Emocional Os impactos da crise política no inconsciente coletivo

Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/09/2015 22:00 Atualizado em: 31/05/2017 22:15

 (Lucas Pacífico/CB/D.A Press)

Na casa de número 100 localizada na Brás Cubas, nome dado à rua em homenagem ao desencantado personagem do escritor Machado de Assis, as quatro pessoas que lá vivem não se respeitam mais. As brigas são constantes e, quando amenizam, o clima de tensão e mau humor gruda nas paredes apertadas da residência. Todos têm medo e desesperança. Esse é o retrato do Brasil em meio a uma das crises políticas mais agudas da história. A banalização da corrupção, somada ao crescente desemprego, provoca impactos no inconsciente coletivo e cria um tipo de doença emocional generalizada. A casa citada acima é de ficção, mas os sintomas descritos são reais. Segundo a análise de especialistas, a afetividade dos brasileiros potencializa os efeitos da crise.

Parece coincidência, mas não é por acaso que o brasileiro tem presenciado ou vivido dias de fúria com mais frequência. Recentemente, uma estudante rasgou o “Boneco Inflável de Lula”, na ponte estaiada de São Paulo, e por pouco não foi linchada. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu vaias e xingamentos quando estava andando na Avenida Paulista, e teve que entrar numa livraria para se proteger. O ex-ministro Guido Mantega estava num hospital privado, também no estado paulista, quando começou a ser alvo de protestos e convidado a “ir para o SUS” ou para “Cuba”. Atitudes que só refletem as frustrações pelas quais passa o Brasil.

Segundo Aurélio Melo, professor da Manckenzie, com mestrado e doutorado em psicologia escolar e desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP), uma pessoa pensa no país como a casa dela. Estabelece uma relação semelhante ao do casamento e quando um das partes falha – “quebra o contrato” -, a outra se sente tentada a fazer o mesmo. Nessa quebra de contrato, começa a faltar o respeito e a ética. E isso leva a outros sintomas de uma crise conjugal, sendo que no país é amplificada. Não é apenas um casal, uma residência. Todos sentem algo parecido.
“Se um indivíduo se decepciona com quem governa, com quem decide, é como se decepcionasse com ele mesmo”, analisa o professor. “As pessoas estão permeadas pelo social, principalmente nas condutas… Eu diria que a maioria tende a ceder e dizer: ‘Eu estou jogando o jogo errado, é um vale tudo”, acrescentou, elencando ainda os efeitos da crise sobre a autoestima.  “Você se sente bobo e isso é ruim”, disse.

O passado
Há diferenças entre a crise atual e outras vividas no Brasil porque ela é online, 24 horas, e com notícias negativas que se multiplicam de maneira mais rápida. Os impactos emocionais ainda são diferentes e imprevisíveis, por isso a importância de se estar fortalecido. Entre os anos de 1996 a 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, segundo dados da dissertação de Marcelo Augusto Finazzi, da Universidade de Brasília, 130 bancários cometeram suicídio no processo de privatização dos bancos, demissões e precarização das condições de trabalho. Não há números oficiais do Ministério da Saúde que retratem os efeitos psicológicos provocados na população durante o governo Fernando Collor, mas há relatos de que também houve muitos casos de depressão e suicídio, após o confisco da poupança, que ocorreu em março de 1990. São apenas alguns exemplos.

Para a psicóloga Letícia de Oliveira, que tem mais de 30 mil seguidores no Instagram e é especialista em análise comportamental, o Brasil pode sofrer mais com as crises por ser mais afetivo e, portanto, mais sensível. “O brasileiro é tipicamente afetivo. A população mais emotiva acaba reagindo mais calorosamente quando o ambiente é reforçador e mais impulsivamente quando o ambiente é aversivo”, declarou.

Tanto Aurélio Melo quanto Letícia de Oliveira ressaltam a importância de resistir à fase, que se soma aos problemas já existentes da modernidade. Eles sugerem que o indivíduo não se inspire nos erros do outro, tente receber melhor as críticas para saber fazê-las. Adotar atitudes cidadãs também ajuda muito a recuperar a autoestima. Em outras palavras, ambos sugerem que os brasileiros sejam diferentes de Brás Cubas que, no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, estava morto e, por isso, eximia-se de qualquer compromisso com a sociedade.



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL