Calçada Legal

O desafio de valorizar as calçadas do Recife

No Recife, projeto do poder público busca requalificar passeios e, acima de tudo, mudar uma cultura de negligência por parte de toda a sociedade

Publicado em: 20/09/2018 09:05 | Atualizado em: 20/09/2018 09:11

Oliveira Lima, na Boa Vista, será a próxima via contemplada pelo Calçada Legal. Foto: Camila Pifano/Esp. DP

Seguindo tendência comum a outras cidades brasileiras, algumas iniciativas de mobilidade no Recife estão sendo pensadas a partir das necessidades de quem anda a pé. Para isso, é fundamental priorizar a manutenção dos passeios públicos. Apesar de a legislação municipal estabelecer que a responsabilidade pelo cuidado com as calçadas é dos ocupantes dos imóveis, a prefeitura iniciou um programa para recuperar o equipamento urbano nas principais vias da capital.

Ruas de grande circulação de pedestres ou que tenham corredores de ônibus começaram a receber novo piso. Uma das vias contempladas foi a Avenida João de Barros, na Zona Norte, que teve passeios reformados em toda a sua extensão, de cerca de 2,5 km. Apenas um ponto, localizado depois do cruzamento com a Avenida Agamenon Magalhães, ainda precisa de reparo e tem entulhos que atrapalham a passagem dos pedestres que utilizam a calçada do lado direito. 

Já a Rua do Príncipe, localizada no bairro da Boa Vista, área central do Recife, por enquanto recebeu calçadas novas apenas do lado direito, no sentido à Rua Princesa Isabel. Quem anda do lado esquerdo ainda encontra dificuldades por causa da estrutura do passeio e da presença de ambulantes ao longo da rua, além de raízes das árvores que quebraram parte do concreto.

A estudante Brena Santos, 24 anos, caminha todos os dias pela Rua do Príncipe e sugere intervenções na parada de ônibus que ocupa parte da calçada no trecho em frente à Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). “Pensando a cidade do ponto de vista de quem anda a pé, é preciso considerar a possibilidade de fazer calçadas maiores para relocar esses abrigos e dar passagem aos pedestres, já que em horários de pico a parada fica lotada e a gente precisa passar no meio da rua”, comentou.

Nas proximidades daquele trecho, o encontro das ruas Nunes Machado e Bispo Cardoso Ayres ganhará um alargamento de cinco metros para área de convivência através de uma parceria com a Unicap, que cedeu o espaço de recuo. Essas obras correspondem ao primeiro lote do programa Calçada Legal, executado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB), com investimento de R$ 9 milhões. 

Estão incluídas nessa primeira fase as Avenidas Mario Melo, em Santo Amaro; Barão de Souza Leão, em Boa Viagem; Riachuelo, nos Coelhos, João Lira, na Boa Vista; Arquiteto Luís Nunes, na Imbiribeira; Augusto Calheiros, Santos Araújo, em Afogados e Maria Irene, no Jordão. 

“Mais de 70% da população do Recife andam ou a pé ou usam transporte coletivo e escolhemos os grandes corredores para definir quais calçadas podem priorizar a grande maioria dos pedestres, contemplando todas as regiões, mas basicamente incluindo o Centro e os bairros de Afogados, Imbiribeira, Boa Viagem, Encruzilhada, Graças e Espinheiro”, afirmou o diretor urbanístico da URB, João Alberto Costa.

A Avenida Rosa e Silva será contemplada no segundo lote e irá contar com uma ação integrada entre CTTU, Secretaria de Meio Ambiente, Emlurb e URB para tentar eliminar as irregularidades, como o estacionamento nas calçadas, que se tornou frequente naquela região. “Pretendemos estabelecer um marco de utilização adequada de calçada, tanto educativo e como do ponto de vista da aplicação de lei, porque essa é uma situação que atrapalha o trânsito e o pedestre. Vamos estabelecer um padrão de utilização correta de calçadas dentro de dois meses garantindo ainda”, comentou o diretor urbanístico da URB.

Passeio integrado ao seu entorno

Rua do Príncipe, uma das mais movimentadas da região, é modelo para o projeto. Foto: Camila Pifano/Esp. DP


A próxima rua a passar por reparo será a Oliveira Lima, na Boa Vista. Um estudo ainda está sendo feito pela URB para garantir a presença das árvores, já que muitas delas tiveram as raízes expostas, chegando a danificar parte do calçamento. A comerciante Carla Soares, 43 anos, passa diariamente pela via e reconhece que o trecho precisa de reparos. “A maioria das calçadas do Recife está difícil de andar. É um caos porque temos que passar na pista, próximo aos carros ou arriscar cair nos buracos. Tenho esperança que dessa vez façam um trabalho bem feito para resolver essa situação”, comentou.

A rua conta com construções históricas como o Santuário Nossa Senhora de Fátima, o primeiro do mundo construído em homenagem à santa, que em setembro completa 85 anos de inauguração. Dividem esta mesma calçada a Escola Liceu de Artes e Ofícios de Pernambuco, antigo Colégio Nóbrega, erguido com arquitetura neoclássica em 1917, e a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que ocupa o Palácio da Soledade, utilizado como residência pelos bispos de Olinda no século 18. 

“Temos árvores seculares que precisamos manter. Existe uma negociação para entrar na faixa de rolamento ou ainda na área de estacionamento. Estamos fazendo um estudo para garantir a caminhabilidade de forma que não seja necessário erradicar nenhuma espécie”, disse o diretor urbanístico da URB. 

Um exemplo de passeio histórico preservado no projeto da URB é a esquina da Avenida Rui Barbosa com a Avenida Dr. Malaquias, no bairro das Graças, Zona Norte do Recife, onde está localizada a Academia Pernambucana de Letras (APL). O espaço passou por reforma e alargamento no último mês, através do Calçada Legal, mas manteve o padrão de mosaico português desenhado pelo arquiteto Geraldo Santana em 1969.

De acordo com o arquiteto, consultor e militante da mobilidade a pé no Recife, Francisco Cunha, programas deste tipo precisam ser ampliados. “As cidades, na segunda metade do século 20, passaram a ser planejadas para o automóvel, mas estamos chegando à conclusão de que precisamos de mais espaços como calçadas, ciclovias e faixas exclusivas para ônibus, priorizando o coletivo. Esse programa da prefeitura é muito bem-vindo e precisa ser ampliado”, comentou. Até o fim deste ano todos os processos licitatórios dos 10 lotes devem estar em andamento e todas as calçadas serão entregues em 2020.
 
Entenda
  • 10 lotes estão incluídos no projeto
  • 134 quilômetros de calçadas
  • 114 ruas contempladas
  • 56,3 mil metros quadrados requalificados
  • R$ 105 milhões em investimentos totais
  • 2020 é o ano previsto para a conclusão do projeto
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