Carnaval A festa do passado e do presente Tradição da folia ultrapassa as décadas e se mantém viva para muitos foliões pernambucanos

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Publicado em: 07/02/2016 11:00 Atualizado em: 05/02/2016 17:51

Carnaval é festa para produzir memórias. Cada folia de momo é como uma colcha de retalhos de lembranças costuradas pela alegria. Das fantasias da infância às loucuras adolescentes e reuniões de amigos e parentes na vida adulta, não há quem não tenha pelo menos uma história para recontar sobre os quatro dias de festa. Sobretudo aqueles que brincam como se não houvesse amanhã e carregam o carnaval como parte intrínseca da própria vida. Caso da aposentada Leny Falcão, 72 anos, da funcionária pública Maria Goretti Caminha, 55, e da artesã Luzinete Rufino, 60. O amor delas pelo evento popular está gravado nas fotografias do passado e é anualmente renovado nos desfiles dos blocos líricos.

 

 (João Velozo/Esp DP)

Carnaval até durante a gravidez

 

A cena é relembrada às gargalhadas. Grávida de quatro meses, a aposentada Leny Falcão se valeu da rebeldia adolescente para cometer mais uma loucura de carnaval. Desconsiderar completamente a proibição dos pais de sair de casa, às escondidas, para pular mais uma folia.

Era a década de 1960, ela se fantasiou de palhaço, de um jeito que enganou até os irmãos. Foi com eles que Leny brincou a maioria dos carnavais da vida. Foi até vencedora de dois concursos de passistas, cujos prêmios eram lança perfumes. A paixão só foi deixada de lado nos anos seguintes à morte da mãe, quando os irmãos mais velhos faleceram e, mais recentemente, quando Leny ficou doente. “Tive pneumonia e anemia, fiquei vendo o carnaval pela televisão porque o médico não me liberou, chorando e lamentando. Mas, também, no ano seguinte, me preparei com muita euforia”, lembra a aposentada Leny, uma das integrantes do bloco das Flores. Viúva, ela até tentou repassar aos netos o amor pela festa. Até agora, nenhum foi fisgado. A tentativa recente é com a bisneta, Sofia, de quatro anos. “Carnaval é a minha inspiração”, define. 

 

 (Hesíodo Góes/DP)

A brincadeira de fazer surpresa com as fantasias

 

A artesã Luzineide Rufino, integrante do Bloco das Ilusões, nunca está sozinha no quarto. O cômodo é dividido entre os movéis e o espaço dos manequins, expostos com fantasia o ano inteiro como faz questão a dona. Essa é apenas uma das referências ao grande amor de Luzinete, o carnaval, disponível para as visitas.

O apartamento de dois quartos no bairro de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, é uma reverência à folia de momo e, durante os dias de brincadeira, o quartel general de muito turista. No ano passado, foram 17 pessoas. Neste, um pouco menos, sete. Um mês antes de tudo começar, a dona começa a preparar os congelados. Ao mesmo tempo, inicia a peregrinação de prévia em prévia. Hábito que aprendeu com os pais, na infância, quando morava em Vitória de Santo Antão. “Naquela época o carnaval era muito bom. Era muito diferente, a gente brincava de se melar com talco e farinha de milho. Também íamos para João Pessoa, onde havia o corso ao redor da lagoa, no centro da cidade”, conta. As fotos mais antigas estão na casa da família, na Paraíba. As dos desfiles nos blocos líricos ficam com ela e os amigos. “A brincadeira todo ano é surpeendê-los com as fantasias. Neste ano, são seis diferentes.”

 

 (João Velozo/Esp DP)
 

Quem trabalha também se diverte

 

A primeira vez da funcionária pública Maria Goretti Caminha no carnaval foi em um dos blocos líricos mais tradicionais do Recife, o Batutas de São José. Ela tinha apenas seis meses de idade quando foi fantasiada pelos pais. A ideia foi da mãe Sevy Caminha, carnavalesca e artesã conhecida na cidade. A imersão tão precoce na folia deu certo. “Minha mãe fez com que a gente tivesse não só amor pelo carnaval, mas pela coisa do sonho de fabricar a festa, as fantasias”, explica Maria Goretti. A família até hoje mora no bairro de São José e se dedica o ano inteiro a confeccionar roupas e adereços. Há 40 anos, criaram o bloco Pierrot de São José, uma forma de materializar todo o sentimento pelo evento cultural. Pedagoga por formação, Maria Gorreti utilizava as férias profissionais, inclusive, para se dedicar a terminar a montagem das peças. Agora, aposentada, é dedicação total. “É muita responsabilidade cuidar do grupo, um trabalho levado a sério”, ressalta. É tanta dedicação que o tempo de brincar só chega na quarta-feira de cinzas, quando a família se reúne no Mercado da Boa Vista para celebrar o êxito nos desfiles.



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