Gestão pública Transparência ainda não é fato para 76% dos municípios de PE Com seus respectivos portais onde deveriam estar lançadas receitas e despesas desatualizados ou fora do ar na internet, prefeituras driblam uma legislação que foi regulamentada há três anos

Por: Júlia Schiaffarino - Diario de Pernambuco

Publicado em: 08/06/2015 14:29 Atualizado em: 08/06/2015 17:09

Nos sites de algumas prefeituras ele está em local visível, no de outras, quase no rodapé. Fato é que após três anos da regulamentação da Lei da Transparência (n. 131/2009), a maioria dos executivos pernambucanas apresenta o símbolo de acesso ao almejado Portal da Transparência em suas páginas de internet. O lado oposto da moeda é que muitos não funcionam ou estão desatualizados, convertendo-se em verdadeiros dribles à legislação. Eles se juntam às gestões que nem mesmo o link disponibilizam ou sequer site têm, cristalizando um desrespeito à legislação, que em Pernambuco é registrado em 76% do território, conforme levantamento realizado pelo Diario de Pernambuco entre os dias 20 e 22 de maio. Nele foram verificados o lançamento de receitas e despesas na rede ao longo deste mês.

“Estava crente de que vinha sendo atualizado. Designei um funcionário para fazer isso”, disse o prefeito de Quixabá, Zé Pretinho (PR), sem saber precisar se era a secretaria de Finanças a culpada pela “desatualização” ou a empresa contratada. Ele chegou a informar o celular da empresa que, ao ser procurada, afirmou que os dados deveriam ser lançados no sistema pela prefeitura, tendo sido encarregada, apenas, da criação da ferramenta. Desconhecimento também foi alegado pelo secretário de Finanças de Manari, Lucas Bezerra, cuja pasta responde pela remessa de dados. “Não sei porque está desatualizado. Temos uma assessoria para fazer esse trabalho.” Indagado se poderia ser alguma dificuldade técnica, ele negou. “É simples. A prefeitura fecha os balanços e lança”, disse antes de completar: “O portal está no ar desde o início do ano passado, quando passou a ser exigido pela lei. Não foi difícil encontrar a empresa nem foi algo caro de se implantar.”

Ambas as cidades, localizadas no sertão, não disponibilizam informações desde o início do ano, ao passo que a lei determina que isso ocorra em tempo real. Prefeito e secretário comprometeram-se em resolver o problema dentro de dias. Quixabá está entre os dez municípios do estado com menor arrecadação. Manari, por outro lado, registra o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). É justamente nesses dois grupos que estão o maior número de prefeituras irregulares.

O desrespeito à lei, porém, se repete em cidades em melhor situação socioeconômica, como Paulista, na Região Metropolitana, cujo portal de Transparência está desatualizado desde o ano passado. A assessoria de imprensa informou que, o motivo seria o encerramento do contrato com a empresa que implantou o sistema. A nova contratada não teria iniciado as atualizações. A prefeitura se comprometeu em realizar o trabalho.



 


Custo e realização

A inexistência ou desatualização dessas ferramentas remete mais a um desinteresse dos gestores do que a uma falta de ferramentas ou dinheiro. A afirmação é reforçada pelo sócio-diretor da Icorp, agência de internet que desenvolve sites e portais de transparência, Caio Correia. “Não se pode colocar barreiras tecnológicas ou financeiras como empecilho. A tecnologia existe e é acessível. É mais uma questão de política”, disse. Ainda conforme Correia, é possível fazer um portal “bom” e “funcional” com R$ 15 mil. Já a qualidade das informações disponibilizadas é algo que precisa ser trabalhada na equipe municipal. “Geralmente é a prefeitura que atualiza, então o tipo de informação que vai estar acessível à população vai variar conforme a vontade e visão de cada prefeito”.

Entre os “dribles” verificados durante o levantamento estiveram faltava de data do ingresso das receitas ou das despesas. Há casos, ainda, em que a prefeitura apresenta somente o valor global dos lançamentos por mês, o que significaria, igualmente, descumprimento às normas. Em outras situações, consta o nome do credor e o valor empenhado, mas nenhum detalhe sobre qual o serviço prestado ou motivo. Não falta, também, prefeitura que direcionando o cidadão que venha a clicar no link do portal da prefeitura para o portal da transparência da União, onde são lançadas, apenas as remessas federais. “Poderia ser feito em uma linguagem mais fácil. Deveria, porque, muitas vezes, não há nada de linguagem cidadã. Fazem para cumprir a Lei, mas não se pode chamar de transparência se não é decifrável à pessoa que acessa”, avaliou a oficial de projetos de acesso à informação da Organização Não Governamental (ONG) Atigo 19, Joara Marchezini.

Um caso que ilustra essa “mania de complicar” o que era para ser transparente é o da prefeitura de Verdejantes. No site, onde deveriam ter receitas e despesas atualizadas aparece um pequeno texto que tenta explicar a lei que a prefeitura deveria cumprir. “Lei 12.527: Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.” Os disponibilizados são de 2014. Procurada pela reportagem, a secretária de administração, Simone Reinaldo, afirmou que desconhecia o “atraso” e que “ia tomar as providências para atualização da página”.

Gastos de gestão é apenas uma das muitas variáveis que o poder público deveria compartilhar com a população, é o que ressalta o diretor-executivo da Paradox Zero, agência de estratégias digitais, Paulo Rebêlo. “Há uma série de informações públicas, sobretudo no campo de segurança e urbanismo, que não estão no portal de transparência e não estão em lugar algum para que a sociedade conheça de um modo acessível. Algumas dessas informações, se fossem compartilhadas, poderiam melhorar ou piorar a imagem de uma gestão”. Ele ressalta que “ainda há uma confusão muito grande nas gestões sobre como se comunicar efetivamente pela internet.”



 


Fiscalizações e punições

O descumprimento à lei da Transparência pode levar a punições que variam de bloqueio de transferências voluntárias a rejeição de contas e possível perda de mandato. Um dos entraves da fiscalização, porém, é a variação constate dos dados, conforme avalia a coordenadora de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE). “Fizemos um levantamento (2014) e foram notificadas 101 prefeituras por ausência de portais ou portais desatualizados, mas isso é algo que muda muito e teria que ser constantemente revisto. Tem site que está hoje amanhã já não está mais”.

Também no ano passado, o Ministério do Planejamento acatou uma recomendação do Ministério Público Federal em Pernambuco (MPPE) e suspendeu as transferências voluntárias a 40 municípios do estado que não haviam implementa os portais. Este ano, o Ministério Público recomendou o bloqueio de repasses a outros 15 municípios do agreste pelo mesmo motivo. Os municípios são Água Preta, Barreiros, Belém de Maria, Catende, Gameleira, Jaqueira, Joaquim Nabuco, Maraial, Palmares, Ribeirão, São Benedito do Sul, São José da Coroa Grande, Tamandaré e Xexéu.

Conforme a procuradora da República em Palmares, Ana Fabíola de Azevedo, responsável pelas recomendações, “MPF solicitou recentemente o auxílio da CGU (Controladoria Geral da União) para identificação de outros elementos que ainda não foram disponibilizados pelos municípios na internet”, além de receitas e despesas. A representante da ONG Atigo 19, Joara Marchezine, ressalta a importância dos órgãos fiscalizadores neste período inicial da lei. “A lei é relativamente nova, tem três anos, mas é nesse período inicial que ela tem que se firmar e fazer cumprir”.

 



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