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Saúde A nova perspectiva para a gravidez após o câncer de mama Estudo realizado na Bélgica concluiu que mulheres podem engravidar após o tratamento sem medo da doença reaparecer.

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Publicado em: 02/07/2017 15:00 Atualizado em: 02/07/2017 21:31

Eduarda engravidou depois da doença e hoje é mãe de Luísa. Crédito: Nando Chiappetta/DP- Local  (Credito: Nando Chiappetta/DP- Local )
Eduarda engravidou depois da doença e hoje é mãe de Luísa. Crédito: Nando Chiappetta/DP- Local
A ciência é como uma obra inacabada. A cada nova aurora, uma descoberta reinventa pequenas rodas e encontra respostas há pouco inimagináveis para por fim a um universo incontável de desesperos. Até o início do mês passado, a relação do câncer de mama e da maternidade era um desses dilemas insolúveis. Entre o fim do tratamento e o início da gestação, permeava uma angústia científica que parece ter sido solucionada por um estudo realizado em Bruxelas, na Bélgica, e apresentado no Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco). Depois de acompanhar pacientes durante 10 anos, os cientistas do maior levantamento já realizado sobre o tema concluíram que engravidar ao fim do tratamento para a doença não aumenta as chances dos tumores reaparecerem.

Metade das mulheres com câncer de mama querem ter filhos. Universo com tendência de crescimento, numa realidade onde a gestação é cada vez mais tardia. Porém, só uma em cada 10 delas realiza essa vontade ao concluir o tratamento. O impasse residia nos hormônios femininos estrógeno e progesterona. “Cerca de 60% a 70% dos tumores de mama têm receptor para esses hormônios. São alimentados, entre aspas, por eles. E durante a gravidez há um crescimento da produção hormonal”, explica a oncologista clínica do Real Hospital Português Carolina Matias.

O estudo acompanhou 1.207 mulheres com menos de 50 anos que tiveram câncer de mama cujos tumores não haviam se espalhado por outras partes do corpo. A maioria delas, 57%, tinha câncer RE-positivo, ou seja, com receptores de hormônios. Ao longo do acompanhamento, 333 engravidaram após o tratamento. Em comparação com aquela sem gestação, não foi encontrada nenhuma diferença na sobrevida sem o câncer. Dentre aquelas mulheres cujos tumores não tinham receptores hormonais, também foi demonstrada uma chance 42% menor de morte.

Os resultados são como uma máquina da coragem, tanto para as pacientes quanto para os médicos. “É uma base, nos dá mais certeza”, ressalta Carolina Matias. E ajudará a evitar sagas como a que percorreu a administradora Eduarda Ferreira, 43 anos. Três anos depois de casar, Eduarda estava pronta para ser mãe. Foi fazer um check-up e descobriu uma baixa de progesterona. Menos de dois meses depois de iniciar um tratamento de reposição, percebeu um nódulo na mama esquerda. A história, a partir daí, é como uma montanha-russa.

Eduarda viajou a São Paulo atrás de médicos. Congelou dois embriões, obstinada a ser mãe tão logo estivesse curada. Escolheu não retirar as duas mamas pelo sonho de amamentar. Esperou mais que o tempo de dois anos, quando há maior chance de regresso da doença, para tentar dar prosseguimento ao sonho de ser mãe. Foram um total de quatro anos e oito meses esperando para concretizar a vontade. Estava mais do que decidida, mas a partir daí só encontrava “nãos” pela frente. Procurou mais de 10 médicos, contudo a maioria era resistente à ideia.

Tentou métodos artificiais com os dois embriões, mas nenhum vingou. Teve uma gravidez natural de uma semana. Chegou a ouvir que não seria possível e ser encorajada a desistir. Foram“A família apoiou, os amigos próximos também, mas não foi fácil. Sofri muito mais na tentativa de ser mãe do que no câncer em si. Não sei se foi a ciência ou milagre”, explica a mãe de Luísa, de 2 anos. Tanto ela como os profissionais entrevistados pelo Diario ponderam que cada caso é um caso. As certezas ainda estão sendo encaixadas no quebra-cabeça, mas há a possibilidade de um final feliz acima das investigações técnicas.
Alexandra teve câncer de mama aos 26 anos. Hoje, aos 35, é mãe de Rafael, 4. Crédito: Julio Jacobina/DP  (Crédito: Julio Jacobina/DP )
Alexandra teve câncer de mama aos 26 anos. Hoje, aos 35, é mãe de Rafael, 4. Crédito: Julio Jacobina/DP

Desejo de ser mãe deve ser expressado

O caminho das mulheres diagnosticadas com o câncer de mama e cujo interesse futuro é de engravidar deve ser percorrido com um passo de cada vez. A prioridade, lembram os especialistas, deve ser a própria vida. Por isso, é importante o acompanhamento médico para se submeter aos tratamentos determinados pela equipe. Todo caso, é consenso de que a mulher deve expressar o quanto antes o desejo de ter filhos aos profissionais, para que ele possa ser viabilizado com segurança.

