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Carnaval Carnaval 2016: Pernambucana cega é autora de uma das dez melhores marchinhas do país Ex-retirante, Dona Marizete compôs "Romeu e Julieta", finalista no Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso

Por: Marcela Assis - Diario de Pernambuco

Publicado em: 27/01/2016 10:20 Atualizado em: 29/01/2016 10:03

Na infância, Marizete viveu como retirante. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP
Na infância, Marizete viveu como retirante. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP

Em uma casa modesta com pouco mais de 20 m², Maria José Santiago da Silva, de 76 anos, divide espaço com a filha Gildete Santiago, o genro e um dos dez netos. Na sala - separada da cozinha por uma cortina -, uma prateleira guarda poemas e músicas, lembranças da época em que cantava na antiga rádio Difusora de Pesqueira. Sentada próxima à porta de madeira crua, Marizete, como se tornou conhecida, ouvia atentamente cada recordação resgatada pela primogênita para o Viver. Entre as memórias, apresentações para personalidades políticas e espetáculos de dança em circos. A mais recente, a compositora fez questão de contar: "Minha marchinha Romeu e Julieta é a única representante nordestina no Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso" - realizado anualmente no Rio de Janeiro, com composições selecionadas no país inteiro.

Sem a visão - consequência de um glaucoma -, a pernambucana costuma usar o celular da filha como gravador para registrar cada criação. A técnica não foi usada no instante em que compôs a canção inscrita no festival. "Fiz por volta de 1966. Mostrei para o Maestro Duda (compositor e instrumentista, um dos mais importantes de Pernambuco), e ele fez a partitura, que guardo até hoje". Foi ao encontrar o registro, que Gildete Santiago decidiu convencer a mãe a participar do concurso: "Ela tem uma pasta cheia de músicas antigas. Parei para ler e vi o quanto são boas".

Romeu e Julieta não foi a única obra de Marizete a participar do concurso. Quando soube da possibilidade de cadastrar mais de uma composição, ela foi para a calçada em busca de inspiração. Poucos minutos depois, tinha o refrão de Olha ele aí pronto. A música não chegou a ser finalista, mas é uma das preferidas da cantora. "Acho bem engraçada, alegre. Gosto dela, porque faz as pessoas sorrirem".

O carisma da compositora esconde os desafios enfrentados ainda na infância. Até os 7 anos, ela vivia como retirante pelo Sertão pernambucano em companhia dos pais. Chegou a trabalhar empilhando tijolos e carregando baldes de água. A história, revela, pretende narrar em áudio sob o título Retirante, travessia e o grito na escuridão: "Estava escrevendo sobre minha vida, mas parei. Os papéis se perdem, amarelam. O ideal seria um gravador, ficaria mais fácil para mim".

Música finalista foi composta na década de 1960. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP
Música finalista foi composta na década de 1960. Foto: Peu Ricardo/Esp. DP

Foi em Pesqueira, no Agreste, que Marizete passou a se dedicar à carreira de cantora e bailarina. Na década de 1950, além de dividir o microfone da rádio local com nomes como Evaldo Braga e Luiz Vieira, participava de festivais. Entre as premiações - cuja quantidade não consegue estimar -, 1.500 cruzeiros que ganhou após enviar a letra da composição Faça fé, irmão para a extinta Golden Música, em 1987. Os "bons tempos", como se refere aos anos que dedicou ao mundo artístico, enfrentaram uma pausa com o assassinato do marido, na década de 1980. A dor foi traduzida através do poema Morrer antes de morrer.

Há trinta anos, Maria José mora na comunidade Padre Jordano, em Boa Viagem. Entre os vizinhos, é conhecida pela liderança que exerce no local. Apesar da vida simples, busca, com a ajuda da família, doações para distribuir entre os moradores da região. Chegou a fazer festas de Natal, São João e Dia das Mães. Uma delas, lembra com carinho, contou com bolo dado pelo cantor Reginaldo Rossi.

Para ir ao Rio de Janeiro, onde será realizada a final do concurso, Marizete não conseguiu levantar recursos. Apesar de não ter garantida a participação no evento, a compositora não esmorece: acredita que pode ganhar. "Se Deus quiser, vou ganhar. Vão dizer que minha marchinha ganhou".

>>O concurso
A 11ª edição do Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso homenageia o compositor Noel Rosa. Neste ano, foram 860 canções inscritas. Na final, Dona Marizete concorre com compositores do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Brasília. O estado de Pernambuco é bicampeão da disputa com as marchinhas Papagaio no arame (2012), de Fábio Simões e Adoro celulite (2015)‚ de J. Michelis e Gustavo Krause. A final está marcada para o sábado de carnaval, dia 6 de fevereiro, na abertura do carnaval da Lapa. Em breve, a votação para escolher o vencedor do Carnaval 2016 será aberta ao público no site do concurso.


>>Letra
Esqueça, esqueça. Não sou Romeu, nem você é Julieta
Esqueça, esqueça. Não sou Romeu, nem você é Julieta
Não guarde mágoas e nem rancor, é Carnaval, o que passou, passou
Fique na sua, não tire dessa
Para namorar, tem gente aí à beça
Esqueça, esqueça. Não sou Romeu, nem você é Julieta
Esqueça, esqueça. Não sou Romeu, nem você é Julieta
Não guarde mágoas e nem rancor, é Carnaval, o que passou, passou
Não guarde mágoas e nem rancor, é Carnaval, o que passou, passou
Fique na sua, não tire dessa
Para namorar, tem gente aí à beça
Fique na sua, não tire dessa
Para namorar, tem gente aí à beça

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