Opinião Clóvis Cavalcanti: Agravamento da crise ambiental "Quem mora em cidade, habitando apartamento nas alturas dos grandes edifícios, não consegue enxergar com agudeza os problemas de que o planeta está sofrendo"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 01/09/2016 07:10 Atualizado em:

Por Clóvis Cavalcanti
Presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE)

Como pesquisador da interface entre natureza e sociedade e proprietário rural, praticante da agricultura orgânica há 40 anos, sou obrigado a conviver com detalhes – cada vez mais assustadores – da crise ambiental contemporânea. Quem mora em cidade, habitando apartamento nas alturas dos grandes edifícios, não consegue enxergar com agudeza os problemas de que o planeta está sofrendo, com repercussões dolorosas sobre as pessoas que têm sua sobrevivência ligada ao que a natureza lhes propicia. Por exemplo, a questão da água. Desde que ela esteja disponível nas torneiras com mínima regularidade, ninguém reclama. 

O que não é o caso, aliás, da população da cidade de Gravatá, por exemplo, cujo abastecimento hídrico constitui motivo de grande sofrimento. Na minha propriedade, em brejo de altitude, a abundância de água é inquestionável. No entanto, depois de quatro décadas, percebo hoje como os mananciais (tenho várias nascentes nas minhas terras) estão perdendo potência. Água não falta, graças a Deus – e da melhor qualidade. Porém, sua oferta tem decrescido. No mês de agosto de agora, foram raras as chuvas. Chuva boa, nem pensar. Enquanto isso, o sol torra a cabeça das pessoas, e o solo, as plantas, os bichos. Ao mesmo tempo, ocorrem dilúvios em alguns lugares, como em Baton Rouge, nos EUA, onde, em 39 horas, desabou uma torrente que nunca tinha sido vista lá, conforme relato da Scientific American, importante publicação de divulgação científica americana.

Recentemente, na 5ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, foi exibido em São Paulo o filme Para onde foram as andorinhas, produzido pelo Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e o Instituto Catitu. O filme mostra como os povos que habitam o Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, estão percebendo e sentindo em seu dia-a-dia os impactos das mudanças do clima na região. Seja em sua base alimentar, em seus sistemas de orientação no tempo, em sua cultura material e em seus rituais, os índios revelam-se extremamente preocupados – coisa que a película trata com enorme beleza e sensibilidade. Além da perda visível de serviços e bens com que sempre contaram em seus ecossistemas, os indígenas têm medo do mundo que vão legar para os filhos. São 16 povos diferentes – 6.500 pessoas –, que, com seu tradicional sistema de manejo do território, garantem a preservação das florestas. 

No entorno do Parque do Xingu, porém, a realidade é outra. Uma fração de 86% das matas foi convertida em soja, milho e pasto nos últimos 30 anos: devastação ambiental com consequências no clima, nos animais, na agricultura, no bem-estar humano dos povos locais. As cigarras não cantam mais anunciando que a chuva está por vir. Também desapareceram as andorinhas que voavam em bandos para anunciar o início das chuvas. As borboletas, que visitavam as aldeias avisando que o rio ia começar a secar, sumiram. O aumento do calor, a falta de chuvas, o desmatamento no entorno do Parque, a construção de barragens são apontados como causas das mudanças. O fogo, antes restrito à roça, hoje, se alastra com muita facilidade, atingindo grandes áreas do Parque, exigindo que os índios se mobilizem e adotem novas técnicas e equipamentos para controlar o fogo. O calor intenso também está matando as frutas e alimentos que fazem parte da culinária dos índios, caso de algumas espécies de mandioca e batata. Até os pés de pequi, fonte de alimento e fundamental no ritual da furação de orelhas dos Waurá, estão sendo atacados por pragas antes desconhecidas. Isso é só um cisco na montanha de problemas socioambientais que vão nos afligindo, e que se agravam cada vez mais. Quem está consciente da tragédia?


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