100 anos Rádio Clube

Eis A hora azul das senhorinhas: um programa dedicado às mulheres

Sucesso da Rádio Clube na década de 1930, programa deu início à era das transmissões realizadas ao vivo em auditórios com ouvintes

Publicado em: 09/07/2018 08:44 | Atualizado em: 09/07/2018 14:12

Este era o perfil das senhoras e moças românticas da alta sociedade que escutavam a transmissão. Foto: Arquivo Nacional

Tinha dia que o próprio governador Carlos de Lima Cavalcanti se dava ao trabalho de telefonar para o estúdio da Rádio Clube pedindo para que dessem o bis: “Olha, manda essas meninas repetirem esse samba gostoso que elas acabaram de cantar”. Linda Ferreira, estrela do programa e irmã do maestro Nelson Ferreira, contava que “seu Oscar”, o manda-chuva da emissora à época, reclamava na surdina: “Eu não gosto muito de bisar, mas o governador está pedindo…”. E Linda e a irmã Ladyclair entoavam a voz de novo e cantarolavam o sucesso que agradava à Sua Excelência. Era sempre de tarde que chegava a ligação de Carlos de Lima, durante  o bem sucedido programa A hora azul das senhorinhas.

“Não era apenas um programa romântico feito para um público essencialmente feminino, mas um programa romântico para todos os gostos, sexos e idades”, descreve Renato Phaelante. De todo modo, as jovens e senhoras mais românticas aguardavam o programa com inquietude. Era produzido de forma amadora, sem pagamento de cachês, mas, frisa-se: tinha alto nível, algo compatível à genialidade de Nelson Ferreira, maestro que comandava a atração.

A hora azul das senhorinhas contava com a participação de jovens da sociedade, mas a qualidade artística era de alto nível. Risoleta, filha do governador, cantava nele, assim como outros que se arriscavam no meio artístico e queriam dar projeção ao talento usando o meio de comunicação de massa mais moderno. Sempre no entardecer, tinha duração de 16h às 17h nas quintas-feiras em princípio. A hora perfumada e sonora, música de Nelson, abria o programa e seguia com poesias declamadas por Ziul Matos, com canções tocadas no piano por Ariovaldo Vaz. Para se ter uma ideia do prestígio, a esposa do político e depois governador Cid Sampaio, dona Dulce Sampaio, gostava de compor e costumava ir na Rádio Clube para ajudar na produção, ainda que não cantasse.

“Dentro do programa havia enquetes, brincadeiras, poesias, teatro, com participação de parte dos artistas da rádio. Tocavam violino, piano, tinha um quinteto de cordas”, contou Aline Branco, nome artístico forte do programa, durante depoimento à Fundação Joaquim Nabuco.

Prédio histórico da Radio Clube, a pioneira, a PRA-8
Foto: Arquivo Nacional

O A hora azul das senhorinhas tinha uma audiência que supera qualquer expectativa”, frisa Phaelante, um dos pesquisadores mais dedicados a estudar os primeiros anos da Rádio Clube, fundada em 1919. O Recife, lembra ele para situar nos costumes, era nesta época “um remanso tranquilo em cujas margens se pode ouvir ainda os ecos das cantigas de rodas, as conversas descontraídas nas calçadas”.

Quando A hora azul das senhorinhas era um sucesso, com a chegada de dezenas de cartas dirigidos ao casting que fazia parte dele, a Rádio Clube resolveu inovar no formato, tendo o programa servido ao experimento. Abriu-se um miniauditório para que o público pudesse acompanhar a produção, assistindo as apresentações. Puseram cadeiras, estilo teatro.

Jovens colegiais e mocinhas chegavam a faltar aula para ir ao estúdio da Rádio Clube ver de perto os ídolos românticos. Elas os viam por meio de um vidro que separava o público do artista, diz Phaelante, ex-coordenador da fonoteca da Fundação Joaquim Nabuco. “Dessa experiência com um miniauditório para a composição de um programa real de auditório é tudo muito rápido”.

Maestro Nelson Ferreira, o gênio do sucesso

Por trás do sucesso de A hora azul das senhorinhas tinha um gênio: o maestro Nelson Ferreira. Ele compôs a primeira obra aos 14 anos; aos 29 foi contratado pela Rádio Clube, onde ficou até 1971. Durante quatro décadas, fez um trabalho de transformação na emissora e criou programas de grande audiência.

“Veio-me a vontade de criar A hora azul das senhorinhas atendendo à graça de que se revesteria um programa feminino e feito pelos ouvintes de pendores artísticos”, conta ele, em entrevista publicada em 1935 pelo extinto jornal Diario da Manhã e transcrita no livro Claudionor Germano: A voz do frevo, de autoria de José Teles (Ed. Cepe/2017). “Ao lado deste cast extra estariam os nossos melhores artistas e o speaker Moreno”, disse, lembrando do “prestígio monstro” que tinham “figuras graciosas que se ocultam sob os pseudônimos de Lotte, Lia, Léa e Letícia a a apreciada declamadora Maria Corinthia de Menezes”.

O rádio nesta época ainda era um objeto elitizado; famílias e vizinhos se reuniam em torno dele para ouví-lo. Foto: Arquivo Nacional
Em 1931, o maestro era o músico mais popular do Recife. Ficava responsável pelas escalações nos programas e, como diretor artístico da Rádio Clube, promoveu modificações gradativas até chegar a uma programação que o agradasse. Tipo do profissional versátil, capaz de compor, tocar e produzir músicas e conceitos de programas. E, ao seu favor, contava com o seu carisma. Diz Renato Phaelante, pesquisador fonográfico da Fundação Joaquim Nabuco por muitos anos, que Nelson Ferreira era visto pelos amigos como um homem descontraído, brincalhão e que conseguia, ao mesmo tempo, ser sério e correto no que dizia respeito à produção no trabalho.

Nelson criou vários programas. Afora A hora azul das senhorinhas, inovou com Aperitivo, Entre outras coisas, A seu pedido e a Hora da saudade. Na entrevista ao Diario da Manhã, o próprio maestro disse: “Podemos dizer que tornamos a PRA-8, modéstia à parte, a estação dos melhores programas do Brasil.”

Esta matéria compõe uma série de reportagens sobre os 100 anos da Rádio Clube, publicada toda segunda-feira
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