Se a mulher está na faixa etária dos 30 aos 40 anos, perto do limite da idade fértil, e tem condições financeiras para tanto, o ideal seria congelar o óvulo ou até o embrião. Isso porque cerca de 30% das mulheres que se submetem à quimioterapia perto dos 30 anos podem ficar inférteis. Percentual que aumenta de 40% a 50% para aquelas que já chegaram aos 40. “A quimioterapia pode induzir à menopausa, pois a substância acaba atingindo os ovários e interferem na ovulação e produção hormonal”, explica o oncologista clínico do Hospital do Câncer de Pernambuco (HCP) Rafael Caires.

Nessa situação, o ideal seria fazer a coleta de óvulos, mas sem iniciar um estímulo para produção deles, diz o ginecologista diretor médico da Nascer Medicina Reprodutiva, Sebastião Teixeira. “É preciso fazer uma estimulação com hormônios para obter um resultado de ovulação 15 vezes maior que o fisiológico. Em consequência, é mais estrógeno no organismo, o que não é recomendável para quem já tem o diagnóstico.”

Atualmente, existem medicações que podem ser tomadas para frear a atuação do ovário durante o tratamento quimioterápico. “Em consequência, o sangue intoxicado pela quimioterapia chegará em menor quantidade ao ovário. A medicação pode começar a ser tomada um mês antes do início do tratamento e finalizada até seis meses depois, a depender de cada caso”, acrescenta Teixeira.

Outra situação que precisa ser levada em consideração é a das mulheres que fazem tratamento de hormonioterapia, que pode durar de cinco a até 10 anos. “Caso a paciente opte por engravidar, é preciso interromper a medicação três meses antes, para evitar malformação. O importante é estabelecer o melhor momento junto ao médico”, orienta o oncologista Rafael Caires.

Ser mãe era uma realidade quase descartada para a psicóloga Alexandra Albuquerque, 35. Com um câncer de mama descoberto aos 26 anos e histórico familiar da doença, ela acreditava que não tinha vindo ao mundo com essa missão. No fundo, Alexandra guardava uma vontade soterrada atrás dos medos que parece ter sido o suficiente. Em 2013, engravidou sem planejar e de forma natural. De imediato, bateu um receio, um medo de deixar o filho crescer sem a presença materna. Depois, a própria gestação diluiu os temores. “Para mim, era quase um milagre. Era como se o universo estivesse me recompensando”, conta.

A gravidez, cujo pensamento mais urgente e irracional poderia correlacionar com o fim, na verdade abriu o horizonte do futuro para ela. Os medos ainda vêm e intermediam a chegada de um segundo bebê. Contudo, Rafael, hoje com 4 anos, ajudou-a a entender que o câncer já deixou de ser uma condenação de finitude.

Diagnóstico durante a gravidez

A relação entre gravidez e câncer de mama, que após o tratamento já é emaranhada em inseguranças, pode ter contornos mais complexos. A cada 100 diagnósticos da doença, três ocorrem na vigência de uma gravidez. Dentre os tipos de câncer descobertos nessa fase da vida, metade é de mama. É carregando um feto no ventre que muitas mulheres descobrem a indesejada presença do tumor no organismo. A alegria do começo e o medo do fim coexistindo em um mesmo lar, o próprio corpo.

O câncer elastifica os nove meses. É considerada neoplasia na gestação todo diagnóstico realizado durante o tempo de espera para o parto, a lactação e o primeiro ano após a mulher dar à luz. “Antigamente, acreditava-se que o câncer de mama na gravidez teria um pior prognóstico (chance de cura). Hoje, a gente sabe que ele pode ser de pior prognóstico porque, na verdade, muitas vezes é detectado tardiamente”, explica a mastologista coordenadora do centro de diagnóstico e tratamento do Câncer de Mama do Imip e diretora do Real Mama, Isabel Cristina Pereira.

"A grande questão da gestação é a dificuldade de diagnóstico precoce, pois a estrutura glandular está completamente modificada e exuberante. O que pode dificultar a interpretação do exame clínico e dos exames de imagem”, detalha a mastologista do RHP Luciana Limongi. A mulher pode (e deve) levar a gravidez adiante nessa situação. O tratamento irá depender do tipo de câncer e também do estágio da gestação (veja no quadro). A amamentação poderá ser comprometida, pela irradiação da mama e também porque as substâncias, na maioria dos casos, passam pelo leite materno.

