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POLÍCIA

Homem será indenizado por sofrer abordagem "humilhante" da PM: "Único negro do grupo e único revistado"

Policiais acusaram o homem de filmar operação, o que ele nega; sargento haveria insinuado que vítima não teria condições financeiras de possuir carro

Jorge Cosme

Publicado: 10/11/2025 às 16:29

Estado de Pernambuco poderá recorrer da decisão./Foto: Crysli Viana/DP Foto

Estado de Pernambuco poderá recorrer da decisão. (Foto: Crysli Viana/DP Foto)

O Estado de Pernambuco foi condenado, em 28 de outubro, a indenizar um homem que alegou ter sido vítima de uma abordagem "truculenta e humilhante" da Polícia Militar (PM) em Tuparetama, no Sertão. Segundo a denúncia, um sargento proferiu ofensas com conotação sexual e discriminatória contra ele na frente de várias pessoas.

O caso ocorreu em 7 de agosto de 2018 no Pátio de Eventos de Tuparetama. Segundo o processo, o homem estava em um grupo e foi abordado pela PM sob alegação de ter filmado uma operação policial. Ele teria sido questionado e xingado durante o episódio.

Uma testemunha contestou a versão dos PMs sobre a filmagem e afirmou que a vítima, na verdade, havia se afastado do grupo para ouvir um áudio de WhatsApp. Dois policiais, entretanto, decidiram fazer a abordagem. "Posteriormente chegou um terceiro policial e a situação piorou", relatou a testemunha.

O terceiro policial seria o sargento Cláudio Antônio França, de acordo com a ação. Ele teria questionado o homem sobre seu automóvel, um Nissan Sentra, afirmando que ele não teria condições de ser dono daquele carro.

Abordagem

A testemunha também declarou ter ouvido o sargento se referir ao abordado como "neguinho safado". A própria vítima, entretanto, contestou essa versão – o que fez o juiz desconsiderar o crime de injúria racial.

O sargento teria feito, ainda, gestos obscenos e emitido expressões de cunho sexual. Durante a abordagem, ele teria proferido frases que sugeriam que a vítima só teria o direito de falar após sentar no órgão genital do PM.

Ainda na ocasião, a vítima teria oferecido o celular para os policiais verificarem se havia filmagem, mas eles teriam se recusado a olhar. "A situação só se acalmou com a chegada dos advogados", completou a testemunha.

Uma segunda testemunha confirmou que estava em contato telefônico com a vítima no exato momento da abordagem.

Único negro

Em seu depoimento, o homem disse que era a única pessoa negra do grupo onde estava e apenas ele foi revistado.

O sargento França teria se aproximado de forma agressiva e lhe dando voz de prisão. "O sargento proferiu diversas ofensas, incluindo 'Por que você não vai filmar em boca de fumo?', como se eu soubesse onde era que tinha boca de fumo", contou a vítima nos autos.

O homem também afirma que o sargento questionou suas condições financeiras para ter um veículo. "O agente policial passou a averiguar os documentos do carro de forma excessiva, numa clara busca por alguma irregularidade que pudesse validar seu preconceito", acrescentou. A vítima teria chorado ao relatar a situação a amigos.

Já a defesa argumentou que não houve ato ilícito. Os advogados do PM defenderam que haveria uma intenção de vitimização, "sob falsos ou forçados argumentos tendenciosos de cunho racista, para auferir vantagem indevida do réu". Segundo eles, o autor da ação foi abordado porque, ao se afastar do grupo, levantou a suspeita dos policiais, e não por motivação racial.

Decisão

"Essa atitude, que debocha da condição social e econômica do autor, é uma forma clara de tratamento vexatório que reforça a ofensa à sua dignidade. Demonstra que o policial não agia com base em suspeita fundada, mas movido por um prejulgamento sobre quem poderia ou não possuir determinado bem", escreve na sentença o juiz da Vara Única da Comarca de Tuparetama, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).

Segundo o juiz, as declarações do policial não coadunam com a hipótese de um simples aborrecimento ou de uma altercação verbal exaltada.

"A ofensa, neste contexto, não se resume a uma palavra ríspida em um momento de tensão; ela se constitui em um ato de subjugação verbal, no qual o agente, valendo-se de sua posição de autoridade, busca diminuir o cidadão, atingindo-o em sua honra sexual e em sua capacidade econômica".

O Estado de Pernambuco foi condenado a indenizar o homem em R$ 5 mil.

O advogado Jonathan do Nascimento Oliveira, que representa a vítima, destacou que a sentença reconhece abusos policiais, mas aplicou uma punição irrisória. "A decisão peca pela falta de sensibilidade e empatia, ao fixar uma indenização tão irrisória diante da gravidade da violação sofrida", diz ao Diario de Pernambuco.

"Ainda que o abuso tenha sido cometido diretamente por um dos policiais, todos os outros permaneceram omissos e coniventes, mostrando o quanto é urgente romper com a cultura de impunidade e de silêncio institucionalizada nas forças de segurança", acrescenta.

A Secretaria de Defesa Social (SDS) foi procurada, mas não respondeu até a publicação.

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