Entrevista José Fernando Santana: Nunca estivemos tão conectados e tão solitários Presidente da Sociedade Psicanalítica do Recife aborda o problema da solidão, tema de jornada que começa quinta-feira

Por: Ana Paula Neiva - Diário de Pernambuco

Publicado em: 16/09/2017 15:33 Atualizado em: 16/09/2017 15:41

José Fernando Santana é presidente da Sociedade Psicanalítica do Recife. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
José Fernando Santana é presidente da Sociedade Psicanalítica do Recife. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
Sigmund Freud, criador da psicanálise, já dizia que o relacionamento com os outros é a maior causa de sofrimento do homem. Da mesma forma, o mal-estar da civilização é o mal-estar dos laços sociais. Não é de hoje que a dificuldade de lidar com as pessoas está entre um dos mais graves problemas que desafiam a vida em sociedade. A solidão, como um estado de humor, na maior parte das vezes, está ligada à angústia diante da constatação de que somos sujeitos da falta. Se para uns a solidão é sinônimo de tristeza profunda, vazio de palavras, para outros pode ser um estado desejado para usufruir de pequenos prazeres como ler, contemplar a natureza e estar consigo mesmo. Assim, a psicanálise encara esse sentimento como afeto inato e até necessário. O certo é que nunca tivemos tanta facilidade de comunicação, mas ao mesmo tempo, tanto isolamento social. Esse estado é aguçado ainda mais pelo corre-corre diário e percebido por psicólogos e psicanalistas. É comum ouvir nos consultórios pessoas questionando: “Sou independente, individualista ou solitário?”. As queixas dos pacientes são variadas mas, geralmente, trazem o estado de irritabilidade execessiva, mudanças de humor brusca, insegurança, baixa autoestima, impaciência e intolerância, além de um sentimento de culpa e fracasso. Nesta entrevista, o psicanalista José Fernando Santana fala  sobre a solidão, tema que será abordado  durante a XXII Jornada de Psicanálise, promovida pela Sociedade Psicanalítica do Recife, nos dias 21, 22 e 23 deste mês, no Mar Hotel.

Que tipos de queixas mais comuns relacionadas à solidão chegam ao consultório?
As pessoas que vêm ao consultório e se queixam da solidão o fazem por meio de manifestações sintomáticas como queixas de um vazio interior, falta de objetividade e perspectivas na vida, instabilidade no humor, baixa autoestima, insegurança, irritabilidade fácil, desesperança ou ainda sentimentos de culpa por não estarem sendo produtivas etc. Eu diria que a solidão, a princípio, pode causar depressão, mas a situação é dialética. A depressão, pelos sentimentos de culpa presentes, pode gerar um sentimento de solidão.

Amo minha família e amigos, mas mesmo assim me sinto como se estivesse sozinho?
Exatamente. Isto vai depender da capacidade que tenho de confiar nos outros. Vai depender da minha capacidade de estabelecer relações saudáveis, em que posso ter, em relação aos outros, um tipo de dependência madura, onde não me sinta entranhado e fusionado com os outros a ponto de perder minha individualidade. No entanto, quando se trata de relações familiares em que as figuras são, de algum modo, representantes e substitutos dos pais, as ansiedades que acompanham o sentimento de solidão são mais prementes porque são revivescências de ansiedades vivenciadas na relação com estes últimos.

Por que as pessoas não conseguem mais confiar nas outras?
No modernismo e pós-modernismo acontece um fenômeno interessante que tem a ver com esta questão. Parece haver uma crise na crença da realidade tendo como corolário uma crise na crença da identidade. A realidade parece falseada, as coisas perdem substância e credibilidade, há uma pletora de representações e as pessoas já não sabem quem são, não se encontram naquilo que produzem tal a especificidade e fragmentação daquilo que produzem. Não é de se estranhar, portanto, que haja também uma perda na crença em relação aos outros. Pode ser que isto tenha a ver com os sentimentos negativos sentidos por uma pessoa e projetados nos outros.

Então, a solidão é natural?
Enquanto sentimento de solidão acredito ser natural na medida em que pode ser vivenciado por qualquer ser humano que não tenha superado eficazmente suas ansiedades infantis vividas originalmente na relação com os pais ou figuras substitutas. No entanto, ser natural não é sinônimo de normalidade, pois estas dificuldades repercutem nas relações afetivas familiares bem como nas relações de trabalho. E estas ansiedades serão muito intensas nos diferentes distúrbios emocionais.

E quando a solidão não é saudável?
Entendo que a solidão pode se constituir em momentos desejados, em momentos de ócio que podem ser criativos e saudáveis. No entanto, enquanto sentimento de solidão, vivenciado com muita ansiedade, este pode não ser saudável pois é resultado de um desenvolvimento psicológico onde o sujeito não pôde desenvolver suas capacidades de integração.

