C6 FEST

Duo Daniel Santiago & Pedro Martins explora força dos sentidos no jazz

Já com longa estrada na música e promessa de figurar entre os nomes mais importantes do jazz no Brasil, integrante da dupla revela suas influências estilísticas e debate estado atual do gênero

Publicado em: 19/05/2024 21:59 | Atualizado em: 19/05/2024 22:17

 (Daniel Santiago (esquerda) e Pedro Martins (direita). Foto: Divulgação)
Daniel Santiago (esquerda) e Pedro Martins (direita). Foto: Divulgação

Influências do rock americano das décadas de 1970 e 1980, referências performáticas da bossa nova e anos dedicados à depuração de distintas atmosferas sonoras através das cordas dedilhadas ficam evidentes na obra e apresentação no duo brasiliense Daniel Santiago e Pedro Martins, que abriu a segunda edição do C6 Fest no último fim de semana, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, e que chega ao fim neste domingo.

 

O festival, realizado em uma parceria entre o C6 Bank e a Dueto Produções, busca tanto trazer nomes consagrados do jazz, soul, pop, eletrônico e world music, passando também pela MPB, como dar visibilidade a nomes emergentes desses estilos. A dupla de violão e guitarra, no entanto, representou simultaneamente a vertente experiente do lineup e a promessa de maior difusão pelo Brasil.

 

Daniel, hoje com 44 anos, começou a estudar música ainda durante a década de 1980 e, nos anos 1990, iniciou sua vida profissional com banda de metal e, através de uma grande amizade construída com o músico Hamilton de Holanda, passou a viajar pelo mundo, chegando a gravar 10 discos e se tornando cada vez mais conhecido na cena musical de Brasília. Essa notoriedade crescente durante os anos 2000 levou Daniel a conhecer o jovem Pedro Martins, então com 13 anos (hoje com 31), que acompanhava o seu trabalho ao lado de Hamilton e que já tinha um background musical forte por influência da família, além de um talento nato de multi-instrumentista.

 

Pedro manifestou seu interesse em compartilhar seu trabalho através da antiga rede social Myspace e o restante é história: ao longo dos anos seguintes, o jovem e Daniel ficaram cada vez mais amigos e parceiros de composição e projetos. Em 2015, Pedro venceu o primeiro prêmio Jazz de Montreux e, na ocasião, se aproximou também do renomado guitarrista de jazz Kurt Rusenwinkel, de quem viria a se tornar colaborador.

 

Foi em 2016, com o lançamento do álbum instrumental autoral ‘Simbiose’, que o duo Daniel Santiago e Pedro Martins foi de fato lançado e, desde então, os dois lançaram também, em 2023, o disco ‘Movement’. Eles se tornaram os únicos brasileiros até hoje com participação em em duas edições do Crossroads Guitar Festival (em 2019 e 2023), evento organizado pelo guitarrista Eric Clapton e que reúne os principais nomes do instrumento.

 

O Viver conversou com Daniel sobre essa trajetória e sobre os interesses e influências estilísticas que permeiam o seu trabalho com Pedro, destacando o foco na construção atmosférica do som. 

“A gente tem uma relação muito afetiva com a música, principalmente no sentido de buscar qual a sensação que o nosso trabalho traz para as pessoas, em que atmosfera aquela música as coloca. Buscamos muito essa sensorialidade do som e os sentimentos genuínos a que ele é capaz de nos levar. E acho que tem relação com isso o fato de que escutamos de tudo, apesar de termos nosso próprio estilo, e isso nos dá uma abertura muito grande para as possibilidades musicais do que estamos compondo. Não racionalizamos tanto as nossas influências, mas tentamos seguir o que mais nos toca”, falou Daniel.

 

Com uma apresentação intimista que joga numa chave de comunicação e proximidade com a plateia, a dupla bebe na fonte de ícones da música brasileira, sobretudo Clube da Esquina, e tem um tom e formato que remete à boça nova enquanto mantém seu pé nas influências internacionais do jazz clássico e do rock. Daniel contou um pouco também sobre essa confluência de estilos.

 

“Eu acho curioso essa coisa da percepção da bossa nova no nosso trabalho porque, apesar de grandes compositores inspirarem nosso trabalho, é uma parte menor da nossa formação quando comparado ao rock antigo e ao melhor momento do jazz, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980. A gente cresceu com Genesis, Led Zeppelin, Black Sabbath, e tantos outros. Mas entre os nacionais, sem dúvida Clube da Esquina é o que mais nos influencia”, afirmou.

 

Comentando sobre o estado atual do jazz no cenário brasileiro e no mundo, Daniel fez uma distinção importante que ajuda a compreender o espírito de constante renovação, reinvenção e inquietação que permeia o gênero – e ainda sobre o impacto do C6 Fest na fomentação de nomes do mesmo.

 

“Eu diria que o jazz é muito mais um ‘aproach’ (uma “abordagem”) do que propriamente um estilo musical. Ele não é uma matriz, como o blues, por exemplo. Os grandes standard de jazz eram as músicas americanas antigas, depois passou a ser o rock e o blues. Assim como pode ser de samba também. Ou seja, ele se alimenta do que estiver em alta na música. Esses todos – rock, blues, samba – são estilos que dificilmente vão se reinventar da mesma forma que ele justamente porque ele tem essa capacidade de se utilizar dessas fontes e se atualizar, atraindo cada vez mais novas gerações. Por isto que o C6 é tão importante: são cada vez mais músicos com diferentes abordagens e poucos espaços para que tenhamos a liberdade de explorar todas essas possibilidades. E aqui foi uma delas”, ressaltou o artista, que celebrou ainda um momento especial de bastidor: “Quando saímos do palco, o Charles Lloyd, que se apresentou logo em seguida, pediu que a gente fosse com ele até o camarim para tirar uma foto e pegar os nossos contatos. Foi um momento especial demais que o festival proporcionou”.

 

Daniel finalizou a conversa destacando o que mais interessa a ele e a Pedro com relação ao feedback da plateia e o que norteia os próximos passos do duo. “A gente se importa muito em se comunicar, em ouvir de pessoas que não necessariamente tem intimidade com o jazz – ou mesmo com a música – que elas foram tocadas pelo nosso som. Muito mais importante do que receber um elogio de que nosso trabalho é ‘virtuoso’, por exemplo’, é ouvir de forma genuína e simples que a nossa música é ‘bonita’. Isso vale mais do que tudo”, completou o músico.

 

O FESTIVAL 

O C6 Fest, que começou na sexta-feira com quatro apresentações de jazz (leia: https://www.diariodepernambuco.com.br/ultimas/2024/05/qual-o-futuro-do-jazz-no-brasil-e-no-mundo.html) no Auditório Ibirapuera, encerrou neste domingo (19), com shows de Paris Texas, Preta Gil, Liniker, Luccas Carlos, Negra Li, Young Fathers e Daniel Cesar, que se apresentaram no palco principal do evento, na Arena Heineken. Na Tenda Metlife, se apresentaram Jair Neves, Squid, Noah Cyrus, Cat Power (em show especial cantando Bob Dylan) e Pavement, além de DJ Meme e David Morales no palco Pacubra.

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