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URBANIZAÇÃO

Ignêz Andreazza: como é viver em condomínio maior que 27 cidades de Pernambuco

O condomínio abriga mais de 11 mil pessoas e já foi tomado pelo tráfico de drogas e roubos. Atualmente, conta com infraestrutura composta por escola, parques, campos e clube

Adelmo Lucena

Publicado: 28/07/2025 às 06:00

Recife, PE, 25/07/2025 - CONJUNTO RESIDENCIAL IGNEZ ANDREAZZA - Imagens do Conjunto Residencial Ignez Andreazza./Rafael Vieira

Recife, PE, 25/07/2025 - CONJUNTO RESIDENCIAL IGNEZ ANDREAZZA - Imagens do Conjunto Residencial Ignez Andreazza. (Rafael Vieira)

Há 40 anos, o aposentado Joseildo Barbosa, hoje com 71 anos, trocou a incerteza do aluguel pela segurança de um teto próprio no maior condomínio da América Latina, o Conjunto Residencial Ignêz Andreazza. Ao lado da esposa e da filha, com quem divide o imóvel no bairro de Areias, nem sempre Joseildo teve paz no local onde escolheu para viver. Em um dos períodos mais críticos da segurança no condomínio cercado por comunidades e vulnerabilidade social, viu o carro da filha ser roubado na porta de casa.

A equipe do Diario de Pernambuco esteve no Ignêz Andreazza para entender a rotina de quem vive no local e a dinâmica de funcionamento do espaço, que abriga mais de 11 mil moradores distribuídos em 2.464 apartamentos em 176 prédios divididos em 23 grandes blocos residenciais. Enquanto saía para ir até a academia, por volta das 16h, Joseildo Barbosa conversou com o Diario e contou que viveu períodos de insegurança dentro do condomínio.

”Há uns 15 anos tivemos muita dificuldade com atraso de salário do pessoal, com insegurança e roubo. Uma filha minha teve o carro roubado na frente do prédio há cerca de 20 anos atrás. O carro era novinho e tinha apenas 15 dias de uso quando colocaram um revólver na cabeça dela. Mas hoje não tem mais isso. A segurança não é total, mas é muito boa e você não ouve falar de roubo”.

Ao trafegar pela movimentada Avenida Recife, na altura do bairro da Estância, é impossível não se impressionar com a imponente fileira de prédios que margeia a via por mais de um quilômetro. O Ignêz Andreazza foi construído em 1983, ostenta o título de maior condomínio da América Latina.

Planejado para atender à crescente demanda por moradia da classe média na capital pernambucana nos anos 1980, o conjunto nasceu como uma resposta ambiciosa à crise habitacional da época. Ocupando uma área de 30 hectares, ele abriga dentro de sua área a Escola Estadual Senador Nilo Coelho, um parque infantil, quadra, área para passeio com animais, clube, academia, lavanderia e conveniência.

“Você encontra aqui tudo mesmo. Todos os portões têm segurança 24 horas de domingo a domingo, sem contar que ainda tem três motoqueiros circulando por dentro do condomínio. Tem zelador, equipe roçando o mato, encanador, eletricista. Eu estou satisfeito”, afirma Joseildo.

Mais que um espaço para morar, o conjunto idealizado como uma minicidade pelo arquiteto Acácio Gil Borsoi, um dos nomes mais influentes da arquitetura moderna brasileira, recebeu recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), mecanismo federal criado para facilitar o acesso à casa própria. A execução da obra ficou a cargo da Companhia Estadual de Habitação de Pernambuco (CEHAB), e o nome do conjunto homenageia o então ministro do Interior, Mário Andreazza, uma das figuras-chave no incentivo a projetos habitacionais durante a ditadura militar.

Por volta dos anos 2000, o condomínio passou por um período complicado em relação à segurança, principalmente por conta das comunidades que se formaram no entorno. As manchetes de jornal sobre casos de violência e crimes na área eram comuns. Em 2015, por exemplo, um comerciante de 35 anos foi assassinado com um tiro no rosto dentro do conjunto habitacional.

Moradores antigos e administradores do local defendem que a realidade atualmente é outra. No entanto, para quem mora há menos tempo no Ignêz Andreazza a situação é incômoda. O aposentado Antônio de Lima, de 68 anos, mora no local há 5 anos. Ele conta que o condomínio foi uma indicação de uma amigo logo após ele voltar a morar em Pernamabuco.

