Opinião Evandro Menezes de Carvalho aborda o preço de educar para a burocracia "Os estudantes terão que usar o conhecimento adquirido na escola e universidade para obter ou criar emprego"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 15/01/2016 07:09 Atualizado em:

Por Evandro Menezes de Carvalho
Professor de direito global da FGV Direito Rio. Foi professor visitante da Universidade Fudan, Xangai e presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito (Abedi)

Um dos feitos notáveis das dinastias chinesas foi aquele de ter instituído burocracia que permitiu ao imperador ter o controle sobre um país tão grande em território e população. A inovação, na época, foi a realização de concursos públicos para selecionar os mais aptos. Em um templo confucionista em Nanjing, que servia como um cursinho preparatório para os exames imperiais, pude ver exibição de fotos dos locais de prova: eram galpões imensos de onde se espalhavam centenas de bancas de prova e várias pequenas torres onde ficavam os fiscais.

Sim, havia cola naquela época. As provas envolviam conhecimento de caligrafia, lições confucianas, pintura e poesia. Aqueles que obtinham as melhores notas tinham o privilégio de trabalhar na Cidade Proibida - centro do poder imperial. Ser aprovado no exame imperial era o suprassumo da vitória profissional para qualquer chinês comum. 

No outro lado do Hemisfério Norte, a Europa estava funcionando a pleno vapor sob o signo da revolução industrial. Novas descobertas científicas eram feitas, máquinas substituíam o trabalhador e aceleravam o tempo da produção. Com a industrialização europeia, novas e potentes armas de guerra foram projetadas e usadas para nova onda colonizadora que chegou às margens da China. Inglaterra, França, Alemanha e Rússia controlavam portos e tomaram partes do território chinês. O Japão, que havia seguido o caminho europeu da modernização, também avançou sobre a China com muito apetite. No fim do século 19, a China estava exaurida, endividada e empobrecida. A dinastia Qing soçobrava. O modelo de formação da elite governante chinesa era adaptado apenas para a China e não para o mundo que emergia da revolução industrial e prenunciava o que viria a ser o século 20. Afinal, enquanto os chineses se dedicavam ao estudo para os concursos, outros países estavam explorando todas as potencialidades que a era industrial estava propiciando.

Exasperados pelo histórico de derrotas sofridas, o imperador chinês Guangxu, apoiado pela imperatriz viúva Cixi, lançou, em 1898, conjunto de reformas modernizantes. No topo da lista de mudanças, estava a reforma do sistema educacional que era o fundamento do Estado. A reforma consistia na substituição do modelo até então vigente por um mais próximo ao sistema ocidental. Foi mudança ousada e corajosa para a época. Introduziram-se provas sobre política internacional e economia, escolas primárias e secundárias lecionavam ciências naturais e sociais ao modo ocidental, enviaram-se estudantes ao exterior e fundou-se a Universidade de Beijing para que liderasse as reformas na educação. Mas foi esforço tardio. A China e os chineses haviam aprendido a lição não por meio da educação - até porque 99% da população era analfabeta -, mas pela exploração e humilhação estrangeiras. 

O fato é que esse exemplo da história chinesa me leva a pensar sobre o Brasil atual. Já superamos o analfabetismo. Mas há ainda longo caminho a percorrer quando se trata de educação. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da OCDE, estamos na 60ª posição num total de 76 países avaliados. As nossas melhores escolas particulares estão com notas abaixo da média mundial. Esse resultado sofrível talvez seja consequência do nosso modelo de ensino totalmente capturado pela lógica dos concursos públicos. Agora que a crise econômica se instalou no Brasil e vagas para concursos tenderão a se reduzir, os estudantes terão que usar o conhecimento adquirido na escola e universidade para obter ou criar emprego. 

Em um governo que elegeu a educação como prioridade, nada justifica que não tenhamos agenda política e econômica mais ousada para esse setor, pois as duas crises que vivemos têm a educação como causa. Sobram exemplos na história do preço que nações pagaram por terem tido população despreparada para entender e fazer política, produzir riqueza e viver o mundo em que viviam. Receio que pagaremos preço alto se nada fizermos. Da forma mais dolorosa, os chineses perceberam que é melhor aprender por meio do sistema educacional do que na vida sem nenhum preparo. Espero que essa e outras lições da história sejam suficientes para não cairmos no mesmo erro. 


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