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Entrevista Elke Maravilha solta o verbo: É o povo que vota nesses filhos da puta Artista é a principal atração do domingo no Janeiro de Grandes Espetáculos, com novo musical

Por: Marina Simões - Diario de Pernambuco

Publicado em: 16/01/2016 10:00 Atualizado em: 16/01/2016 13:14

Foto: Estúdio Mandala/Divulgação
Foto: Estúdio Mandala/Divulgação

"Nos meus 70 anos bem vividos e mal dormidos não tenho nada pronto. Já fiz de um tudo e quero fazer mais enquanto estiver aqui", dispara Elke Maravilha em entrevista ao Viver. A modelo, atriz, cantora e ex-jurada do Chacrinha é uma das atrações do Janeiro de Grandes Espetáculos, com a montagem Elke Canta e conta, neste domingo (17), às 20h, no Teatro Santa Isabel. Neste sábado (16), ela cumpre agenda na festa Mystica, da Boate Metrópole, bairro da Boa Vista. "Quando achar que já sei de tudo vou ter que deitar e morrer", acrescenta. Ao seu modo, sem pudores e direta ao ponto, Elke quer vociferar como a vida poderia ser simples se as pessoas não complicassem tanto.

Confira o roteiro de prévias e shows do Divirta-se

No palco, acompanhada do músico Adriano Salhab, Elke interpreta canções, em quatro idiomas, que foram marcantes na sua trajetória e aproveita as pausas para relatar episódios vividos em sete décadas. Ela canta composições de Paulinho da Viola (Timoneiro), Bob Dilan (Blowing in the Wind), em alemão, Antônio Nóbrega (Quinto Império), e muitos outros. Ela ainda viaja para Grécia antiga e recita um trecho da Ilíada e finaliza com Soy Libre, de Atahualpa Iupanqui. "Nosso espetáculo chama as pessoas para a tomada de consciência. Estamos muito em falta e precisamos voltar a brincar disso”, convida Elke, que garante que não se tratar de show panfletário. Entre uma música e outra ela pincela sua experiência pelo mundo - os lares preferidos são o Brasil, a Grécia e a Bolívia - e faz um apelo: "Vamos amar a nossa Terra, valorizar o que ela tem de melhor enfrentar nossos medos".

Entrevista // Elke Maravilha

O que está em falta no ser humano?
A consciência, cair a ficha, porra! As pessoas viraram Maria Antonieta. Não pensam, não sentem, estão em uma leseira, indiferença. Meu amor, o oposto do amor não é o ódio, é a indiferença. O pior sentimento que se pode sentir. Além disso, as pessoas estão lidando muito mal com o medo. Só se mata por medo, só rouba e puxa tapete por medo. Vamos enfrentá-lo de cara. Esse é o pior problema da humanidade. As reações ridículas diante do medo.

Como analisa a situação do Brasil?
O Brasil me parece, há muitos anos, um grande edifício minado na base, que é a moral. Você sabe que a moral não está no meio da perna, no c* ou na b*, não é? Não tenho o menor problema com quem vende o corpo, mas com quem vende a alma. Eu, que sou imigrante, o Brasil foi minha ressurreição. O que fazem com nosso país física e espiritualmente é uma coisa triste. E o povo ainda vota nesses filhos da puta. Não sou partidária. Meu ideal está no coração. Não posso te deixar ignorante, não posso te explorar, enganar, só para salvar um partido e fazer a merdalhada que fazem.

Aos 70 anos e uma carreira repleta de realizações, o que falta conquistar?
Eu não conquisto nada. Nunca fui conquistadora nem uma pessoa que compete. Essa não é minha brincadeira nessa vida. Minha meta é não é viver, é conviver. Nada de complicações. Gosto muito de brincar. Puta que pariu, não tem ninguém que goste mais de zona e esbórnia que eu. Mas tem hora para ser sério.

Tem alguma lembrança vivida em Pernambuco?
Luiz Gonzaga foi o meu primeiro ídolo brasileiro. Quando cheguei ao país, morava na roça e não existia televisão. Mas ouvia Gonzagão e Cascatinha na rádio. Quando a gente se encontrava, ele cantava Pagode Russo para mim: “Ontem eu sonhei que estava em Moscou / Dançando pagode russo na boate Cossacou”. Também acho o carnaval de Pernambuco é imbatível. Tenho muitos amigos aí. Conheço Pernambuco inteiro. O nordeste é foda. O mais burro dá nó em pingo d’água. O Ariano Suassuna também é uma lembrança maravilhosa.

Você se casou diversas vezes. Ainda acredita no amor?
Claro, por isso casei oito vezes. Meus casamentos foram maravilhosos. Fora um, que era psicopata. Até hoje, todos são meus amigos. Que me visitam e telefonam. Fiquei viúva do primeiro, o grego Alexandro, no ano passado. O amor é a única saída. Sófocles já dizia: “O amor é invencível nas batalhas”. Respeito e amor são libertadores. O amor não diz isso é meu. Ele ilumina a cabeça da pessoa. As pessoas são mal preparadas para amar. Pensam que podem controlar e prender o outro. Isso não é amor.

