Lô Borges concedeu uma de suas últimas entrevistas à imprensa ao Diario de Pernambuco
Um dos fundadores do icônico Clube da Esquina, Lô Borges conversou com o Diario de Pernambuco três dias antes de ser internado em Belo Horizonte; cantor e compositor se preparava para se apresentar no Teatro Guararapes ao lado de Zeca Baleiro
Publicado: 04/11/2025 às 11:58
Lô Borges teve a sua morte confirmada nesta segunda-feira (3) (Foto: Divulgação/João DIniz)
"Até mês que vem. Dia 15 estaremos aí". Com essa despedida, Lô Borges encerrou o que seria uma de suas últimas entrevistas, concedida por telefone ao Diario de Pernambuco em 14 de outubro, sobre o show que faria com Zeca Baleiro, no Teatro Guararapes, baseado no álbum Céu de Giz. A frase, porém, acabou não se concretizando. Inicialmente marcada para o próximo dia 15, a apresentação havia sido adiada para abril do ano que vem em razão da hospitalização de Lô por intoxicação medicamentosa. Nesta segunda-feira, a família do cantor e compositor mineiro confirmou a sua morte, aos 73 anos, por conta de um choque séptico que levou à falência de seus órgãos na noite do último domingo.
Nascido em Belo Horizonte, em 10 de janeiro de 1952, Salomão Borges Filho cresceu em uma família numerosa e musical, cercado por dez irmãos. Porém, ele encontrou seu verdadeiro lar artístico nas rodas de violão no bairro de Santa Tereza, nos anos 1960. 196. Sob o signo dos Beatles, sua banda predileta, aqueles encontros entre amigos evoluíram para a gestação do Clube da Esquina. O movimento, que se tornaria lendário, sintetizou como nenhum outro a música mineira, o rock e toques de psicodelia.
Daquele grupo que se encontrava literalmente na esquina faziam parte, além do próprio Lô, seu irmão Márcio Borges, os letristas Fernando Brant e Ronaldo Bastos, os compositores e cantores Beto Guedes e Flávio Venturini, os instrumentistas Toninho Horta, Wagner Tiso e Novelli, além da voz já aclamada de Milton Nascimento, com quem formou uma das duplas mais influentes de sua geração. A consagração desse coletivo veio com o álbum Clube da Esquina, em 1972. Nele, Lô Borges assegurou seu lugar na história não apenas como compositor, mas também como intérprete, deixando a assinatura vocal em Um Girassol da Cor do Seu Cabelo e O Trem Azul.
Assinada pelo mineiro em colaboração com seu padrinho Milton e toda a turma, a obra foi um divisor de águas que expandiu para sempre as possibilidades da MPB. Prova disso são as homenagens anuais que a obra recebe, como o show tributo apresentado recentemente pelos artistas pernambucanos Amaro Freitas e Zé Manoel. Lô, que foi avisado pelo Viver durante a entrevista no mês passado sobre essa celebração, demonstrou grande satisfação em ver sua criação sendo fonte de inspiração depois de 53 anos. “Isso me deixa sentir que vale a pena continuar fazendo música”, disse ele.
Ao longo de cinco décadas, o músico construiu sua carreira solo, iniciada com o álbum Lô Borges, também conhecido como “Disco do Tênis” pela imagem feita pelo saudoso fotógrafo pernambucano Cafi do seu Adidas branco e gasto na capa. Lançado logo após o Clube da Esquina, foi seguido apenas em 1979 por A Via-Láctea, disco que deu ao mundo pérolas como Clube da Esquina nº 2 e Vento de Maio. Nos últimos anos, dedicou-se a uma série de colaborações, lançando sete álbuns em parceria com nomes como Samuel Rosa e o próprio Zeca Baleiro. “Trabalhar com o Lô é uma alegria juvenil, como se eu tivesse ganhado um presente”, contou Zeca ao Viver, ao falar do disco.
A expectativa para materializar essa alegria no palco era grande. Para o show no Guararapes, além do repertório do novo álbum, a dupla planejava resgatar faixas do Clube da Esquina. “Estava discutindo e estruturando com o Zeca como pode ser esse show. Ele pensa parecido comigo: o público gosta de ouvir o que já conhece, e eu concordo plenamente”, disse. Lô aguardava com animação os ensaios, marcados para o final de outubro.
No entanto, o trem azul partiu cedo demais rumo à sua última estação, sem a despedida que o público pernambucano esperava. Sua admiração pelo estado, no entanto, ecoa como um consolo. “A cultura de Pernambuco está entre as mais ricas do Brasil, na minha opinião”, afirmou Lô, que ainda lembrou com carinho quando convidou Milton para se juntar a ele no palco do Festival No Ar Coquetel Molotov, em 2009. “Cantei a parte maior do show, e ele entrou depois, tocou umas seis músicas, algumas no piano. Foi um momento inesquecível”. Assim, em vez de um adeus, fica a certeza de que sua música permanecerá entre nós.