Diario nos Bairros

A lição de dignidade do sapateiro Toinho

Antônio Tibúrcio conserta calçados, é articulador social e espécie de historiador de onde trabalha

Publicado em: 05/06/2018 10:37 | Atualizado em: 05/06/2018 10:43

Conversador e sorridente, Toinho agrada à clientela fiel que o procura há décadas. Foto: Arquivo/DP

Quando chegava ao final do mês, irmão Tedesco, do antigo Colégio Marista, perguntava ao sapateiro e pai de uma estudante: “Mas, seu Tibúrcio, por que o senhor todo mês paga a mensalidade primeiro que os outros?” Seu Tibúrcio explicava com a calma natural que Deus lhe deu: “Pago porque não tenho ninguém que pague para mim e quero mostrar aos meus filhos como é ter uma vida respeitável”. 

Com 70 anos, continua trabalhando duro. Tem um apartamento na Av. Real da Torre, a duas quadras do trabalho. No final de semana, o maior prazer de seu Tibúrcio, Toinho ou Antônio Tibúrcio, como o freguês preferir, é dançar. Do forró ao bolero. 

Quando é apresentado a desconhecidos, lida com o estranhamento: “O senhor é o sapateiro? Aquele do Mercado da Madalena?”. Ele enche o peito: “Sim, sou eu mesmo”, diz com gentileza. “Nada vai detratar a minha honra nem minha dignidade”, frisa. “Porque eu tenho muito orgulho de ser sapateiro”. 

Chega muda o semblante falando sobre o ofício: “Sinto a maior felicidade do mundo porque tem família com três gerações vindo aqui. Se noto desigualdade no tratamento? Claro que sim. Mas, que besteira! Isso não vale nada”.

Seu Toinho, da Sapataria Trovão, é um dos mais antigos sapateiros do Recife e um patrimônio do bairro da Madalena. Na lida, começou criança com o pai. Trabalha há mais de 50 anos em uma área correspondente a seis boxes no Mercado. “Papai ensinava: ‘Você diz para a sua  noiva ou mulher quando se casar: Bota água no fogo que daqui a pouco chega dinheiro’”.

O sapateiro perdeu a conta de quantos solados de prefeitos e governadores, empresários ricos (“prefiro não falar de nomes, porque é a intimidade de cada um”) e gente do povo já endireitou. “Minha riqueza é essa: minha clientela. Não tenho estudo, mas sou um trabalhador”. 

Para ser quem é, referência no que diz respeito a conserto de sapatos, desde os tênis vulcanizados até solados simples, foi determinado. Corria quando criança pelo mercado. Com 16 anos, entrava no expediente às 4h e saía às 20h, e repetia a frase “Vou aprender a ganhar dinheiro”. Fez cursos em outros estados e se empenha usando a internet para trazer os melhores produtos químicos da área, alguns de uso industrial, para qualificar o serviço.

Rebolando
Dois dos seus funcionários com décadas de trabalho se aposentaram e continuaram no batente por opção. “A gente rebola muito para ganhar dinheiro porque tenho advogado, contador, assino carteira assinada de todo mundo”. Como vizinho, é respeitado. Funciona como articulador social de ações do mercado - nos últimos meses, tem sido consultado para tratar da esperada reforma estrutural. 

É praxe: todos os anos, Toinho junta 250, 300 pares de sapatos em perfeitas condições, toma nota do número do talão fiscal correspondente, acoberta-se para não ter problemas futuros e entrega os calçados para doação na paróquia ou instituição filantrópica do bairro da Madalena ou da Torre. “O cliente esquece que deixou aqui, eu chamo pelo WhatsApp e nada. Entrego mesmo porque tenho de ajudar ao próximo”. Talvez a Sapataria Trovão, além de uma das mais tradicionais, seja uma das mais organizadas da cidade. Nela, todo sapato é ensacado e cuidadosamente numerado.

Católico, por 14 anos esteve à frente da organização de uma missa dentro do Mercado, em que arrecadava donativos para os mais carentes. “Quando meu cliente chegava, eu pedia. ‘Dê pelo menos um quilo de fubá”. Já arrecadei 1.700 quilos de alimentos”.

Por último, Toinho atua como historiador do bairro, pelo qual declara seu amor. Volta e meia, recebe estudantes para falar do passado. No bairro da Madalena inteiro, há sempre quem o indique. E ele atende com maior prazer. “Porque tenho de ser justo: à Madalena eu devo tudo que arrumei na minha vida. Se não fossem meus clientes, não sustentava meu operariado, que come do mesmo prato que eu como, e eu não tinha nada e não seria feliz como sou”.
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