Olinda Prefeitura de Olinda é acusada de racismo institucional Petição que denuncia racismo foi encaminhada para a Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB realizará investigação em campo em uma semana para deliberar ações. Prefeitura nega

Por: Laís Araújo - Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/10/2015 11:40 Atualizado em: 23/10/2015 14:42

Imagem de arquivo de solenidade de assinatura do tombamento de Terreiro de Pai Edu. Foto: Teresa Maia/DP/DA Press
Imagem de arquivo de solenidade de assinatura do tombamento de Terreiro de Pai Edu. Foto: Teresa Maia/DP/DA Press

A manifestação do racismo não acontece somente através dos indivíduos: ações de órgãos e empresas – sejam eles públicos ou privados – podem alimentar a desigualdade étnica. Para esta prática é designado o termo racismo institucional. É desse comportamento que a Prefeitura de Olinda, por meio de sua Secretaria de Obras, está sendo acusada em petição enviada ao Presidente da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) de Pernambuco. Segundo o relato, terreiros foram derrubados de forma arbitrária na periferia da cidade. A Prefeitura de Olinda afirma que as desapropriações foram realizadas segundo “legislação pertinente”.
 
Foi Tiago Nagô o idealizador do abaixo-assinado. Ele, morador de Olinda e ativista de direitos humanos para os povos tradicionais, se autoidentifica “com o povo do terreiro, por pertencer a essa cultura religiosa”. Tiago estima que 16 terreiros tenham sido demolidos na cidade nos últimos cinco anos, sem qualquer tipo de indenização. “Afirmo que existe uma movimentação contra o livre exercício de nossa cultura na cidade. Antes de derrubar os terreiros, a Prefeitura alega que vai realizar o alargamento de canal, por exemplo. As pessoas são retiradas, mas a obra não é concluída. Além disso, acontece de o terreiro ser derrubado, mas casas ao redor ficarem em pé”. Ele acrescenta que a indenização devida ainda não foi recebida por ninguém. Não foram especificados quais terreiros teriam sido demolidos.

O cálculo não bate com o da Prefeitura. Segundo Humberto de Jesus, secretário de Desenvolvimento Social, Cidadania e Direitos Humanos da Prefeitura de Olinda, três terreiros foram desapropriados, e a demora no ressarcimento se dá pela “dificuldade em estabelecer o valor simbólico” dos locais. “A informação não procede. Temos a informação de três terreiros que foram demolidos, dois deles em Jardim Brasil. Nós, da Secretaria, entramos com pedido de indenização para a Secretaria de Obras, pois pelo valor da tradição eles precisavam ser reparados além do preço do imóvel. Não é fácil estabelecer um valor objetivo e comercial para uma indenização desse tipo, que leva em conta a tradição e a religião.” No entanto, para Pai Renê de Omulu, que teve sua casa e barracão derrubados há mais de cinco anos, não há diálogo real com a Prefeitura, que ainda não indicou intuito de realizar o ressarcimento.

Imagem de arquivo de solenidade de assinatura do tombamento de Terreiro de Pai Edu. Foto: Teresa Maia/DP/DA Press
Imagem de arquivo de solenidade de assinatura do tombamento de Terreiro de Pai Edu. Foto: Teresa Maia/DP/DA Press
Os espaços de Renê ficavam na beira do Canal da Malária, onde 128 famílias foram removidas para obras. Ele conta que a ação derrubou seu imóvel, onde morava e criava memórias há mais de 20 anos, e que, em retorno, passou a receber auxílio aluguel de 120 reais – e depois de entrave jurídico 30 reais foram acrescidos ao valor, insuficientes para encontrar um local adequado. “Primeiro, passaram lá dizendo que precisavam do espaço. Depois já vieram com oficiais de justiça, mandando sair, pois iam derrubar. Fiquei muito abalado. Eu não entendo de lei, então resolvi sair. Não pude dar continuidade a minha vida religiosa assim.” Quando questionado sobre a afirmação da Prefeitura de que há diálogo com os terreiros derrubados, ele diz que “contato tem quando eu vou lá, mas da parte deles não”.

