Sem medo de envelhece Aceitar e aproveitar cada etapa da vida pode ser a chave para tornar leve e feliz a passagem do tempo

Por: Flávia Duarte - Correio Braziliense

Publicado em: 03/03/2015 09:40 Atualizado em:

“Quando sua juventude se esvair, sua beleza irá com ela e você subitamente descobrirá que não há muitos triunfos que lhe restarão ou terá de se contentar com aqueles medíocres triunfos que a memória de seu passado tornará mais amargo do que as derrotas. Cada mês que míngua lhe trará mais próximo de algo terrível. O tempo tem ciúmes de você e luta contra seus lírios e suas rosas. Você sofrerá horrivelmente. Compreenda sua juventude enquanto a tem. (…) Mas nós nunca recuperamos nossa juventude. O pulso da alegria que reverbera em nós aos 20 anos se torna letárgico. Nossos membros falham, nossos sentidos apodrecem. Degeneramo-nos em marionetes horrendas, assombradas pela memória das paixões das quais tivemos tanto medo e as intensas tentações às quais não ousamos ceder. Juventude! Juventude! Não há absolutamente nada no mundo além da juventude!”

"Muitos idosos que sentem a gerontofobia têm medo da discriminação e, por isso, não aceitam que estão envelhecendo. A sociedade usa ‘velho’ no sentido pejorativo, como se ele estivesse tirando o lugar do mais novo. São medos que se alimentam” - Alexandre Kalache, presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade (ILC)

O trecho reproduzido no início desta reportagem pode até ser digno de apreciação como parte de uma grande obra literária, mas interpretar seu significado e adotá-lo como verdade pode parecer um tanto aterrorizador. Trata-se de um parágrafo do livro O retrato de Dorian Gray, escrito em 1891, pelo poeta inglês Oscar Wilde. Em sua obra-prima, ele conta a história de um belo jovem que temia de forma tão patológica o envelhecimento que encontrou uma forma de fazer com que mudanças em seu físico acontecessem em um quadro, onde estava pintado o seu retrato. A pintura, assim, envelheceria. Já ele, se manteria para sempre jovem.

O medo de ter as feições transformadas pelo tempo pode parecer exagerado no relato de Wilde, mas seguramente é motivo de preocupação há incalculáveis anos. Tanto que hoje esse pavor ganhou um nome alcunhado pela psicologia de gerontofobia. Na tradução acadêmica e clínica, nada mais é do que o pavor de envelhecer. A terminologia pode ser novidade, a angústia, porém, não o é. “O conceito é novo, mas o sentimento é tão antigo quanto a história da humanidade”, avisa o médico Alexandre Kalache, presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade (ILC) e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da Organização Mundial da Saúde.

Para Kalache, a sensação de inadequação surge quando a sociedade estigmatiza o velho como incapaz e inadequado. A partir de uma visão equivocada, surgem o preconceito e o temor de ser vítima da reprovação. “Muitos idosos que sentem a gerontofobia têm medo da discriminação e, por isso, não aceitam que estão envelhecendo. A sociedade usa ‘velho’ no sentido pejorativo, como se ele estivesse tirando o lugar do mais novo. São medos que se alimentam”, afirma o especialista.

A fobia, no entanto, não é resultado apenas do olhar temeroso do outro. É também insatisfação com o que se vê diante do espelho. Para a psicoterapeuta Maura de Albanesi, a gerontofobia pode ser considerada um distúrbio de ansiedade e com chance de surgir em qualquer idade, desde que o sinônimo de felicidade seja a beleza e a juventude, não importa quanto anos se tenha. “São pessoas que não conseguem imaginar a vida depois dos 50 anos”, considera a terapeuta. “Ela pode entrar em melancolia ou em depressão. O futuro passa a ser algo aterrador”, acrescenta.

Há outros substantivos para nomear o mesmo estado de ânimo. O gerontólogo Vicente Alves, coordenador do mestrado de gerontologia da Universidade Católica de

Brasília, chama de idosismo o conceito que surge a partir do preconceito e da discriminação. Para ele, esse temor surge com as incertezas trazidas pelo passar do tempo e pelas limitações decorrentes do uso da máquina chamada corpo humano. “Envelhecer provoca nas pessoas um temor de se reconhecerem no velho; de estarem no lugar dele daqui a uns anos; de não serem estimados pelos parentes ou pela sociedade; de não serem mais produtivo”, avalia o professor.

Se os mais jovens ainda encaram os idosos com desprezo, inclusive porque eles são o reflexo mais real do que serão com o passar dos anos, Kalache sugere que é preciso uma mudança imediata de mentalidade. De ambas as partes, ressalta. Os que viveram muito também precisam reconhecer o valor da experiência e o privilégio de ainda usufruírem da vida. O resultado seria o que chama de “geratividade”, que, na prática, é a frutífera e prazerosa troca de conhecimentos e experiências de gerações diferentes.

Aceitar os idosos é uma demanda ainda mais imediata porque a expectativa é de que o Brasil se torne um país ancião muito em breve. “Você olha para a expectativa de vida do brasileiro na década de 1940 e conclui que pulou de 43 para 76 anos. São 33 anos a mais de vida e não de velhice”, afirma Kalache. “Em 2050, passaremos a ter 30% da população com mais de 60 anos. Na década de 1940, esse número era de 5%. Isso abre oportunidades para as pessoas viverem mais de 70, 80 anos”, acrescenta.

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