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Estudo

Pesquisa mostra o poder de persuasão das expressões faciais

Além de revelar sentimentos, expressões faciais podem ser usadas como ferramenta de influência social

Publicado em: 24/04/2018 14:52 | Atualizado em: 24/04/2018 14:55

Foto: Universidade de Ohio/Pnas

A reação a uma briga ou a uma promoção no trabalho aparece no rosto. De forma involuntária, por expressões faciais. Mas, segundo Alan J. Fridlund e Carlos Crivelli, nem sempre as feições humanas são genuínas e identificadas por pessoas de qualquer canto do mundo, como pregam as teorias clássicas. Os cientistas defendem que elas derivam principalmente de intenções — não de sentimentos —, o que dá um caráter instrumental àquelas sobrancelhas franzidas de raiva.

“A visão tradicional de nossas expressões faciais é que elas são sobre nós, revelam nossos sentimentos e emoções. Nossas faces não são sobre nós, mas sobre como queremos interagir socialmente. Por exemplo, o rosto de choro é geralmente considerado uma expressão de tristeza, mas o usamos para solicitar socorro, quer isso signifique tranquilidade, palavras de conforto ou apenas um abraço”, detalha ao Correio Fridlund, professor associado do Departamento de Psicologia e Ciências do Cérebro da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos

Um estudo divulgado, neste mês, na revista Trends in Cognitive Sciences, aprofunda a ideia da dupla. Por meio de diversas análises em grupos de indivíduos distintos, eles mostraram que o rosto humano pode ser uma arma de persuasão bastante poderosa. Crivelli, pesquisador da Universidade De Monfort em Leicester, na Inglaterra, foi a uma ilha isolada de Papua Nova Guiné chamada Trobriand para conduzir o experimento.

O professor britânico teve que aprender a língua e os costumes locais antes de descobrir como as pessoas usavam as expressões faciais no cotidiano. Identificou, por exemplo, que os tribais recorriam às feições de forma diferente do convencional. “Em particular, ele descobriu que o rosto de medo universal era usado pelos trobriandeses como uma face agressiva, que prenuncia a disposição para um confronto”, conta Fridlund, principal autor do artigo.

De acordo com o cientista, nos últimos anos, os biólogos reexaminaram como animais interagem e passaram a vê-los como comunicadores e negociadores sofisticados. Com os homens, não é diferente. “Não há dúvidas de que o que fazemos com nossas exibições faciais é diferente do que os não humanos, mas nossas exibições funcionam de muitas maneiras. Elas agem como ferramentas sociais na negociação comportamental”, explica. “O que impediu o homem de ver seu rosto da mesma forma foi a sabedoria recebida do tempo de Platão, Aristóteles e Descartes, que argumentavam que as expressões faciais eram erupções de paixões internas.”

Força do contexto

Vladimir Melo, mestre em psicologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), avalia que a pesquisa traz uma forma de entender nuances relacionadas à comunicação verbal mais complexas do que se imaginava. “Ela indica que há a possibilidade de decifrar padrões da comunicação não verbal, desde que bem conhecido o contexto em que ocorre essa comunicação. As expressões faciais podem confirmar ou contradizer a comunicação verbal e, por isso, nos permitem compreender a comunicação como um todo e se ela está sendo conduzida de maneira saudável”, diz.

Para os autores, a descoberta poderá abrir um interesse renovado na diversidade cultural das expressões faciais, que foi encerrado na década de 1960, quando alguns pesquisadores realizaram estudos mostrando que as feições humanas são as mesmas em todos os lugares. “Por não terem cuidado suficiente para aprender as línguas e as tradições de cada cultura, como o Crivelli fez com os trobriandeses, então, era inevitável que quaisquer diferenças fossem encobertas”, justifica Fridlund.

Há também a possibilidade de aplicação das descobertas na vida cotidiana. “Não devemos supor que sabemos o que está acontecendo com uma pessoa quando ela faz uma careta. Nós devemos sempre perguntar: O que você está pensando? O que está acontecendo com você?”, frisa Fridlund. Segundo ele, a área médica também poderá ser beneficiada. “Da mesma forma, os médicos não devem tomar decisões de diagnóstico com base em expressões faciais porque, sem o contexto que explica o rosto, nada pode ser assumido sobre o estado do paciente.”

O psicólogo Vladimir Melo ressalta que a pesquisa ajuda a melhorar a compreensão dos efeitos comportamentais da comunicação, como identificar em quais padrões e em quais circunstâncias as mensagens são trocadas. Informações do tipo são bem-vindas também para as áreas tecnológicas. “A identificação de padrões, como mencionam os autores, pode ser amplamente usada no campo da tecnologia, pois as máquinas serão capazes de ‘ler’ esses padrões e se comunicar melhor com os seres humanos”, ilustra.

O uso desses dados pela inteligência artificial resultará, por exemplo, em avanços em áreas da saúde. “A partir de uma melhor compreensão da comunicação nas relações sociais, a psicologia também poderá desenvolver técnicas e teorias para obter melhores resultados terapêuticos”, acredita Vladimir Melo.
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