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VERGONHA

Trabalho análogo à escravidão atesta racismo

Publicado em: 22/11/2022 15:20 | Atualizado em: 22/11/2022 17:46

Roseniura Santos diz que noticiar flagrantes ajuda muito no combate ao problema (Cristiano Eduardo - AI 8º Enafit)
Roseniura Santos diz que noticiar flagrantes ajuda muito no combate ao problema (Cristiano Eduardo - AI 8º Enafit)
Oito em cada dez pessoas encontradas e libertadas de trabalho em condições análogas à escravidão se autodeclararam negras ou pardas, revelam dados debatidos entre a manhã e o começo da tarde desta terça-feira no 38º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (38º Enafit), no Beach Class Convention By Hôm, em Boa Viagem, Região Sul do Recife. Para a auditora-fiscal do Trabalho e doutora em Políticas Sociais e Cidadania Roseniura Santos, esses indicativo é uma espécie de “termômetro” que desnuda mais uma face dos resquícios da escravidão que permeia a questão racial no Brasil. Um quadro que envergonha o país que, em 2021, teve libertadas 1.937 pessoas de condições de trabalho análogo à escravidão.

O evento é promovido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e sua Delegacia Sindical de Pernambuco (DS/PE), e, para quem ache que sejam números não tão impactantes, Roseniura Santos acrescenta que, na verdade, são dados do esforço de trabalho de um reduzido contingente de apenas 1.900 fiscais para todo o país, quando, segundo indicativos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), deveriam ser 8 mil. E não raramente concentrados em áreas urbanas, quando a atividade agrária é a campeã na ocorrência de casos. Na área urbana, a quantidade de casos vem crescendo por conta de uma ação mais ampla na capital de São Paulo, onde essa prática se volta à exploração de imigrantes.

Vergonha X políticas públicas  
Roseniura Santos destaca a necessidade de criação, manutenção e ampliação de políticas públicas para enfrentar a acabar com os reflexos do fato de o Brasil ter sido um dos últimos países a eliminar a escravidão de modo oficial e de ter proporcionalmente tão pouco tempo de trabalho livre para a população negra/parda. Algo que se mostrou presente até na resistência a iniciar o trabalho de fiscalização e eliminação de casos de trabalho análogo à escravidão. “Não se reconhecia a existência dessa situação”, lembra, acrescentando que as notícias dos casos ajudam muito.

Dados do Portal da Inspeção do Trabalho (clique aqui para conhecer) revelam que do trabalho iniciado em 1995, auditores das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs) inspecionaram mais de 4.303 estabelecimentos e libertaram mais de 59 mil pessoas em situação análoga à escravidão. Dados que, associados ao recorte social das vítimas, fizeram com que essa questão dominasse o debate “As Pessoas Pretas e os Desafios do Mercado de Trabalho”, que contou com a participação da pesquisadora Ana Georgina Dias, supervisora técnica do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos na Bahia (Dieese-BA), e a socióloga Emanuelle Cristina Santos, da assessoria da vereadora vereadora do Recife Dani Portela (PSol).

As estatísticas do Ministério do Trabalho e Previdência registraram em 2021 a maior alta desde 2013 dos flagrantes de trabalho análogo à escravidão. E, ainda que o total de 1.937 do ano passado esteja abaixo dos 2.808 daquele ano, ocorreu um aumento de 106% em relação a 2020. Segundo a Secretaria da Inspeção do Trabalho (SIT), dados do Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado apontam que no ano passado 90% dos resgatados nas ações fiscais eram homens, sendo 28% entre 30 e 39 anos. A maioria tinha nascido no Nordeste (47%). Quando se analisa a questão racial, 80% se autodeclararam negros ou pardos, 17% brancos e 3% indígenas. 

Segundo o relatório “Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira 2021”, publicado em novembro do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas negras eram a maior parte da população desempregada, empregada com subocupação e com os menores rendimentos mensais no país em 2020. Além disso, também representam a maioria entre os desempregados (46%) e são os que recebem menores salários, ocupando cargos caracterizados por baixos rendimentos e alta informalidade.

“Sob qualquer ponto de vista que a gente observe os indicadores do mercado de trabalho, seja informalidade, seja desocupação, seja subocupação, seja desalento, nós sempre percebemos uma preponderância da população negra nesses indicadores”, destaca Ana Georgina Dias, do Dieese-BA. “Não tem como ignorar que o racismo estrutura todas as relações, inclusive as relações de trabalho”, pontua a socióloga Emanuelle Cristina Santos

*Com informações da Assessoria de Imprensa do 8º Enafit.

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