o que é levar um baculejo e um cano de ferro na cara nesses lugares. Não pensem que o pôr do sol da beira do Rio Beberibe é o mesmo do Laguinho da UFPE. Que ao final de queimarem um fininho todos irão subir no CDU/BOA VIAGEM levinhos. Em nossas comunidades o vulgo do transporte ainda é o camburão!".

O Bongar aproveitou para convidar o público para a 51ª edição do Coco da Xambá (Coco de Mãe Biu), no próximo dia 29 de junho.

Confira as notas na íntegra:

"NOTA BONGAR - 2

Diante da nota que o Bongar lançou referente à utilização da maconha nos ambientes onde a cultura popular se manifesta, devido a alguns questionamentos tanto de concordância quanto de não concordância, sentimos a necessidade de pontuarmos algumas questões:

1 – Quem vir a nossa comunidade Xambá terá a oportunidade de conhecer o nosso trabalho no Centro Cultural Grupo Bongar e no Terreiro Xambá, locais sagrados para nós, onde não vendemos nem permitimos o consumo de bebidas alcoólicas e qualquer tipo de cigarro legalizado ou não. Sabemos que essas drogas lícitas (bebidas e cigarros) também trazem danos irreparáveis às comunidades tradicionais negras.

2 – O nosso grito é para alertar ao poder público e aos diversos movimentos sociais o quanto esta droga marginaliza nossa juventude periférica preta. Deixamos aqui uma pergunta a esses defensores dessa “liberdade” desproporcional e desrespeitosa à casa alheia: Você sabe o que é ter um parente ou amigo de infância que foi preso por portar ou apenas consumir um fininho em uma esquina em sua comunidade e ter que passar uma longa temporada num presídio? E quando consegue voltar daquele umbral, onde só os pretos são lançados, a gente ter que viver agora com uma legião de familiares com tornozeleiras, que os limitam até de chegar à esquina de sua rua, o local onde nasceu e cresceu, porque ela logo apita e o camburão baixa novamente? Enquanto isso o usuário diplomado se for pego, tem direito a uma cela especial e dinheiro pra fiança. E vai embora fumar seu baseado em sua cobertura, enquanto a negada e a comunidade ficam estigmatizadas como um ambiente de drogados.

3 - Não estamos aqui querendo criar dois mundos paralelos, mesmo sabendo que eles existem. E que o pau só é arreado no lombo da periferia. Por isso, somos fortes e diretos, ao tentarmos mostrar para todos o nosso trabalho que vai além de um grupo musical. O que cantamos e tocamos é a continuidade da história do nosso povo e queremos preservá-lo no corpo vivo, ativo, das mais novas gerações da Xambá. E não engordar as estatísticas da mortalidade de pretos. Então, pedimos o máximo respeito com a nossa brincadeira boa.

4 – E vejam como as coisas são interessantes: depois da nossa nota, in box, tá chovendo de universitários querendo trabalhar esse tema conosco. Como sempre, na maioria das vezes, a negada é sempre utilizada como objeto de estudo. Até pra isso somos descascados. Mas entendemos que na nossa quebrada quem fala de nós somos nós mesmos pretos, do nosso jeito".

"NOTA DO GRUPO BONGAR

DE FATO, O COCO, A CADA DIA, VEM MOSTRANDO QUE É DA RESISTÊNCIA! 

Nós, do Grupo Bongar, sentimos extrema necessidade de vir a público mostrar a nossa visão mediante ao que estamos sentindo na pele. 

Alguns comportamentos de participantes em ambientes onde a brincadeira do Coco acontece, em especial em nossa comunidade Xambá, que ocorre apenas uma única vez no ano, no dia 29 de junho.

Porém, devido à proliferação desta brincadeira, que vem se tornando algo corriqueiro em diversas comunidades de Pernambuco, a cada semana, algo que achamos maravilhoso, no entanto, alguns participantes, em especiais os que não são dos locais onde a brincadeira acontece, chegam sem nenhum conhecimento da dinâmica do local e dos trabalhos de combate a todo tipo de droga e mazela social, nessas comunidades, realizados pelos moradores, que buscam fazer dessa brincadeira uma ferramenta de grito social para melhoria local. É o caso da nossa comunidade Xambá.