Tiago Nagô explica que entre os terreiros derrubados estão incluídos espaços de “culto familiar, onde se convidam pessoas próximas”. “Mas não deixam de ser terreiros, e nem por isso podem ser removidos. Se forem, precisam cumprir rituais para serem replantados em outro lugar. Geralmente, os terreiros funcionam dentro de uma residência, com horário sagrado. Mudar um terreiro de lugar é como mudar uma aldeia indígena de lugar: não existe isso. Precisamos preservar esses espaços, que são a nossa forma de preservar nossa memória e história.” Ele ressalta que danos a espaços de culto de outras religiões - como por exemplo, furto a imagens de igrejas católicas - costumam ser investigados e causam comoção. “E isso acontece porque é importante para a história do povo. E nós também somos parte da história e merecemos respeito.”

A Prefeitura de Olinda teria, ainda, sugerido a construção de um espaço coletivo para todos os centros religiosos demolidos, mas Tiago explica que uma junção como essa descaracterizaria os aspectos específicos de cada nação. “Isso seria um extermínio da cultura. Não é admissível. A miscigenação das religiões, que aconteceu nos quilombos e senzalas, surgiu de forma natural, mas essa junção forçada, de colocar uma nação dentro da outra, iria acabar com características de cada uma. Não queremos isso.” A sugestão, ele explica, é comparável a criar um espaço único para cultos católicos e neopentecostais.

A Prefeitura de Olinda informou, em nota, “que devido às obras de urbanização integrada do PAC (pavimentação, drenagem e saneamento básico) alguns imóveis precisaram ser desapropriados na cidade, sendo todos os procedimentos de desapropriação realizados de acordo com a legislação pertinente”. Já o presidente da OAB-PE, Pedro Henrique Reynaldo Alves, delegou aos integrantes da Comissão de Defesa da Igualdade Racial e Proteção aos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (CDIR) a missão de, in loco, averiguarem a questão. A comissão será Presidida pelo advogado Edvaldo Eustáquio Ramos, e apresentará parecer sobre o assunto em uma semana. Após o prazo, serão deliberadas as ações necessárias.

Detalhe do Terreiro de Omulu, regido pelo babalorixá Renê de Omulú, antes localizado na beira do Canal da Malária. Foto: Tiago Nagô/Cortesia
Detalhe do Terreiro de Omulu, regido pelo babalorixá Renê de Omulú, antes localizado na beira do Canal da Malária. Foto: Tiago Nagô/Cortesia

Intolerância aos cultos
Em julho de 2012, um terreiro em Varadouro, Olinda, foi alvo de intolerância por parte um grupo evangélico. Eles tentaram invadir o local e ameaçaram os presentes – a cena foi filmada e divulgada em redes sociais, gerando repúdio. Tiago Nagô conta que não são raras interrupções às sessões religiosas: acontece, por exemplo, de vizinhos colocarem som alto ou chamarem a Polícia Militar para tentar interromper o culto. “Temos feito procedimentos de capacitação para que a abordagem da Polícia respeite a religião. Hoje, existe um GT da Polícia Militar contra o racismo, e é importante que o povo de terreiro saiba disso. É possível informar sobre a existência do terreiro, e pedir uma guarnição, se for necessário. Além do que, se alguém denunciar o terreiro por barulho, por exemplo, eles vão ter registrado que ali é um local religioso, e abordagem será diferente.”

A Prefeitura Municipal de Olinda informou que os terreiros precisam de autorização para funcionamento, e que a Secretaria de Planejamento e Controle Urbano tem atuado em relação ao assunto, especialmente em decorrência da poluição sonora que pode ser gerada a partir das sessões ou cultos religiosos. É reforçado que isso acontece independente da crença. A Prefeitura informa também que a Polícia Militar tem a autorização para intervir quando há denúncia de vizinhos das cerimônias.

Terreiros foram derrubados durante obras, na cidade de Olinda. Foto: Tiago Nagô/Cortesia
Terreiros foram derrubados durante obras, na cidade de Olinda. Foto: Tiago Nagô/Cortesia

Secretaria de Direitos Humanos e a paralisação de departamentos
Na petição é ressaltado que, durante a gestão do Secretario Humberto de Jesus, houve a paralisação da Coordenaria de Negros e Negras e da Coordenadoria para Assuntos Religiosos – espaço apontado por Pai Renê como aquele em ele conseguiu estabelecer algum diálogo. O secretário Humberto de Jesus afirma, no entanto, que as secretarias não foram abolidas, mas passaram por um processo de troca de seus representantes (uma faleceu, o outro mudou de cidade) e que hoje ambas contam com representantes interinos. Na petição, é informado que o secretário “nunca tomou nenhuma providencia no sentido de fazer valer a legislação de proteção aos direitos humanos, voltados especificamente aos povos tradicionais de terreiro”.



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