Pesquisa A revolução da longevidade: como os idosos veem o avanço da idade Até 2050, o número de pessoas com 60 anos ou mais chegará a quase um terço da população do Brasil

Por: Anamaria Nascimento

Publicado em: 05/11/2017 10:00 Atualizado em: 03/11/2017 21:17

Francisco Alencar, 83, faz exercícios funcionais duas vezes por semana. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
Francisco Alencar, 83, faz exercícios funcionais duas vezes por semana. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
Mariana ainda não nasceu. Está passando o último fim de semana na barriga da mãe, a fisioterpeuta Bruna Watusi, 29 anos, e deve chegar ao mundo nesta segunda-feira. De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a menina vai viver, em média, 79 anos. Se tivesse nascido em 1940, época em que a tataravó deu à luz a bisavó, a expectativa de vida de Mariana seria de 45 anos, mas os avanços tecnológicos e na medicina ajudaram a fazer com que brasileiros como ela possam viver mais. Mas será que estão vivendo melhor? Os números promissores de tempo de vida vêm, segundo especialistas, acompanhado de preocupação sobre a falta de preparo do país para lidar com a população idosa.

Até 2050, o número de pessoas com 60 anos ou mais chegará a quase um terço da população do Brasil. Cerca de 66,5 milhões de brasileiros (29,3% do total) serão idosos na metade deste século, segundo estudo do IBGE. Essa mudança demográfica exigirá modificações profundas nas políticas públicas de saúde e de assistência social. Atrelada ao aumento da expectativa de vida está a diminuição no nascimento de crianças. Desde 2010, a taxa atual de fecundidade está abaixo do nível de reposição populacional, de 2,1 filhos por mulher. Ou seja, o Brasil será cada vez mais dos idosos e menos dos jovens.

“Estamos vivendo o que chamo de revolução da longevidade. É importante desenvolvermos respostas a essa questão desde já. Urge adotarmos uma perspectiva de curso de vida”, ressalta o gerontólogo e presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil, Alexandre Kalache, que dirigiu por 14 anos o Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para tornar os países mais preparados para as pessoas mais velhas, a OMS - que estima uma expectativa de vida global de 72 anos em 2050 - propõe três principais mudanças: tornar as cidades em ambientes amigáveis para as pessoas mais velhas; realinhar os sistemas de saúde às necessidades dos idosos e desenvolver sistemas de cuidados de longo prazo que possam reduzir o uso inadequado dos serviços de saúde agudos, garantindo a dignidade nos últimos anos de vida. O órgão contabiliza aproximadamente 900 milhões de idosos hoje, isto é, cerca de 12,3% da população mundial. A expectativa é de que, em 2050, esta parcela represente 21,5%, ou seja, mais de 2 bilhões de pessoas.

Pesquisa mostra opinião dos idosos
Nena Feitosa, 64, e o neto José Thiago. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
Nena Feitosa, 64, e o neto José Thiago. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.

O segredo da longevidade para os idosos recifenses é permanecer ativos. Foi o que revelou uma pesquisa inédita da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), em parceria com o grupo farmacêutico e químico Bayer, realizada em outubro deste ano em dez capitais brasileiras, incluindo o Recife.

De acordo com o estudo, que na capital pernambucana entrevistou 200 pessoas com 55 anos ou mais na Praça do Derby, Mercado de São José e Cais de Santa Rita, o envelhecimento está na pauta dessa fatia da população - 62% deles pensa a respeito da velhice.

O Estatuto do Idoso considera que fazem parte desse grupo etário pessoas com 60 anos ou mais, mas a pesquisa entrevistou pessoas a partir dos 55 anos para saber também sobre a expectativa desses sobre o envelhecimento. Questionados sobre como se sentem com o passar dos anos, 30% dos recifenses afirmaram estar bem com a situação. A velhice assusta 15% dos entrevistados. Os principais medos relacionados ao avanço da idade são ficar sozinho, desenvolver uma doença grave e depender financeiramente dos filhos.

Quando o assunto é expectativa para o futuro, estar com a saúde equilibrada (33%) e curtir a família e os netos (22,5%) estão entre as respostas mais citadas. A comerciante Nena Feitosa, 64 anos, está entre os que querem curtir o envelhecimento com saúde e ao lado da família. A caminhada diária - que ela pratica há pouco mais de um mês, desde que a médica recomendou por causa do colesterol alto - é feita na companhia do neto José Thiago, 6 anos. Enquanto a avó se exercita, ele aproveita para brincar nos parques da orla de Boa Viagem. “Ter neto é muito gostoso. Parece que a gente passa a fazer mais pelos netos do que fez pelos filhos. A gente protege mais”, diz.

Preconceito
Diante do envelhecimento da população, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se mostrou preocupada com a discriminação contra as pessoas mais velhas depois de fazer uma pesquisa sobre o assunto, que mostrou que 60% da população mundial considera que os idosos não são respeitados. “Assim como com o sexismo e o racismo, é possível mudar as normas sociais, e já é hora de parar de identificar as pessoas com base em sua idade, e isso vai resultar em sociedades mais prósperas, mais justas e com melhor saúde”, declarou a entidade em um relatório de 2016.

