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PECULATO

Capitão, sargentos e cabos do Exército são condenados por desviar alimentos do Colégio Militar do Recife

Segundo denúncia, havia um esquema de desvio de gêneros alimentícios do rancho do Colégio Militar do Recife, com envolvimento de militares

Jorge Cosme

Publicado: 16/09/2025 às 10:00

Colégio Militar do Recife./Foto: Reprodução/Google Street View

Colégio Militar do Recife. (Foto: Reprodução/Google Street View)

O Superior Tribunal Militar (STM) condenou sete militares e ex-militares por desvio de carnes e outros alimentos do Colégio Militar do Recife (CMR), no bairro da Cidade Universitária, na Zona Oeste da capital. Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), os acusados colocavam alimentos em sacos de lixo para desviar a carga, inclusive com utilização de viaturas militares.

Foram condenados a 3 anos e 9 meses de reclusão por peculato o capitão João Martins Gomes Neto e o 2º sargento da Reserva Ronaldo Silva dos Santos. Já o 1º sargento Nilson de França Silva e o 2º sargento da Reserva Adalberto Bartolomeu Corrêa Silva receberam 3 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão. A mesma pena foi aplicada ao ex-soldado Gabriel Augusto de Lima e aos ex-cabos Rodrigo José de Melo Nascimento e Thiago Duarte Rodrigues de Sena.

Nilson, Ronaldo e Adalberto também foram condenados à pena de exclusão das Forças Armadas. O regime inicial de cumprimento da pena é aberto e eles podem recorrer em liberdade. O grupo também foi condenado por associação criminosa, mas houve prescrição da pretensão punitiva.

Os militares haviam sido absolvidos na primeira instância, mas o Ministério Público Militar (MPM) recorreu da decisão. O acórdão que condenou os réus, publicado no último dia 2 de setembro, foi aprovado por maioria.

Denúncia

Segundo a denúncia do MPM, havia um esquema de desvio de gêneros alimentícios do rancho do Colégio Militar do Recife (CMR), com envolvimento de militares que serviam àquela unidade.

A investigação teve início após um ex-cabo filmar um dos desvios, em 2 de agosto de 2019.

Segundo os autos, o capitão João Martins Gomes Neto, chefe do setor de aprovisionamento do CMR, coordenava o esquema. Enquanto os sargentos Nilson, Ronaldo e Adalberto cooptavam militares para execução das ações delituosas. Eles também são acusados de intimidar os militares que se negavam a ajudar e favorecer os que contribuíam.

Ainda de acordo com a denúncia, Ronaldo era responsável pela fiscalização da câmara frigorífica do rancho. Com a colaboração de Adalberto, responsável pelo depósito dos alimentos, retirava os itens do rancho e os colocava na sala de "gêneros do dia", onde ficavam os produtos que seriam consumidos na data seguinte.

Nilson e Ronaldo seriam responsáveis ainda por colocar veículos próximos à área da piscina e da caçamba de lixo. Eles determinavam que os soldados colocassem os produtos em sacos pretos destinados a lixo ou em caixas e esperavam o expediente terminar.

"Após o término do expediente, os denunciados Cb THIAGO DUARTE RODRIGUES DE SENA e Sd GABRIEL AUGUSTO DE LIMA colocavam as sacolas pretas cheias de gêneros em uma lixeira de transporte de lixo laranja, deslocavam-na para o local onde estavam estacionados os veículos dos denunciados 1° Sgt NILSON DE FRANÇA SILVA e 2° Sgt RONALDO SILVA DOS SANTOS e abasteciam os carros desses graduados ou mesmo viaturas militares com tais bens de consumo", diz trecho da denúncia.

Dia dos Dez Mirréis

Uma testemunha relatou ter presenciado, desde 2015, desvio de diversos gêneros alimentícios, como feijão, arroz, caixa de leite e, principalmente, carne.

Uma segunda testemunha, nutricionista na unidade, relatou ter percebido de imediato o descontrole da entrada e saída do material de consumo da câmara de congelamento. No início de agosto de 2019, foi identificado um desvio de cerca de 150 kg de carne.

"Para dissimular o extravio dos gêneros alimentícios da contabilidade do rancho, o denunciado 1° Sgt NILSON DE FRANÇA SILVA, intencionalmente, com o aval do superior Cap JOÃO MARTINS GOMES NETO, registrava no SISCOFIS uma quantidade a menor dos bens de consumo que entravam no CMR e desviava a 'sobra'", acrescenta a denúncia.

"Laudo pericial quantificou o prejuízo, com base nas divergências encontradas nos depósitos e a quantidade apontada no sistema (inventários de almoxarifado), no valor de R$ 69.533,08", aponta o Ministério Público.

Ainda sobre os sargentos Nilson e Adalberto, o MPM destaca que eles davam ordens para recrutas carregarem a carga desviada.

"Inclusive, davam ordens para interromper o serviço do rancho, parar a faxina, a fim de que os recrutas priorizassem o transporte das carnes desviadas para a viatura. Os denunciados usavam a expressão 'Dia dos Dez Mirréis', para se referir ao dia de desviar gêneros do CMR",

A denúncia menciona também que, cientes da abertura de sindicância, alguns militares ainda passaram a constranger e ameaçar militares para que não prestassem depoimento.

Apelação

Em sessão de 20 de junho de 2024, o Conselho Especial de Justiça para o Exército (CEJ/Ex), por unanimidade, absolveu todos os militares dos crimes de ameaça, coação, prevaricação, peculato e organização criminosa.

A decisão considerou a tese da defesa de que os supostos desvios de gêneros alimentícios correspondiam a "meros empréstimos corriqueiros entre organizações militares".

Ao julgar o recurso do MPM, o ministro relator Artur Vidigal de Oliveira, votou para prover em parte a apelação, condenando os réus por peculato e associação criminosa, apesar de reconhecer a prescrição desse último crime.

"Foram reunidos suficientes elementos demonstradores do grau de certeza exigido para um juízo condenatório e da efetiva ocorrência da prática delitiva", assinalou o ministro.

"A autoria imputada aos Apelados encontra-se indubitavelmente comprovada, considerando-se, particularmente, a prova oral, uníssona ao confirmar o desvio de gêneros alimentícios por militares integrantes do efetivo do CMR", acrescentou ele.

O ministro destacou que, segundo as provas, a retirada das comidas ocorria às sextas-feiras após o término do expediente e a saída do comandante, quando havia um contingente menor de militares.

"Também restou provado que os Acusados faziam uso de subterfúgios e práticas dissimuladas, no intuito de manter a clandestinidade de suas ações".

Procurada, a defesa dos réus destacou que o voto do relator foi seguido por maioria e não de forma unânime. Os advogados entraram com o recurso de embargos infringentes, quando há votos divergentes entre ministros.

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