Recife e estado são condenados a indenizar mulher que perdeu filha em queda de barreira
Júlia Aparecida Ramos, de 15 anos, faleceu após deslizamento no bairro do Jordão, na Zona Sul do Recife, em 2013; Mãe afirmou que prefeitura deixou obras de contenção incompletas
Publicado: 27/11/2025 às 18:41
IML retira corpo de adolescente após deslizamento no Jordão. (Foto: Teresa Maia/DP/D.A.Press)
A Diretoria Estadual das Varas de Execução Fiscal, Fazenda Pública e Acidentes de Trabalho, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), condenou a Prefeitura do Recife e o estado de Pernambuco a indenizar em R$ 50 mil e pagar pensão à mãe de uma adolescente que morreu em deslizamento de barreira na capital. Júlia Aparecida Ramos faleceu soterrada aos 15 anos no bairro do Jordão, Zona Sul do Recife, em 2013. Cabe recurso à decisão.
A autora da ação, a comerciante Maria José Ramos, alega que a Coordenadoria de Defesa Civil do Recife (Codecir), atual Secretaria-Executiva de Defesa Civil (Sedec), abandonou obras de muro de arrimo e contenção de encostas que haviam sido iniciadas após deslizamento ocorrido nas proximidades.
"Tais obras foram abandonadas antes da conclusão, permanecendo o terreno instável e com vazamentos constantes de água, o que agravava o risco de novo desmoronamento", diz a ação.
A mulher conta que procurou a Defesa Civil várias vezes, mas o problema não foi solucionado. Uma equipe da Codecir teria ido ao local e informado que não se tratava de área de risco, não necessitando "sequer da colocação de lonas".
"O evento culminou com a morte da filha adolescente que, na ocasião, se encontrava no imóvel cuidado dos irmãos menores", diz a petição inicial.
Além da morte da filha, Maria José, que estava grávida de seis meses, afirma ter perdido seu meio de subsistência, pois a casa que desmoronou no deslizamento também era um pequeno comércio de refeições caseiras.
Nos autos, ela diz ainda que o município prometeu a entrega de unidades habitacionais às famílias atingidas, o que não teria ocorrido.
"Aduz que nunca recebeu assistência psicológica, material ou habitacional, vivendo desde então em situação de extrema pobreza, o que a levou a retornar ao Sertão (Sertânia/PE) com os filhos", acrescenta o documento.
Em seu pedido de indenização, a comerciante acusa o Poder Público de omissão, pois, "mesmo ciente do risco e tendo iniciado as obras de contenção, deixou de concluí-las". As advogadas de Maria José haviam solicitado indenização por danos morais e materiais de R$ 562,2 mil.
Defesas
Em sua contestação, o estado de Pernambuco sustentou que as políticas públicas relativas à contenção de encostas, drenagem e urbanização de áreas de risco são de competência exclusiva do município.
O estado acrescentou que o evento decorreu de força maior, provocado por chuvas intensas e imprevisíveis que atingiram a cidade em agosto de 2013, "rompendo qualquer nexo causal com eventual conduta estatal".
Por fim, defendeu não haver prova de que tenha sido diretamente notificado sobre o risco na localidade e que não tinha dever legal específico de agir naquele ponto do território municipal.
Já o município do Recife argumentou que o deslizamento foi resultado de conjunto de fatores naturais e humanos, não havendo culpa da administração. Destacou que a autora residia em área de risco muito alto, sujeita a fortes chuvas, e que sua ocupação irregular e desordenada contribuiu para o ocorrido.
Segundo o município, o evento teve como causa determinante fato de terceiro, "mais especificamente, a existência de uma tubulação irregular de PVC instalada por um vizinho para escoamento de águas pluviais, o que teria provocado erosão na base do talude e precipitado o desmoronamento."
Na decisão, a juíza Veronica Cristine Paula de Vasconcelos afirma que a Defesa Civil tinha conhecimento do risco e deixou de concluir as obras, "mesmo após reiteradas reclamações da comunidade, configurando falha do serviço público".
Quanto ao estado de Pernambuco, a juíza reconhece responsabilidade subsidiária, que tem caráter acessório ou suplementar, "impondo-se ao 'devedor' principal o adimplemento da obrigação".
"As alegações do Estado de Pernambuco, de ausência de qualquer responsabilidade, não prosperam em face de suas próprias competências constitucionais, pois o direito à moradia é uma competência comum da União, do Estados e dos Municípios e, a todos esses cabe 'promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico'", escreve a magistrada.
A juíza determinou uma indenização por dano moral de R$ 50 mil, com R$ 40 mil a serem pagos pela prefeitura.
O município do Recife também foi condenado ao pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de um terço do salário mínimo, a partir do óbito até a data em que a vítima completaria 65 anos ou até o falecimento da beneficiária. Ao todo, 20% desse valor deverá ser pago pelo Estado.
A juíza rejeitou o pedido de danos materiais. "As provas apresentadas pela autora são insuficientes para assegurar o ressarcimento dos supostos danos materiais e lucros cessantes, pois, mesmo em se tratando de uma atividade informal, os depoimentos das testemunhas e documentos apresentados são frágeis para assegurar que a família retirava seu sustento do comércio de refeições", escreveu.
Deslizamento com duas mortes
O deslizamento de barreira ocorreu em 18 de agosto de 2013 por volta das 8h e fez quatro vítimas, sendo duas fatais. Além de Júlia Ramos, faleceu um bebê de 15 dias.
Júlia ficou presa nos escombros e só foi encontrada pelos bombeiros às 13h30. Três casas foram atingidas, mas só uma estava ocupada. Maria José vendia lanches no posto de gasolina atrás da residência no momento do deslizamento.
Na ocasião, ela informou que técnicos da Defesa Civil do Recife haviam visitado o local há dois meses. "A Codecir disse que não caía, mas acabou matando minha filha", declarou.
Júlia havia pedido no dia anterior para dormir na casa de uma tia, mas a mãe recusou. "Ela pegou minha mão e me abraçou", lembrou a genitora.
O irmão da comerciante se queixou da indiferença do órgão. "Eles vieram e disseram que o barranco tinha muitas árvores, bananeiras, mangueiras, não precisava nem da lona", disse na data.
Após o deslizamento, 12 casas foram interditadas e cerca de 46 pessoas ficaram desabrigadas.
A Prefeitura do Recife e o Estado de Pernambuco foram procurados para comentar a decisão, mas não responderam até a publicação da reportagem.