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Samba Diogo Nogueira lança disco com críticas a práticas religiosas e em defesa das mulheres Músico divulgou novo trabalho durante roda de samba no Rio de Janeiro

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 09/06/2015 11:49 Atualizado em: 11/06/2015 23:37

Diogo cantou clássicos do samba e algumas novidades do disco. Foto: Anderson Borde/Divulgação
Diogo cantou clássicos do samba e algumas novidades do disco. Foto: Anderson Borde/Divulgação

Rio de Janeiro - O sambista carioca Diogo Nogueira lançou o oitavo disco da carreira, Porta-voz da alegria (Universal, R$ 21), nesta segunda-feira (08), em festa para convidados no Lapa 40º, no boêmio bairro carioca. Em clima de descontração e improviso, ele cantou novidades, sucessos da carreira de oito anos e clássicos do samba, ao lado de amigos como Rodrigo Leite, Paulo César Feital e Serginho Meriti, autores de faixas do álbum, Bruno Cardoso, do Sorriso Maroto, o produtor, e Lu Carvalho.

Porta-voz da alegria é um álbum sobre a leveza, com letras de agradecimento, várias românticas – algumas sobre desamores, mas sem melancolia – e uma pitada de crítica social e discussão sobre tolerância e respeito ao próximo e às mulheres. "As mulheres venceram barreiras, hoje nós temos líderes mundiais no poder, que são mulheres, que fazem a diferença, lutam, brigam, como o homem. Elas merecem respeito", afirma.

"Clareia a nossa visão/ Que a intolerância maquia/ Criança virando o carvão/ Nas minas cá do meu sertão", versa Grão de areia, de Jorge Vercillo e Paulo César Feital, para logo depois disparar "Se é fogo de corrupção/ Que o planeta incendeia/ Tem rico assaltando o ladrão/ Pastor iludindo as ovelhas/ Tem nego explodindo no chão/ Dizendo que é pelo Alcorão".

O filho Davi, de apenas 9 anos, estampa a contracapa, com sorriso de moleque e um tamborim, instrumento no qual se arrisca desde mais novo. "O papel do artista é transmitir mensagens positivas, que façam com que a pessoa se sinta bem. Mesmo ela estando deprimida, ela consiga achar dentro da canção uma esperança, uma luz. Nossa parte aqui é transmitir coisas boas para as pessoas. Essas coisas podem mudar um país, uma história, como o samba já fez muitas vezes", acredita Diogo, que encarou uma jornada de oito horas entre entrevista e festa de lançamento sem trocar de roupa, mas também sem deixar apagar o sorriso, apesar do nítido cansaço.

Das 15 composições escolhidas, apenas duas têm assinatura dele: a malandra Na boutique, com Leandro Fab e Fred Camacho - "Eu fico de olho na sua boutique/ Pra lá e pra cá, toda chique/ Curioso, querendo provar" - e Paixão além do querer, com Raphael Chaid e Inácio Rios, com tradicionais declarações de amor.

Compositores de faixas do disco, Paulo César Feital, Serginho Meriti e Rodrigo Leite participaram da festa. Foto: Anderson Borde/Divulgação
Compositores de faixas do disco, Paulo César Feital, Serginho Meriti e Rodrigo Leite participaram da festa. Foto: Anderson Borde/Divulgação
Apesar da baixa média de autorais gravadas por ele, um disco só com obras próprias já se desenha. "O tempo vem trazendo um amadurecimento como compositor. Já tenho um repertório bem grande de canções. O Bossa negra (com o bandolinista Hamilton de Holanda) é autoral, praticamente. Tudo no seu tempo, na sua hora para fazer. Eu já mostro as minhas canções, elas já são muito bem aceitas. E acredito que daqui a um tempinho em faça um disco autoral", promete Diogo, que tem até uma balada em parceria com Rodrigo Leite.

Outra novidade em gestação é um programa de rádio, aos sábados e domingos, sobre o samba. Antes, passará 45 dias na Europa em turnê com o Bossa negra por 10 países. "Hamilton é um grande irmão, juntamente com Thiago da Serrinha (percussionista) e André Vasconcelos (contrabaixista). A gente está tendo a oportunidade de levar um pouco do nosso Brasil pro mundo”, comemora, sobre o projeto conduzido pelo samba, jazz e choro. O quarteto abrirá os shows de Gilberto Gil e Caetano Veloso na França e Inglaterra.

Porta-voz da alegria ainda não tem data prevista para aportar em Pernambuco, assim como o musical SamBRA, primeira experiência dele com o teatro. "A única coisa ruim são os ensaios, que são tensos, você fica de oito a dez horas, muito cansativo. Mas foi tudo muito bom, para minha vida, minha carreira. É uma coisa que vou levar pro resto da minha vida, acho que até o último dia", comenta. O espetáculo, sobre a história do samba, estreou em março e segue em turnê pelo Brasil.

A repórter viajou a convite da Universal Music

Entrevista // Diogo Nogueira

O que é ser um porta-voz da alegria?
Não só sou eu. Só uma peça dessa engrenagem. Todo artista, composição, de alguma forma, é porta-voz. É o momento do gol, do show, espetáculo. Acho que são todos os momentos que fazem com que você se sinta bem e feliz. Estou muito feliz em poder transmitir coisas boas com esse disco e todo processo por que estou passando. Bossa negra é um porta-voz da alegria, SamBRA, Samba na Gamboa. Fazer parte dessa engrenagem é muito bom.

"Porta-voz da alegia" tem duas músicas com assinatura de Diogo. Foto: Instagram/Reprodução
"Porta-voz da alegia" tem duas músicas com assinatura de Diogo. Foto: Instagram/Reprodução
Historicamente, o samba tem importância de trazer alegria para as pessoas?
Com certeza. O samba passou por vários momentos. E sempre, junto com ele, a alegria estava presente, até nos momentos em que tinha de sair fora, correndo do camburão. O samba faz isso. Tem vários momentos em que, politicamente, o samba, a música fez a diferença para esse país.