“Gosto de morar aqui, mas segurança você não encontra, mesmo sendo um condomínio. Aqui tem uma comunidade que passa por dentro do condomínio. Minha filha já foi seguida há tempos atrás e já me relataram assalto de carro. Pretendo permanecer por mais algum tempo, mas futuramente pretendo sair. A localização aqui é ótima, mas tem algumas questões que nos desagradam”, destaca Antônio.

“Em 2016, o Ignêz Andreazza era conhecido como um condomínio sem estrutura, abandonado. As pessoas que viviam nos bairros adjacentes invadiam e entravam. Então, a gente colocou uma política de segurança e começou a investigar. Tinha veículos que o pessoal do estado vizinho roubava e colocavam aqui dentro. A gente também investigou e acabou com o tráfico de drogas. Antes, o pessoal não podia nem chegar com as compras, que quando descia do carro abordado pelos meliantes”, conta o gerente de segurança, José Almeida Gadelha.

O condomínio atualmente emprega 120 colaboradores, divididos entre manutenção, zeladoria, segurança e administração. O subsíndico Jadson Almeida explica que a nova gestão do espaço iniciou em 2016 e encontrou diversos problemas, incluindo o atraso salarial destes funcionários.

Ele garante que hoje os salários são pagos em dia, os funcionários têm contas bancárias, recebem benefícios como auxílio bicicleta, auxílio combustível, cesta básica, fardamento completo e realizam exames periódicos exigidos pela legislação trabalhista. A equipe também é atendida por plano de saúde e odontológico em parceria com instituições privadas, garantindo acesso a serviços de qualidade por valores acessíveis.

Para garantir maior segurança na área do condomínio, houve investimento em segurança. Em 2022, uma guerra de facções matou 22 pessoas nos arredores do bairro. O subsíndico explica que o diálogo com as comunidades no entorno ajudou na redução de crimes e que não há impedimento para que os moradores destes locais passem na área do condomínio para pegar atalhos.

“Aqui dentro nenhuma pessoa foi assassinada, não entra mais ninguém relacionado ao crime, porque tem agora esse respeito. A gente tenta sempre trabalhar em comunhão. O diálogo é sempre com o presidente das associações. Mas quando a gente assumiu aqui, a gente tirou o tráfico daqui de dentro. Tinha quadrilha que fazia desmanche de carro roubado aqui dentro”, relata Jadson.

Hoje, a gestão mantém acordos com os moradores da vizinhança. “Imagina proibir uma senhora de cortar caminho para ir ao hospital. A gente permite, mas com controle”, afirma.

Quando assumiu, a atual administração encontrou o condomínio com ruas esburacadas, lixeiras abandonadas, infiltrações, prédios sem manutenção e zero áreas de lazer. Hoje, há pavimentação com blocos intertravados, praças revitalizadas, quadras esportivas funcionando, campo de futebol, lavanderia 24h, parcão para animais, e até uma academia com professores de educação física, funcionando das 5h às 22h.

A logística de correspondência é outro diferencial: um sistema similar a um mini-correio centraliza a entrega de cartas e encomendas dos Correios, com notificação digital aos moradores. Já encomendas de marketplaces como Shopee e Amazon são entregues diretamente nos apartamentos após autorização da portaria.

O condomínio funciona como uma mini-cidade e abriga mais pessoas que 27 municípios do estado:

Moreilândia - 10 849
Cedro - 10 845
Belém de Maria - 10 829
Poção- 10 805
Angelim- 10 580
Santa Terezinha- 10 513
Cortês - 10 512
Jaqueira- 10 483
Verdejante - 9 474
Maraial - 9 432
Brejão- 9 399
Terra Nova - 9 221
Tuparetama - 8 252
Brejinho - 8 010
Camutanga- 7 972
Vertente do Lério - 7 782
Ibirajuba - 7 344
Granito - 7 206
Palmeirina - 7 151
Terezinha - 6 857
Quixaba - 6 755
Salgadinho - 5 620
Solidão - 5 403
Calumbi - 5 367
Ingazeira - 4 959
Itacuruba - 4 490
Fernando de Noronha - 3 316

 

 

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