Opinião Luzilá Gonçalves Ferreira: Cajus I: poesia, nostalgia, economia Luzilá Gonçalves Ferreira é doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 17/10/2017 07:23 Atualizado em:

Pela Internet, a publicidade inesperada: empresa europeia de cosméticos acaba de lançar toda uma linha de produtos de beleza, à base de... cajus. Creme facial (firmeza e anti-rugas), esfoliante ( sua pele renovada), sabonete (deixa seu corpo perfumado) e me pergunto se as abelhas nos seguirão. E óleo para após o banho (seu corpo hidratado). Surpresa mesmo, minha mãe diria “o que esse povo não inventa!”. Esse povo: pesquisadores em modernos laboratórios, donos de indústrias, em busca de inovações, e mais lucros, comerciantes. Pra falar a verdade, a novidade não me tenta, mas imagino que a invenção fará algum bem, no mínimo na restauração de cajueirais (a palavra existe sim: minha querida Nelly especialista em neologismos pode nos assegurar, e procurei me informar, está no Aurélio), em razão do que se sabe, loteamentos desenfreados, ocupação de terrenos de praia, (antes de tudo, deixar o lote limpo, pronto para a construção, como se fazia nos primeiros tempos de nossa colonização (?) etc, etc. Cajueirais que estão desaparecendo. E disso dou testemunho: todo sábado, e quase o ano inteiro, na feirinha de orgânicos na Praça de Casa Forte, ao lado do tabuleiro de cajus, enormes, vermelhos, deliciosos, o vendedor me informa: vêm do Piauí, quase não existem mais em Pernambuco. Mesmo assim, os cajus tornam presente o perfume antigo de infância, e os buquês de cajus presos pelas castanhas ou em duas cestas atadas numa vara, cores variadas. E havia um tempo de caju, na chegada do verão, nos outros meses o vendedor só anunciava manga rosa ou espada, macaxeira rainha, cozinha nágua fria, ou chora menino pra comprar pitomba. Não chorávamos, mas com uma faca, a gente tirava do porquinho de barro, “meaieiro” se dizia, os centavos (?) que compravam os cachos esverdeados. O caju tinha um fundo rançoso, tanino nos explicaram mais tarde, e era pura delícia, bom pra resfriado, doença de pulmão. No Grupo Escolar Clovis Bevilaqua a gente decorava Juvenal Galeno: Cajueiro pequenino, carregadinho de flor! Mais tarde, estudamos o que de estranho havia na fruta: o que comemos não é fruto, mas “excrescência”. A fruta é a castanha que aliás não é fruta, mas caroço. Depois descobrimos: um pintor holandês se impressionara por sua beleza, e que servira de remédio aos soldados vítimas de escorbuto. Mas os poetas foram além. Fizeram dele objeto de amor, desde o caráter digamos nacionalista de nossos vates setecentistas, até Natividade Saldanha, e os contemporâneos Joaquim Cardozo, Mauro Mota, Marcus Accioly, Celina, cantando a delicadeza, a singeleza das minúsculas flores e a beleza da fruta. Mas disso falaremos na próxima semana.
 


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