Alarmes falsos A relação de Pernambuco com os boatos Histórias de falsos alertas causaram pânico e apreensão pelo estado; Tapacurá ainda está bem presente na memória da população

Por: Mike Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 11/05/2015 11:55 Atualizado em: 11/06/2016 02:02

Há quem diga que boatos são verdadeiras forças da natureza, capazes de destruir tanto quanto um terremoto ou um tsunami. Não é hipérbole. A propagação de uma notícia falsa, que mexa com os brios e as estruturas emocionais de uma localidade, pode causar efeitos até duradouros.

(Clique para ampliar) Capa do Diario de Pernambuco de 22/07/2015. (Foto: Arquivo DP/D.A Press)
(Clique para ampliar) Capa do Diario de Pernambuco de 22/07/2015. (Foto: Arquivo DP/D.A Press)

Pernambuco não foge a isso. O jornalista e escritor Homero Fonseca, autor do livro Tapacurá - Viagem ao Planeta dos Boatos, afirma que falsas histórias calamitosas que amedrontam a população ocorrem, em geral, quando as pessoas foram afetadas por um fato - recente ou histórico - que produziu resultados danosos.

No caso do boato de Tapacurá, que em 21 de julho completa 40 anos, Recife passava por um momento de reconstrução. Em julho de 1975, a cidade havia sofrido um dos maiores desastres de sua história. As chuvas fortes dos dias 17 e 18 causaram enchentes e destruição. Enquanto a população, fragilizada pela tragédia que vitimou 107 pessoas e desabrigou outras 350 mil, salvava o que havia sobrado e lavava a lama de suas ruas e casas, alguém - até hoje não se sabe de onde ou como - propagou o boato de que a barragem, inaugurada dois anos antes, havia rompido e que as águas estavam se dirigindo com grande violência rumo ao Recife.

Era um momento pré-internet e redes sociais, mas mesmo assim a velocidade com que o falso alarme se espalhou foi grande. "Já tem uma onda enorme vindo da Caxangá", teria gritado alguém em pleno Derby. Carros abandonados, pessoas tentando entrar em contato ou levar familiares para lugares mais altos, outras correndo sem rumo, causando um enorme tumulto na maior avenida em linha reta da América Latina - e em toda a cidade. A confusão só foi amenizada quando o governador da época, Moura Cavalcanti, se dirigiu em comunicado à população, afirmando que tudo não passava de algo inventado.

(Clique para ampliar) Página interna do Diario em 22/07/2015 noticia a busca pelos autores do boato de Tapacurá. (Foto: Arquivo DP/D.A Press)
(Clique para ampliar) Página interna do Diario em 22/07/2015 noticia a busca pelos autores do boato de Tapacurá. (Foto: Arquivo DP/D.A Press)

Homero Fonseca diz que Tapacurá é um caso que ilustra bem o fato de que boatos refletem o estado de espírito coletivo: medo, ansiedade, pessimismo.  "Uma característica desse tipo de boato é que ele diz que uma situação ruim ainda ficará pior. Os psicólogos explicam que é uma espécie de descarga emocional: imaginar o pior é, de certa forma, amenizar uma situação ruim", afirma o escritor.

O suposto rompimento de Tapacurá não foi o primeiro nem o único boato que mexeu com a sociedade pernambucana, tanto é que, em 2011, houve um replay bem mais moderado, por causa das chuvas pesadas em maio daquele ano. Greves da polícia, arrastões, sequestros. Várias histórias estão presentes no imaginário da população local.

O professor da Universidade Federal de Pernambuco e historiador, Michel Zaidan, lembra de um momento específico da história recente do estado. "Era julho de 1997, período do último mandato do então governador Miguel Arraes. A Polícia Militar de Pernambuco havia entrado em greve pela primeira vez em sua história, e a situação política de Arraes não vinha bem, por conta do desgaste com o Governo Federal". O piso salarial dos soldados, na época, era de R$ 85.

Os policiais se reuniram para uma caminhada em direção ao Palácio do Campo das Princesas, para exigir do governo que o menor soldo da categoria fosse elevado para R$ 130. Durante 12 dias, a população pernambucana ficou apreensiva. A segurança das ruas precisou ser feita pelo exército, vários lojistas fecharam as portas com medo das supostas denúncias de assaltos e arrastões, e muita gente preferiu sequer sair às ruas. A situação só foi resolvida em 28 de julho, quando as partes entraram em acordo.

Zaidan compara a greve da PM de 1997 com a de 2014, que, a princípio, teve momentos semelhantes com a primeira, mas que acabou gerando efeitos mais sérios que simples boatos. Foram arrastões, assaltos, saques, 234 pessoas detidas e 102 autuadas em flagrantes durante três dias de paralisação. "Ainda assim, houve pontos em comum", lembra o professor. "'Tá tendo arrastão em tal canto!', 'fica em casa, estão assaltando as pessoas pelas ruas', era o que se ouvia, o que nem sempre se confirmava. Mas a apreensão foi parecida", conclui.

Para Homero, greves de polícia deixam as pessoas à mercê de toda uma estrutura social e psicológica pré-estabelecida. "Boatos nessas situações [greve da polícia] indicam claramente que a população enfrenta no seu dia a dia problemas de violência e insegurança".

O escritor considera que há sempre uma ameaça. "O perigo é multiplicado em muito. Primeiro, porque a tendência é realmente haver mais assaltos, mais saques, mais arrastões. Mas, mesmo que eles não ocorram, a população, que já vive assombrada e se sente desprotegida, tende a aumentar o perigo, imaginando cenas de todo tipo de violência. Basta uma pequena fagulha - um alarme, verdadeiro ou falso - para o fogo do medo se alastrar". Tapacurá e as greves estão aí para comprovar.


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