Opinião Maurício Rands: Catalunha e direitos das minorias Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 09/10/2017 07:46 Atualizado em:

A opinião pública mundial acompanha perplexa o impasse da independência da Catalunha. Diante do plebiscito realizado em 1º de outubro, o presidente do Governo Catalão (Generalitat), Carlos Puigdemont, continua declarando que a lei catalã sobre o plebiscito impõe a declaração de independência. Mariano Rajoy, o primeiro-ministro espanhol, declara ao El País (6-10-17) que não hesitará em aplicar o art. 155 da Constituição Espanhola. O preceito autoriza ao Governo Central a assunção das funções da Generalitat e do Parlamento Catalão mediante aprovação do Senado.

Depois do plebiscito, grandes empresas já anunciaram a retirada de suas sedes para outras cidades. Como CaixaBanco, Sabadely, Gas Natural e Agbar, Receosas de que o território catalão poderia ficar de fora da União Europeia, do Euro e de grandes acordos comerciais. Temerosas de tanta incerteza jurídica. Grave para ambos os lados porque hoje a Catalunha é a região mais desenvolvida da Espanha, com 16% da população espanhola e 20% de seu PIB.

Reconheça-se que o movimento autonomista tornou-se muito forte. A violência policial do Governo Rajoy aumentou sua distância para setores que não querem a secessão. Como foi o caso de Ada Colau, prefeita esquerdista de Barcelona, que apoiou a greve geral do dia 3 de outubro contra a violência policial apesar de ser não-secessionista. Ontem, a chamada maioria silenciosa começou a se expressar nas ruas da Catalunha, sob lemas como No, no se gana, Cataluña es España! ou Recuperar el seny (juízo). Durante a semana, muitas pessoas afirmaram estar preocupadas com a radicalização e com as consequências de uma Catalunha apartada da Espanha. Salientaram que os 42% votantes no plebiscito não poderiam impor suas vontades aos que desejam seguir sendo catalães e espanhóis. Até os dirigentes do Barcelona afirmaram que gostariam de seguir participando da Liga Espanhola.

É forte a avaliação de que o maior erro de Rajoy foi querer impor uma solução judicial a um problema que é político, como apontou o The Guardian (27/9/17). Tanta radicalização instiga o debate sobre o equilíbrio entre as maiorias e as minorias. Democracia é, sim, a deliberação pelo critério majoritário. Mas se a maioria o exerce de modo impositivo e unilateral, criam-se ressentimentos que deslegitimam o processo democrático na primeira esquina. Por isso, a democracia deve também respeitar a existência e os interesses das minorias. Deve preservar direitos humanos básicos que historicamente se foram construindo. Mesmo que se considere a relação dialética entre direitos naturais (princípios e valores que decorreriam de Deus, da razão ou da natureza humana) e direitos positivos (estabelecidos por um dado ordenamento jurídico estatal). As leis estatais devem considerar os princípios e valores aceitos em dado momento histórico. Ou direitos naturais, como querem os jusnaturalistas.  É o que propõem juristas como Rudolf Stammler (com sua teoria do direito natural de conteúdo variável) e Ronald Dworkin (com seu ‘pós-positivismo’ que divide as normas jurídicas entre princípios e regras e enfatiza os primeiros). Por isso, as constituições e as leis atuais devem ser criadas por um processo democrático que reconheça o núcleo básico de direitos das minorias.

No caso da Espanha, mas também em outros lugares, minorias desconsideradas inclinam-se ao fundamentalismo e ao populismo. Sejam eles nacionalistas, de mercado, religiosos, ou ideológicos. Qualquer fundamentalismo exaspera a intolerância. E asfixia os diferentes. Por isso, o compromisso mínimo da democracia é com o respeito a procedimentos aplicáveis a todos. Maiorias ou minorias. E também com a preservação de um núcleo básico de direitos para todos, ainda que de conteúdo historicamente variável. Ao não contemplar mais seriamente algumas aspirações do povo catalão, o Governo de Mariano Rajoy não percebeu que a autonomia teria que ser renegociada de modo a contemplá-las. Fica a sensação de que agora pode ser tarde.


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL