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Entrevista

'A primeira lição será tentar aprovar as reformas', diz economista

André Magalhães fala sobre os desafios do governo Bolsonaro e do segundo mandato de Paulo de Câmara

Publicado em: 30/12/2018 08:00 | Atualizado em: 28/12/2018 17:02

O ano de 2019 começa com a posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. A partir desta semana, a missão do presidente eleito é fazer com que a economia retome o rumo de crescimento, mesmo com deficit orçamentário limitando o gasto público e as incertezas deixando o privado em modo espera. Algumas pautas discutidas, como a Reforma da Previdência é tida como prioritária, apesar deimpopular. A grande questão é o modelo a ser adotado e, principalmente, o impacto nos estados e municípios, que vão “aparecer” quebrados logo no início do ano.  Em Pernambuco, o desafio é chegar a um equilíbrio financeiro. No limite prudencial dos gastos com pessoal, o estado busca uma forma de reduzir a fatia destinada à  folha, gerar mais receita e não se endividar ainda mais. Em um bate-papo com o Diario de Pernambuco, o economista e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Magalhães, falou sobre as medidas que devem ser tomadas no curto e longo prazo e as possíveis consequências tanto a nível nacional quanto estadual.

No primeiro ano de governo Bolsonaro, qual precisa ser a primeira lição?
O governo de Bolsonaro chega com um expectativa positiva. Ele foi eleito, um governo popular, que vai iniciar já com força e com uma agenda de direita. Uma novidade no Brasil. Chega também cercado de grandes expectativas. Tem uma proposta de redução do tamanho do estado e de mudanças radicais na economia. Acho que estão tentando fazer agora uma transição suave, trazendo gente da equipe de Temer e que está disposta a ficar, pessoas boas, mas o ‘fazer lição de casa’ vai ser difícil. Vai ser preciso entender como é que a máquina funciona, muita gente nova no governo, o que pode não ser um problema, mas de alguma forma sempre se tem um tempo de ajuste, de aprendizado... então janeiro, fevereiro vai ser muito disso e com uma pauta grande de reformas. Então a primeira lição seria essa, a de mostrar a força, mostrar organização e tentar aprovar reformas, principalmente a reforma da Previdência. Depois vem uma agenda de atração de investimento, que é um desafio para o presidente Bolsonaro. Ele é acostumado a correr solto no Congresso, deputado do baixo clero que dizia o que queria e que não tinha impacto. Agora, ele como presidente, já percebeu que tudo que ele fala tem impacto nacional. E o setor privado é o que sente mais, porque as empresas que exportam é que vão fazer essa pressão mas os governos internacionais dos países também. Então a agenda principal dele é essa, o carro-chefe é a Previdência não pelo efeito de curto prazo nas contas públicas, mas um efeito psicológico de sinalização.

As pautas-bombas bilionárias aprovadas no Congresso podem comprometer os objetivos do futuro governo?
Certamente essas pautas que são chamadas pautas-bombas complicam. Criam gastos adicionais, algumas com total irresponsabilidades, outras foram demandas de alguns governadores ou proteção a setores específicos. Algumas coisas que não estavam por aí, por exemplo, o Supremo, no apagar das luzes, obrigou o Governo Federal a dar aumento aos funcionários públicos que já estavam negociados, mas que poderiam ser adiados e isso vai ter um custo razoável. O desafio é achar onde cortar. É possível que logo no começo do governo algumas medidas mais radicais de corte de gastos saiam, tendo impacto na economia, mas é preciso esperar para ver. O congresso saiu com alguma irresponsabilidade. Outra coisa que pode acontecer também é pressão muito grande dos governadores e prefeitos para mais renda, mais dinheiro já que os os estados estão quebrados. Isso vai ser uma coisa que o governo vai ter que enfrentar. Não é uma pauta-bomba por si, a princípio, mas vai ser uma pressão muito grande. Negar vai ser talvez fácil no começo, mas a pressão deve aumentar ao longo dos anos. 

2019 pode ser um ano de reformas econômicas?
Deve ser um ano de negociação de reformas, talvez algumas não sejam aprovadas, até por uma questão de rito mesmo no processo. Isso vai ser complicado. O governo talvez tente fazer uma reforma da Previdência rapidamente e outras coisas também estão colocadas, como a questão tributária. São uma série de medidas que vão ser colocadas para o Congresso e precisarão ser discutidas. O governo, que também quer privatizar, vai precisar de apoio. Esse vai ser um desafio. Então, o governo tem um prato cheio aí para tratar e tem que correr com a reforma, principalmente a reforma da previdência. Qualquer coisa que saia, pode ser positiva. Se não sair nada, vai ser muito ruim. Então, talvez tenha que se contentar com a reforma possível e não a ideal. É certamente um ano de sinalizações e sinalização vai passar por fazer uma reforma.

O modelo de privatizações é positivo para o Brasil?
O estado brasileiro tem coisas demais. Empresas demais. É muito maior do que precisaria ser em várias áreas e menor em outras. É essencial manter a questão da educação em todos os níveis, principalmente, melhorar a educação fundamental e ensino médio. Saúde e Segurança são áreas importantes, que o estado está presente. Ele pode estar presente em outras áreas também como acontece no Brasil, mas não tem muito sentido a gente ter tantas empresas. Então, a agenda de privatização é uma agenda boa, principalmente no momento que você pode vender empresas para que o país tenha um desempenho melhor. Eu sei que é uma agenda difícil, muita gente acha que o Brasil tem que ter empresa “X” ou “Y” para questão de Defesa Nacional, mas eu sempre lembro da época da privatização da telefonia. Ninguém que conhecia o período da Telpe em Pernambuco tem saudade daquela época. Uma época onde o telefone era comprado, a pessoa se tornava sócio da empresa, se entregava quando queria, demorava 5, 6 anos para ter uma linha telefônica, tinha um ponto na casa que vivia quebrando e, ao mesmo tempo, por ser uma empresa estatal, tinha muita corrupção. A gente melhorou rapidamente. Hoje em dia qualquer pessoa tem telefone no Brasil Então, privatização pode ser importante. Sendo bem estruturado e bem regulado é uma coisa importante. E aí o estado vai focar onde tem que focar. A gente pensa muito que empresa estatal vai dar dinheiro para o estado, mas na verdade muitas empresas estatais dão é prejuízo. Pior de tudo: elas acabam celeiros de partidos políticos. Então a gente vai discutir o papel das instituições e ver o que tem que ser feito, ou elas vão acabar perdendo a função.

Pernambuco, aliás, também luta para sair da crise. Por aqui, quais os desafios?
Vários estados, inclusive Pernambuco, estão em situação muito difícil. Pernambuco estava na lista, até recentemente, dos cinco estados brasileiros que não estava conseguindo pagar o 13º. Então, a situação não é fácil. E, mais uma vez, é a questão de ajuste fiscal. A gente tem uma folha alta, a receita caiu, a economia vinha num crescimento muito forte no começo do século no Brasil todo, mas o estado foi muito beneficiado até mesmo pelo governo Lula, com a Refinaria, o estaleiro e outras ações que acabaram dando no que deu… O Estaleiro tá fechando, a Refinaria tá mal das pernas... Então, tem muitos desafios por aqui, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e aí o governador vai ter que mostrar muita habilidade para controlar as despesas e arranjar receita. Esse é o grande desafio: como manter a máquina funcionando na situação de restrição, sem criar o caos? Outro grande desafio do governo vai ser saudar a conta do resto a pagar. O governo tem oficialmente registrado serviços que foram prestados, mas que não têm nem reconhecimento de dívida ainda. Então o governo tem muito restos a pagar, tem uma folha alta, tem uma previdência com desequilíbrio e tudo isso vai ser administrado com pouco dinheiro. O desafio vai ser muito maior. Vai ter que correr atrás de novas receitas e vai ter que ter fórmula para pensar na solução para ajustar as contas. Se bem que o estado de Pernambuco, apesar da crise, a arrecadação de ICMS aumentou. Ou seja, o estado tem feito um esforço gigantesco para tirar dinheiro da sociedade para garantir a sua receita. Isso acaba sufocando um pouco as empresas, mas é papel do estado arrecadar e gastar com a sociedade.

Em cenário de crise, as empresas buscam meios de se reinventar. Inovação é a saída?
Inovação é sempre importante, sempre. É a tendência, as coisas vão mudando e quem não consegue se restruturar, mudar, acaba se perdendo no caminho. Nem sempre foi inovação, realmente, mas a perspectiva de perda de emprego por parte dos trabalhadores e a necessidade de cortar gastos das empresas fez com que você perdesse muita gente e as pessoas que ficaram foram aumentando carga de trabalho e aumentando eficiência, aprendendo a fazer uso de novas ferramentas, tentando melhorar pequenas tarefas, de fazer pequenas tarefas de forma mais eficiente, mudando um pouco o formato de fazer as pequenas coisas e que ajudaram bastante. E é bem verdade que a gente teve um aumento de eficiência sim nesses últimos anos. Inclusive um aumento da eficiência e sem repasse para o salário, porque na verdade o empresário ele perdeu o núcleo também, na verdade ele não ganhou com essa eficiência, o que ele conseguiu foi manter a empresa funcionando. E aí você tem os preços estáveis, menos gente nas empresas trabalhando e é um aumento da eficiência que permite que a empresa continue funcionando, e não teve muita pressão sobre salário porque o mercado trabalho não está fácil para ninguém. As empresas continuam a trabalhar e os funcionários estão assumindo a carga. O que vai acontecer é que isso vai diminuir o número de vagas para que a economia um dia possa crescer. Mas se a economia voltar a crescer mesmo, as vagas vão surgir novamente e aí surgem novamente num contexto um pouco diferente, com mais eficiência, mais controle de processos. É importante dizer que a inovação, aumento de produtividade, só faz sentido se ela for repassada para o lucro e para os trabalhadores. Caso contrário, se for só pra acumular lucro, desanda.
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