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Tragédia em Minas Lama de mineração acelera degradação do já poluído Rio Doce Rio Doce, que já sofria a pior crise da história com a escassez de água associada à degradação, agora enfrenta a mancha de rejeitos liberada pelo desastre da Samarco

Por: Estado de Minas

Publicado em: 10/11/2015 08:36 Atualizado em: 10/11/2015 09:50

Após o rompimento da barragem em Mariana, lama chegou ao Rio Doce. (Foto: Elvira Nascimento/Divulgação)
Após o rompimento da barragem em Mariana, lama chegou ao Rio Doce. (Foto: Elvira Nascimento/Divulgação)

Um manancial que já é um dos mais degradados de Minas, sofrendo com a estiagem e a superexploração, agora é assolado por milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, entulho, galhos, sujeira, animais e peixes mortos. Essa é a dupla agonia enfrentada pelo Rio Doce, historicamente pressionado por esgoto, assoreamento e desmatamento que passa a enfrentar a onda de lama liberada pelo rompimento de barragens da Samarco em Mariana. O rio sofre o impacto desde o início do seu curso, na Zona da Mata, até o Espírito Santo, onde a cheia liberada pelo desastre deve chegar hoje.
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Especialistas acreditam que o novo episódio de degradação, que culminou com a suspensão da captação de água para abastecimento humano em pelo menos cinco cidades mineiras e causou grande mortandade de peixes, é o golpe de misericórdia no curso d'água que já não tinha forças para chegar à foz por seu caminho mais tradicional, conforme mostrou o Estado de Minas na série de reportagens “Amarga agonia”, publicada em julho.

A habitual cor do rio deu lugar a tons de marrom e vermelho-escuro, de aspecto denso, por causa do minério. O cheiro forte do barro com reagentes químicos piorou nos últimos dias, devido aos animais mortos, como cavalos e capivaras, que não conseguiram escapar da força da avalanche e agora se misturam ao rastro de destruição nas margens. “A lama que chegou ao Leste de Minas é o golpe de misericórdia no Rio Doce, que este ano atingiu seu nível mais baixo”, reagiu, com indignação, o professor de agroecologia e botânica Reinaldo Duque-Brasil, do câmpus avançado de Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Para ele, mestre em ecologia e doutor em botânica, são devastadores os efeitos do rompimento das duas barragens da Samarco. “Vivemos um clima de apreensão, principalmente com a interrupção no fornecimento de água em Valadares. Ficamos só com o que tem na caixa-d'água”, disse.

Ontem à tarde, a Prefeitura de Governador Valadares interrompeu completamente o funcionamento das bombas de captação no Rio Doce, que abastecem 280 mil pessoas. A prefeita Elisa Maria Costa (PT) solicitou da Samarco, responsável pelo desastre, 80 caminhões-pipa para suprir a demanda por 800 mil litros de água por dia, exclusivamente para locais prioritários, como creches, escolas, postos de saúde e hospitais. "Até o fim da tarde de amanhã (hoje) não teremos mais nenhuma água armazenada, e o sistema vai entrar em colapso", alertou a prefeita. Para evitar que os moradores fiquem sem amparo, Elisa Costa disse solicitou da mineradora 80 mil litros de diesel, R$ 70 mil para serem usados na comunicação via rádios e televisões, 100 agentes de endemias, 50 reservatórios de 30 mil litros, um barco a motor e um veículo de tração 4x4 para transporte de integrantes da Defesa Civil. A empresa não havia se manifestado sobre nenhuma das demandas até o fechamento desta edição.

O prefeito de Periquito, Geraldo Godoy (PMDB), chama a atenção para o desabastecimento que enfrentam os cerca de 7 mil moradores. A Copasa precisou interromper a captação no Rio Doce para atender ao distrito de Pedra Corrida e foi impedida de usar o manancial para suprir a seca do Rio Periquito, que normalmente abastece o restante do município. "Desde ontem (domingo) a população está sentindo falta de água. Tivemos que fechar a prefeitura hoje (ontem) antes do fim do expediente, porque não tinha água", conta Godoy.

Em Naque, a onda de lama amontoou peixes mortos na beira do Rio Doce e também causou a suspensão da captação. A Copasa precisou interromper o sistema mesmo se abastecendo do Rio Santo Antônio, já que a mancha de lama invadiu o afluente. Em Resplendor e Tumiritinga, a companhia de saneamento também teve que desligar as bombas para não distribuir água sem condições de tratamento.

Na avaliação do professor Duque-Brasil, a biodiversidade foi arrasada no Vale do Rio Doce. “O dano ambiental é irremediável, pois tudo o que respira no ecossistema está morrendo: peixes, tartarugas, pequenos mamíferos e aves. Houve interrupção na cadeia alimentar”, diz. Para as matas ciliares, as consequências foram igualmente nocivas. Com a lama de mineração, o assoreamento do Rio Doce vai aumentar. “É engano dizer que esta lama não é tóxica. São resíduos do minério que estão lá e vão formar uma camada, em todo o curso, liberando, aos poucos, substâncias tóxicas. Este ano o rio não conseguiu chegar ao mar, no Espírito Santo. Imagine uma situação dessas em um rio que recebe uma carga desse tipo, de repente”, afirmou.

Setor produtivo
Os problemas para os ribeirinhos não foram menores. Ao longo do curso d'água, diz o biólogo, há muitas comunidades que vivem da agricultura e que precisam do rio para produzir. Além disso, há comunidades indígenas, como o povo krenak. “A situação é muito triste para quem precisa da irrigação. Nesse tempo seco, sem poder usar a água do rio, tudo fica inviável”, diz o agroecólogo Filipe Fernandes de Souza. Atuando no Centro Agroecológico Tamanduá, organização não-governamental que dá assessoria a 20 municípios no entorno de Valadares, Filipe diz que a lama quebrou a cadeia de produção. “Tememos a contaminação do solo por metais pesados”, afirma.

Espírito Santo
Enquanto a mancha de lama varre o curso do Rio Doce ainda em Minas Gerais, autoridades capixabas tomam providências para tentar minimizar os impactos da passagem dos resíduos por cidades como Baixo Guandu, Colatina e Linhares. A Defesa Civil do estado vizinho já removeu comunidades ribeirinhas das margens do rio em Colatina. Ontem, a Prefeitura de Linhares começou a abrir passagem para a carga extra na foz, no distrito de Regência Augusta. Máquinas trabalharam para remover o banco de areia que vinha impedindo o rio de chegar ao mar por seu principal caminho, como mostrou em julho o Estado de Minas.


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