A pesquisa apontou ainda que os países onde os idosos são menos respeitados são os que têm as rendas mais altas. “Ainda é comum os olhos da sociedade se voltarem para a velhice com preconceitos e rótulos que não representam mais esta parcela da população.

Mesmo que o envelhecimento faça parte de um processo natural do ser humano, que tem início desde o nascimento, ele ainda é marcado por estigmas que precisam ser quebrados”, ressalta a presidente da SBGG, a médica Maisa Kairalla.

Falta de acessibilidade mostra despreparo
Calçadas ilustram falta de preparo do país para os idosos.Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
Calçadas ilustram falta de preparo do país para os idosos.Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.

Uma das formas de observar como o Brasil ainda não está preparado para uma população com muitos idosos é prestar atenção à situação das calçadas nas cidades. O Recife é um exemplo de mobilidade inadequada para pessoas com 60 anos ou mais. Na avaliação da arquiteta e urbanista, Ângela Carneiro Cunha, assessora técnica do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), os principais problemas para a mobilidade dos pedestres idosos na capital pernambucana são anteparos, buracos e declividades.

Segundo a especialista, o entrave relacionado à mobilidade dos idosos não se resume às calçadas. “O tempo de travessia nas grandes avenidas também não é adequado aos idosos. Se a pessoa tiver baixa visão e dificuldade de locomoção, não chega ao outro lado no tempo disponibilizado. Outro problema é  ausência de marcação da faixa de pedestres”, pontuou Ângela.

O advogado aposentado Antonio Diniz, 83, caminha diariamente na orla de Boa Viagem e costuma se locomover a pé pelo bairro. Ele afirma que melhorias em relação ao policiamento e à iluminação pública também são necessárias. “Existe uma falta de preparo dos dirigentes em relação ao país, ao estado e à cidade e não só quanto aos idosos, mas em relação à população como um todo”, opinou. 

Entrevista // Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil:
 (Foto: ICL BR/Divulgação.)

O senhor afirma que o Brasil vive a “revolução da longevidade”. O que isso significa?
Revolução é algo que se passa em uma sociedade e, a partir dela, essa sociedade nunca mais será a mesma. O que está acontecendo com a longevidade nunca aconteceu antes e tem um impacto definitivo na sociedade como um todo. Vou explicar isso de forma mais prática. Quando eu nasci, em 1945, a expectativa de vida, era de 43 anos. Hoje, ela está bem próxima de 77 anos. Costumo comparar que a vida antigamente era como uma corrida de 100 metros. Não havia tempo de pensar, se reinventar ao longo da vida. Hoje não. Agora, é possível se reinventar, mudar de rumo, fazer diferentes escolhas. Atualmente, o Brasil tem 25 milhões de pessoas idosas. Em 30 anos, serão 64 milhões. Em 2050, como o Japão de hoje, cerca de 30% da população brasileira será idosa. E não será só o Brasil. Essa revolução é global e acontecerá em um futuro muito próximo. Se você tem de 27 a 57 anos hoje, será esse idoso de 2050, então tem que começar a pensar nisso agora. O que acontece é que ao mesmo tempo em que a população envelhece, os casais estão tendo menos filhos.

O que o país ainda precisa fazer para encarar essa mudança demográfica?
O Brasil será um dos países que não se desenvolveram plenamente e que vão começar a encolher a população. Teremos uma base (da pirâmide etária) muito menor. Aumentar a produtividade de quem tem 50, 60 anos é um desafio para manter a população economicamente ativa. No entanto, não adianta o presidente (Michel) Temer ficar esperneando para que a população se aposente mais tarde se ele mesmo recebeu aposentadoria mais cedo. Porque o presidente Temer, que acredita tanto nessa reforma da previdência, não diz que vai restituir à nação esse dinheiro da aposentadoria que ele mesmo não precisa? A elite brasileira precisa abrir mão de privilégios, pois ao abrir brechas para determinados grupos, o ônus vai pesar para a população como um todo. Enquanto a elite recebe aposentadorias imensamente altas, as pessoas estão envelhecendo na miséria. A reforma (previdenciária) é necessária, mas não pode abrir exceções e privilegiar quem já é privilegiado. Além disso, o país está cortando gastos em saúde e em educação. É essa a resposta que o país está dando à revolução da longevidade. Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecer. Nós vamos envelhecer pobres.

Como está a situação do Brasil nesse sentido em relação a outros países da América Latina?
A América Latina toda está sofrendo esse processo de envelhecimento. Alguns (países) com situação diferente, pois ainda mantém a taxa de natalidade mais alta. O México, por exemplo, tem taxa de reposição populacional (para que a reposição populacional seja assegurada, a taxa de fecundidade não pode ser inferior a 2,1 filhos por mulher, pois as duas crianças substituem os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar os indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva), que já perdemos desde 2010. Argentina, Uruguai e Chile já começaram a implementar políticas nesse sentido mais cedo que nós e estão um pouco mais preparados que o Brasil. O Chile em particular investe mais em educação e tem taxas de alfabetização e produtividade muito mais altas que as brasileiras. Aliás, o Brasil está entre os países com menor produtividade do mundo.

Leia a matéria completa na superedição deste fim de semana.



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