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Literatura Lançamentos revisitam obra de Augusto dos Anjos: genialidade ou loucura? Psiquiatra pernambucano Luiz Carlos Albuquerque acrescenta ensaio sobre genialidade e loucura na segunda edição de Eu, Singularíssima Pessoa, enquanto poemas ganham nova coletânea

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/03/2016 20:03 Atualizado em:

As obras reacendem leitura e debates acerca da produção literária do poeta. Fotos: Reprodução
As obras reacendem leitura e debates acerca da produção literária do poeta. Fotos: Reprodução

No início do século 20, trajando roupas escuras, Augusto dos Anjos era figura longilínea, de peito oco, cujos braços sacolejavam como ossos soltos sob o terno, a percorrer os arredores da Faculdade de Direito do Recife. A descrição, garimpada pelo psiquiatra e escritor Luiz Carlos Albuquerque no início dos anos 1990, é fruto das memórias de intelectuais pernambucanos e paraibanos que conviveram com o poeta. Remete à cena descrita nos versos: “Recife. Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direção à casa do Agra, assombrado com a minha sombra magra, pensava no Destino, e tinha medo.” Revela contornos do simbolista, resgatado pela segunda edição de Eu, singularíssima pessoa (Bargaço, R$ 40) lançada neste mês por Albuquerque, e pelo relançamento de Toda poesia de Augusto dos Anjos (José Olympio, R$ 54,90).

“Considero Augusto o poeta mais lido do Brasil. Embora tenhamos nomes como Olavo Bilac e Fagundes Varela, Augusto dos Anjos é reconhecido até por quem não acompanha a poesia brasileira. Ele lançou um único livro, Eu, em 1912, mas segue nas prateleiras. Se não para de ser encartado, significa que não param de procurá-lo. Pode não ser autor das poesias mais bonitas, as que oferecemos à namorada, mas é o mais lido”, opina Albuquerque. Sócio da União Brasileira de Escritores e da Associação Brasileira de Psiquiatria, o médico pernambucano decidiu revisitar as investigações publicadas em 1993 a fim de acrescentar à obra original comentários e ensaio sobre a relação entre genialidade e loucura, atribuída ao poeta e a inúmeros outros grandes artistas.

O psiquiatra lançou Eu, Singularíssima Pessoa no início dos anos 1990. Agora, adapta nova edição com comentários e ensaio. Foto: Divulgação
O psiquiatra lançou Eu, Singularíssima Pessoa no início dos anos 1990. Agora, adapta nova edição com comentários e ensaio. Foto: Divulgação
Citando nomes como Ernest Hemingway, Edgar Allan Poe e Machado de Assis, considerados perturbados em diferentes análises traçadas ao longo da história, Albuquerque disseca a dualidade entre prodigiosidade e desvarios. “Van Gogh, por exemplo, já foi considerado bipolar, epilético, esquizofrênico… Mas a verdade é que não existe associação necessária entre ser gênio e louco. Há muitos com obras geniais, consistentes, que não fugiram à sanidade”, pondera, mesmo admitindo a personalidade excêntrica e taciturna de Augusto dos Anjos, morto aos 30 anos, em 1914. Para ele, o caráter lacônico do poeta - “cujo humor tendia à depressão, não à euforia” - teria contribuído para uma observação cuidadosa acerca da essência humana. Como resultado, a identificação do leitor frente aos versos simbolistas, considerados também pré-modernos, é facilitada. “Ele domina sentimentos como ingratidão, pessimismo, mágoa. Lendo, reconhecemos a nós mesmos, a fragilidade humana”, aponta o psiquiatra.

Em relação à técnica do escritor, Albuquerque considera as métricas primorosas, motivo pelo qual encoraja o uso educativo de obras como de Toda poesia de Augusto dos Anjos. Nesta, análise crítica de Ferreira Gullar, escrita em 1970, acompanha a nova edição, contribuindo para elucidar o legado do simbolista nordestino: “Augusto dos Anjos é um poeta do Engenho do Pau d’Arco, da Paraíba, do Recife, do Nordeste brasileiro, do começo deste século [20]. Essa não é uma referência meramente biográfica, externa à sua obra. Não: sua condição de homem, concreta, histórica, determinada, informa os poemas que escreveu, e não apenas como causa deles, em última instância: é matéria deles. Com Augusto dos Anjos penetramos aquele terreno em que a poesia é um compromisso total com a existência.”


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