A médica Isabel Cristina alerta que é imprescindível lembrar do cuidado com a mama nesse período da vida. “O diagnóstico precoce é a chave para o sucesso. São nove meses, depois amamentação, muitas mulheres acabam sem avaliação por quase dois anos. Isso faz toda a diferença.” Se o diagnóstico ocorre na fase inicial, as chances de cura são de 90%.

Crédito: Peu Ricardo/DP  (Crédito: Peu Ricardo/DP )
Crédito: Peu Ricardo/DP

O calendário de Maria

Abril de 2015
A história de Maria* é parcelada em datas. Mulher de vida profissional exaustiva, a engenheira consumia horas de sono em troca de conhecimento. Nem sempre conseguia almoçar e trocava o jantar por doces. Aos 39 anos, decidiu engravidar para atender ao pedido da filha, nesta época com seis anos. A gestação só evoluiria até a nona semana. Seria o começo de uma história que ainda não terminou.

Novembro de 2015
Maria procurou um especialista para tentar gravidez por métodos artificiais. Um único óvulo no ovário esquerdo era o fio de esperança. Antes de tomar os hormônios, foi aconselhada a realizar uma bateria de exames para garantir a segurança no procedimento. Dentre os quais, uma mamografia. Enquanto corria entre laboratórios, Maria ainda não sabia, mas tinha engravidado naturalmente. Ao mesmo tempo, os médicos começavam uma investigação a partir da papelada de resultados.

29 de dezembro de 2015
Tudo era um grande hiato até este dia. Maria e o marido saíram de casa com a vida em suspensão. Deram entrada em uma clínica para realizar uma biópsia em ambulatório e selar a angústia. A menstruação estava atrasada e o exame de Beta HCG sairia no meio daquela mesma tarde. Por volta das 15h, o procedimento terminou. A notícia veio a conta gotas. Primeiro, o técnico saiu da sala cabisbaixo. Depois, uma das médicas requisitou a presença da outra. Maria assistia a tudo, enquanto subiam na mesma medida a ansiedade e a certeza do resultado positivo.
Três tumores. “Era como se fosse uma poeira, de vários pontinhos pequenos. A minha impressão é que eles iam se juntar e formar um monstro”, lembra. Depois de receber a confirmação de câncer de mama, ela verificou a hora. O resultado do Beta HCG também já estava pronto. Pegou o celular e abriu. Igualmente positivo. Estava grávida de seis semanas. “Confirmar a gravidez ajudou a deixar o diagnóstico mais leve. Era uma razão a mais para lutar”. Maria procurou uma mastologista naquele mesmo dia. Só chegou em casa durante a madrugada.

15 de janeiro de 2016
Ela não poderia fazer quimioterapia. O tratamento não pode ser realizado durante o primeiro trimestre de gestação, sob o risco de malformação para o bebê.  Os tumores dobravam de tamanho a cada 10 horas, segundo cálculos feitos pela própria Maria. A solução era a cirurgia. Ela se olhou várias vezes no espelho imaginando como ficaria sem a mama direita. Todas as manhãs anteriores, ao acordar, colocava a mão na barriga como um conforto. Neste dia, antes de passar quatro horas dentro de uma sala cirúrgica, não foi diferente.

2 de fevereiro de 2016
Depois da operação, Maria fez uma nova ultrassonografia. Estava com 12 semanas de gestação quando recebeu a notícia de que o coração do feto tinha parado de bater. Voltou ao hospital para fazer uma curetagem. Os médicos não correlacionam a perda com a doença. Maria diz que havia entregue o destino a Deus.

26 de fevereiro de 2016
Caso permanecesse grávida, ela só poderia começar a quimioterapia no segundo trimestre de gravidez. A dolorosa notícia foi acompanhada da liberação para iniciar o tratamento. Mais um retorno ao hospital, dessa vez para colocar um catéter por onde iria passar a substância.

22 de junho de 2017
Foram 34 sessões quimioterápicas. Um dia antes de contar essa história - da qual só sabem o marido, duas irmãs e duas amigas - ao Diario, Maria finalizou o tratamento. Mudou em radical a rotina. Passou a respeitar os limites do corpo. Não come mais doces, a única exceção será a festa de 15 anos da filha, daqui a sete anos. Ela deixou a visão materialista no passado. E decidiu ler a Bíblia por completo. Agora, está no livro de sabedoria.

*Nome fictício



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