Você já sofreu por amor?
Não se sofre por amor, pois amor não implica em ter. Se sentisse ciúmes teria sofrido. O ciúme é uma posse e é ridículo. Por essa nunca entrei, não paguei esse mico. O amor não é fiscal de pica. A traição não está na pica, está na alma. Tive muitos amores. Amo as pessoas, amo gente. Sofro quando vejo as pessoas terem desamor. Não sou de chorar, eu costumo rir de fratura exposta. Mas choro ao ver o que fizeram com o Rio doce, por exemplo. O que fizeram com a vida daquelas pessoas? Com os peixes, a população ribeirinha... Eu já nadei naquele rio.

Acompanhada do músico Adriano Salhab, Elke interpreta canções, em quatro idiomas, e conta episódios da sua vida. Foto: Estúdio Mandala/Divulgação
Acompanhada do músico Adriano Salhab, Elke interpreta canções, em quatro idiomas, e conta episódios da sua vida. Foto: Estúdio Mandala/Divulgação

Você se considera uma pessoa sem gênero. Como analisa a questão do preconceito que os homossexuais sofrem?
Desde pequena saquei que ser homem é melhor que ser mulher. Nasci com uma periquita e no documento o sexo é o feminino. Mas isso é muito pouco. A ignorância é a mãe do preconceito. E nós estamos em uma das fases mais ignorantes do país. Evoluir dá trabalho, sair do lugar dá trabalho. Não é facinho. Quem não tem vontade, ué, que morra. Tem 7 bilhões de pessoas no mundo, 1 bilhão morrendo de fome. Ah, vá se fuder! As pessoas dizem que sou radical. E sou. Radical vem de raiz e costumo ir raiz da questão. Cortar o mal pela raiz. Da gente e dos outros. Podemos ser cruéis com a gente mesmo. Me cobro, muito mais que a todo mundo. E isso não é uma qualidade, é uma necessidade para evolução. É como ser honesto, é obrigação. Tem coisas que viraram virtudes e não. Que merda! Dizem: Você é uma pessoa tão livre. Não, a gente tem uma liberdade de escolher em qual prisão quer ficar.

Entre as atividades que desempenhou (atriz, modelo e cantora), com qual se indentifica mais?
Sou uma pessoa que estou querendo evoluir e aprender. Tenho 70 anos bem vividos e mal dormidos. Não tenho nada pronto. Já fiz de um tudo e quero fazer mais, enquanto estiver aqui, podendo trabalhar. Acho que foi para isso que vim para a Terra. Aprendo com o novo, com o velho, com as crianças e os adolescentes. Quando achar que já sei de tudo vou ter que deitar e morrer. A vida não é complicada. É simples assim.

Acredita que está mais fácil ser famoso? O que acha dessa proliferação de celebridades instantâneas?
Isso é a Era de Aquário que está chegando. A Era mais democrática. Todo mundo vai ter seus 15 minutos de fama. Mas essa fama passa logo. Para durar, tem que aprender e melhorar. Por isso que digo que ficar velho é bom, mas ficar ultrapassado é uma merda. As pessoas morrem de medo de ficar velhas. Eu não queria morrer jovem, como iria achar ruim ficar velha? Acho assim: jovem burro, tudo bem. Lembro das burrices que cometia. Mas imagina a Elkinha das Couves fazer as mesmas merdas de antigamente? Velho tem que se dar o respeito. E tem muitos por aí que não dão.

Você considera Chacrinha como um segundo pai. Qual o maior ensinamento ele te deixou?
Painho (apelido carinhoso para Chacrinha) é meu pai artístico. Me ensinou inúmeras coisas. Podia falar um ano sobre ele. Já fui na terra dele, em Surubim-PE, três vezes. Ele foi o maior gênio da comunicação do Brasil, todo mundo sabe. Uma coisa que acho mais interessante dele é que ele um cara libertador. Eu trabalhava com ele, mas não era escrava. Certa vez, em turnê por Belo Horizonte, nos anos 1970, ele me chamou para conversar. E disse: ‘É bom ter você nos shows comigo. Você põe muita azeitona na minha empada. Mas isso não acrescenta para você. Vá fazer seus shows sozinha!’ Das milhares lições, essa foi a maior.

Você já vestia roupas diferentes e usava cabelos extravagantes antes da Lady Gaga pensar em existir. Quem são suas influências? Será que ela te imitou?
Já andei em Nova York e fui parada várias vezes. Tenho fãs por lá que nunca vi. Chamo a atenção das pessoas onde vou, mesmo depois de velha. Esses artistas observam as ruas para buscar inspiração, mas acho difícil ela ter me imitado. Nos meus figurinos tenho influências das culturas antigas. Busco elementos antigos e remeto para o presente e para o futuro. Gosto do Teatro Kabuki (Japão), adoro a estética e os signos kabukis. Dos meus antepassados, os Vikings e da cultura negra. Não vou a butiques. Tenho meu quarto cheio de materiais. Eu que faço meus adereços e digo para a costureira: ‘quero assim, quero assado’. Os bordados eu que faço à mão. Gosto de brincar disso. Tenho o dedo furado de montar minhas coisas.

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