O senhor tem medo da solidão?
Na verdade, todos nós podemos ter medo da solidão em certos momentos, lugares, e em determinadas circunstâncias nas quais poderíamos nos sentir ameaçados por algum perigo externo. Mas teríamos de distinguir este tipo de solidão do “sentimento de solidão interior”, ou seja, o sentimento de estar sozinho independentemente de circunstâncias externas e que é o resultado de um forte desejo por um estado interno ideal, mas inalcançável. Tal solidão brota de ansiedades vivenciadas na mais precoce infância. Mais ou menos com estes termos Melanie Klein, uma das pioneiras da psicanálise, define o sentimento de solidão.

A psicanálise encara a solidão como afeto inato até necessário ao processo de subjetivação dos sujeitos, entretanto, isso não significa que o isolamento social seja saudável. O que o senhor diz disso?
É verdade. Inevitavelmente, temos que vivenciar a solidão como necessária à capacidade de individuação. Esta solidão pode ser fruto do desamparo que sofremos ao nascer, mas é necessário suportar este sentimento como forma de superar aquele desamparo e nos tornarmos capazes de enfrentar a solidão e sermos independentes reconhecendo as diferenças entre nós e os outros.

Freud, ao longo do seu desenvolvimento teórico, irá afirmar a intensa dependência do outro para poder sobreviver, mas até que ponto estamos vulneráveis a essa situação?
O ser humano é essencialmente gregário. O bebê é impotente para sobreviver se não tiver suas necessidades fisiológicas e emocionais atendidas pela mãe ou alguém que a substitua. Este momento corresponde àquilo que chamamos de ego ideal ou de narcisismo primário porque provavelmente o sentimento do infante é que ele se basta a si mesmo já que ainda não é capaz de diferenciar seu próprio eu do mundo que o circunda. Claro que esta situação se desfaz quando ele puder reconhecer que a satisfação de suas necessidades é dada por um outro diferente e separado dele. Contudo, isto parece ser uma situação traumática e ele terá que reconhecer sua dependência. O desenvolvimento psicológico é que vai fazer com que ele supere esta desilusão de autobastância.

O mundo da tecnologia está produzindo indivíduos mais solitários?
Curiosamente, ou mesmo paradoxalmente, o mundo da tecnologia e dos mais diversos meios de comunicação afasta as pessoas do convívio mais aproximado e afetivo. Não sabemos o quanto isto pode ter de patogênico mas, de algum modo, é algo que suprime ou reprime a afetividade mútua entre as pessoas. No entanto, não saberia dizer se esta situação é exclusiva da tecnologia moderna, pois também nossas moradias cada vez mais são um convite à vida isolada. Não é impossível que daqui a 20 ou 30 anos nossos apartamentos estejam reduzidos a dimensões de 10 ou 20 metros quadrados. Não seria isto um desestímulo para a vida em família? Creio que há muito o que pensar sobre isso tanto do ponto de vista psicanalítico quanto do social.

Às vezes quando as pessoas estão só sentem-se bem e até pensam que gostariam de ficar mais tempo sozinhas. O que o senhor fala a respeito dessa situação?
Como disse antes, a solidão sem ansiedade e com tolerância e segurança, pode ser criativa e daí o gosto de estar só em certos momentos da vida. No entanto, acredito que o idoso, por sua fragilidade e maior dependência de outros, pode estar mais vulnerável a um sentimento de solidão.

Ficar só não é fácil, pois impõe a companhia de si mesmo. O que o senhor diz do dito popular: melhor sozinho do que mal acompanhado?
Acredito que isto possa ser uma defesa contra o sentimento de solidão, contra a incapacidade de estabelecer relações saudáveis com um outro. Não saberia dizer, por exemplo, se é mais difícil para o homem ou mulher ficar sozinho. Talvez por conta de uma cultura dominante, os homens têm necessidade de se dizerem mais fortes para enfrentar certos desafios.

Pela experiência de consultório, o que o senhor diz sobre a solidão no casamento?
Creio que a solidão no casamento pode existir se o parceiro não é pessoa confiável, se não é simpático e empático às necessidades emocionais do outro, numa palavra, se não está disponível emocionalmente para compartilhar experiências emocionais.

Como evitar a solidão após separação?
O sentimento de solidão após uma separação talvez só exista quando esta separação constitui-se numa revivescência de separações mais primitivas ou precoces, desenvolvendo assim ansiedades arcaicas que se atualizam neste momento. Neste caso seria prudente procurar ajuda psicológica que possibilite uma melhor elaboração e superação destas angústias.

Em que situação há mais solidão: quando alguém se separa ou quando enfrenta a morte de um ente querido?
Creio que nas duas situações há uma perda de alguém que pode ou não ter sido muito querido. Em ambas, as perdas podem ter o sentido de uma perda de parte de si mesmo, e isso levará a uma situação de luto e a sua elaboração. Ademais, este luto, dependendo da qualidade da relação, pode ser normal ou patológico e este último pode levar o indivíduo a sentir ansiedades persecutórias ou depressivas com sentimentos paranoides ou culpa excessiva, ambas gerando um sentimento de solidão.

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