Daí, chega uma moçada branquinha, universitária, também pretos e pretas com black estilo ator de novelinha malhação da globo golpista, que se diz brincante, mas sempre com os “fininhos” nos bolsos e puxam as rodinhas nos portões dos moradores, sem nenhum respeito pelo entendimento desta prática, em especial das pessoas mais velhas da comunidade. Não velho! Cabelo crespo aqui, pra se transformar em Black Power, Rasta, Tuim, é afirmação de muitos outros valores, e não para se pensar que é o passaporte da alegria e da liberdade em qualquer lugar! Buscamos aqui a felicidade com o nosso jeito de ser, por nos enxergarmos e somos bonitos, mas não fazemos do nosso estereótipo ferramenta pra sermos o maluco beleza, pois não foi nos dado esse direito de sermos MALUCO BELEZA! Somos assim, QUILOMBOLAS DE MARRA, porque buscamos muito mais a garantia da memória e ancestralidade que nos foi legada e destinada a mantermos elas tendo como caminho as novas gerações da Xambá. E pra isso, todos dias, não matamos um leão, mas sim alimentamos muitos leões guerreiros de nossa comunidade para não caírem nas armadilhas dessa sociedade.

Sabemos que existem rodas de Coco que é natural e aceitável, inclusive por seus realizadores, essa prática. Mas, aqui na Xambá, nós do grupo Bongar, babalorixás e yalorixás do terreiro, moradores da comunidade não aceitamos essa prática, principalmente por pessoas estranhas à comunidade.

Nós, do Grupo Bongar, somos a favor da liberação da maconha. Porém, antes disso, queremos que também seja democratizado o tratamento da polícia, que não chega a um AP ou residência em Casa Forte ou em qualquer bairro nobre, que são repletos de maconheiros também, dando pesada e tiros, como chegam nas quebradas e nas favelas, para caçar os nossos.

Fazer sua roda na beira mar de Maracaípe não é a mesma coisa de fazer na esquina da Xambá ou de qualquer comunidade pobre. Então, não cheguem aqui querendo revolucionar sem saber o que é levar um baculejo e um cano de ferro na cara nesses lugares. Não pensem que o pôr do sol da beira do Rio Beberibe é o mesmo do Laguinho da UFPE. Que ao final de queimarem um fininho todos irão subir no CDU/BOA VIAGEM levinhos. Em nossas comunidades o vulgo do transporte ainda é o CAMBURÃO!

Há 15 anos que estamos realizando um trabalho diário em nossa comunidade de valorizar os nossos jovens, buscando apontar outro caminho, não só através dos seus talentos artísticos lúdicos, mas de sua criatividade intelectual de todas as esferas. E estamos conseguindo! E a conquista do nosso Centro Cultural revela isso.

Neste domingo, 05 de junho de 2016, um primo nosso, Mamão da Xambá, realizou uma festa, onde o Coco é o grande brinquedo de luta e valorização de nossa comunidade. Mas, infelizmente, tivemos que presenciar e abordar diversas pessoas que vivem “pinotando” nos Cocos com suas “mungangas” teatrais dançantes. Onde colocam o momento festivo em segundo plano. Poxa, se querem fumar um, você não precisa sair de casa e vir para as portas das nossas moradias. Quer fumar um, fuma no quintal de sua casa, na praça próxima a sua casa. Comece a revolucionar pelo seu bairro, pelo seu quarto, pela sala de sua casa, na calçada da delegacia mais próxima a você, convença seus pais ou você mesmo a colocar um tablete de maconha em sua cesta básica de todo mês. Mas que você mesmo vá comprar no mercado e não mandar um aviãozinho (o moleque preto) de toda favela. Vai a Igreja de sua comunidade, convença o padre, o pastor e toda a comunidade religiosa dela a prega a utilização pelos jovens. Porque vocês não fazem isso? Pois lá também é uma espaço sagrado. Agora não venha sentar na calçada do nosso terreiro para satisfazer sua revolução.

Nós, do Grupo Bongar, buscamos realizar, com o nosso trabalho na Xambá, utilizando o Coco, o combate a outras práticas musicais que, para nós, são utilizadas para destruir e tornar o nosso povo, e principalmente as mulheres, em um mero elemento usual desta sociedade.

Assim, pedimos aos amigos e amigas que queiram vir às nossas e 51ª edição do Coco da Xambá (Coco de Mãe Biu) do próximo dia 29 de junho, que não consumam em nossas ruas esse tipo de droga. 

Não somos usuários dela, nem queremos que a molecada que fazemos um trabalho sejam telespectadores desta prática. Também não fazemos nenhuma questão de que em nossa festa esteja uma multidão. Pois ela nasceu e é feita dentro de um terreiro e nele ela se faz com os nossos familiares, como sempre foi e será, pois é um ato religioso, muito mais que uma simples diversão.

Assim, é apenas um dia. Faça sua cabeça em casa e chegue aqui de boa, para vivenciar, de forma leve e transcendental, este dia de festa se utilizando de uma boa música para um transe cultural, cantada e levada pelos cantadores de Coco, com muita alegria. Ok

Axé!

Grupo Bongar!"



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