O musical SamBRA conta a história do samba. O que o ritmo promete para os próximos 100 anos?
Só Deus pode saber. Claro que a gente procura construir, para lá na frente as coisas terem resultados positivos e coisas boas, uma continuidade. A gente faz isso de coração, com muito amor à música, ao samba, para que ele continue vivo daqui a 100 anos, do jeito que está, sendo cantado nas rodas de samba, falado nas rádios.

O disco menciona Deus em quatro músicas. Como é sua relação com ele? Qual sua religião?
Sou católico, kardecista, macumbeiro, evangélico. Não frequento, mas acredito muito em Deus. Tenho uma fé muito forte. Já fui em cultos de candomblé, à igreja católica. Acho que você tem que ter fé no coração e acreditar no Deus maior. As coisas que levam até ele, a gente respeita muito.

O que acha do momento religioso em que vivemos, de choque de crenças e debate sobre tolerância religiosa?
As coisas têm que ser respeitadas. Cada um tem que respeitar o seu espaço e religião. Vou à igreja, ao terreiro, centro espírita. Quando existe respeito por cada religião, acho que é bacana. Quando uma religião passa a desrespeitar a outra, fazendo acusações, perde o sentido da fé, do coração.


Já em Musas, você faz homenagem às mulheres e também fala sobre respeito.
É uma composição fantástica do Arlindo com o Rogê, em que homenageia os nossos poetas. As mulheres das músicas, dos livros e as reais. Acho que as mulheres devem ser respeitadas. Elas venceram barreiras, hoje nós temos líderes mundiais no poder, que são mulheres, que fazem a diferença, lutam, brigam, como o homem. Elas merecem respeito. Você merece respeito.

O Brasil respeita as mulheres?
Sim, boa parte sim. Muita gente ainda tem um ranço, muitos homens têm aquela coisa de mulher não pode trabalhar. Mas isso está acabando. A mulher já tem seu espaço.

Ainda sobre tolerância, o que acha da Parada Gay?
Acho fantástica. Todos têm direito de ser livres e fazer o que quiser. O livre-arbítrio está aí. Respeito muito os gays, tenho vários amigos gays. E eles só estão pedindo um pouco de espaço, de direito.

Grão de areia fala também sobre corrupção. Como ex-jogador de futebol, o que acha das denúncias sobre corrupção na Fifa?
Não tem novidade nenhuma. Isso existe já há muitos anos, não só no futebol, mas na política, a gente vive isso há sei lá quanto anos. Só que as coisas estão aparecendo e sendo faladas, discutidas, as pessoas estão sendo presas, como já deveria ter acontecido antes. Graças a Deus, as pessoas estão tomando providências.

Depois de SamBRA, você tem outros projetos de atuação?
Não, por enquanto o SamBRA, que está sendo maravilhoso, uma experiência fantástica. O Gustavo me recebeu com muito carinho, o elenco também. Eu tive a oportunidade de realmente me entregar ao processo todo para fazer o SamBRA. Falar um pouco da história do samba, porque na verdade não são só 100 anos, mas negar um pouco dessa história e transmitir com alegria, muita emoção, é muito bom.

Você mantém uma média de um disco por ano, o que não é mais tão comum no mercado fonográfico. Que aceitação é essa?
Um DVD deve vir desse disco. Isso não é uma escolha nossa. É um processo que as gravadoras fazem com alguns artistas. De um em um ano, eles querem lançar um produto. Com todos, graças a Deus, ganhei disco de ouro, ou de platina.

E você enxerga crise no mercado?
Ela está aí presente. Mas tem gente que sobrevive, tem fene que fica ali. Depende de cada artista. Eu comecei pela imagem, com o DVD, pelo público. Meu primeiro DVD, dois dias antes do lançamento, já vendia no pirata. Dizem que, quando sai no pirata, é porque é sucesso. Para o artista, a internet veio para somar. Para a gravadora, algumas coisas somam e outras não. A gente é que nem camaleão, se adapta ao ambiente.

Você usa muito a internet? É daqueles que não largam o celular?
Não sou um cara que fica muito no celular. Fico mais no Instagram, de vez em quando mando umas mensagens pro Facebook. Não sou eu que fico administrando, é o escritório. Uso muito para trabalho, divulgação. Sempre que posso, dou uma olhada, mas não sou aquele cara viciado, que fica o tempo inteiro. Meu contato com o público é muito pessoal, nos shows, no camarim, atendo as pessoas, o fã-clube. Falo diretamente com o fã. A internet fica muito holograma, distante.

E seu filho, Davi, de 9 anos?
Ele é completamente internético. Sabe tudo. Qualquer coisa, pesquisa, me mostra, me ensina muito nesse processo. As crianças de hoje em dia já nascem com o chip na cabeça.

Você tem alma boêmia, como diz uma das músicas do disco?
Todo carioca tem um pouquinho. Essa canção o Toninho Geraes fez para mim. Eu estava no campo do Chico (Buarque, o Polytheama), ele cantou para mim, mas não absorvi o lance. Anos depois, a música estava rodando nas rodas de samba do Rio, São Paulo, vários lugares e tive oportunidade de gravar. Acho que botei um pouco do meu tempero.

Com que frequência você joga?
Sempre compareço no Chico. É divertido, muito bacana. Eu tenho o meu, Trem da Alegria, minha pelada, em campo de 11, onde faço a minha resenha. Tem no Instagram, Trem da Alegria 11. Aí posto as fotos das comidas que a gente faz, as resenhas.

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