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ENTREVISTA

Protagonista de "Pssica" fala do sucesso da série e comemora foco na Amazônia: "Dá para salvar muitas vidas"

No top 10 da Netflix em diversos países, "Pssica" revelou a atriz paraense Domithila Cattete para o mundo. A jovem é protagonista da trama sobre tráfico de pessoas e exploração sexual, ambientada na região norte do Brasil.

Camila Estephania

Publicado: 19/09/2025 às 15:08

Domithila Cattete, no centro, como Janalice, em

Domithila Cattete, no centro, como Janalice, em "Pssica". Lucas Galvino é Preá e Marleyda Soto é Mariangel. (Divulgação)

Depois de “Ainda Estou Aqui” e o “O Agente Secreto” vencerem, respectivamente, o Oscar e o Festival de Cannes neste ano, o audiovisual brasileiro segue sendo destaque pelo mundo afora. O sucesso do momento é a série “Pssica”, que estreou na Netflix no último dia 20 de agosto e já chegou ao top 10 da plataforma em 68 países, incluindo o Brasil.

Desta vez, os holofotes se voltam para o Pará, de onde vem a atriz Domithila Cattete, que protagoniza a obra. Escolhida a dedo pelos diretores Quico Meirelles e seu pai, Fernando Meirelles - mais conhecido pela direção do aclamado “Cidade de Deus", a atriz de 20 anos de idade concorreu com cerca de dez mil garotas para o papel da adolescente Janalice, segundo lhe contaram.

“Fiz teatro desde pequenininha”, comenta, em entrevista ao Diario, sobre um dos seus diferenciais. O resultado não nega que a busca criteriosa pela atriz valeu à pena: única nortista do elenco principal, Domithila é fundamental para a construção de uma narrativa que representa seu estado sem caricaturas, reforçando a sobriedade que o roteiro pede.

A história é uma adaptação do livro homônimo do escritor paraense Edyr Augusto, em que a personagem é sequestrada por uma gangue de tráfico de pessoas e sofre exploração sexual.

Não se trata de uma realidade exclusiva da região Norte, tampouco do Brasil, mas recentemente este cenário também foi escolhido para outras tramas que abordam o assunto, como o filme “Manas”, de Mariana Brennand. Apesar do tema difícil, Domithila comemora a atenção dada às nuances por trás da vida na Amazônia.

“Isso me traz muita felicidade e orgulho, porque, muitas vezes, a gente é tratado como se fosse de outro lugar, e não de dentro do Brasil”, desabafa. “Quando a gente evidencia esses problemas na arte, a gente estimula o investimento em educação e segurança, dá para salvar a vida de muitas pessoas”, defende ela, que acredita no impacto social da obra.

As particularidades do contexto paraense ganham mais força especialmente quando Janalice cruza o caminho de Preá (Lucas Galvino), líder de uma gangue de “ratos d’água” que contrabandeia mercadorias pelos rios da região, e de Mariangel (Marleyda Soto), uma colombiana que busca vingança pela morte da família. A forma como os personagens se conectam sela a “Pssica”, que dá título a série, como uma espécie de maldição. O nome é uma gíria usada na região norte quando as pessoas querem desejar azar às outras.

Leia a entrevista com Domithila Cattete na íntegra:

Qual era a sua experiência de atuação antes de "Pssica"?

Acho que o teatro é a base. Eu fiz teatro desde pequenininha, porque tinha na minha escola, era um lugar de aconchego, de liberdade, de arte, de conexões. Foi bem difícil tirar a atuação do teatro e colocar no cinema quando eu consegui o papel na série. São linguagens diferentes. Foi um processo muito gostoso, mas difícil.

A partir daí, como é que foi a sua preparação para Janalice?

Foi bem intensa. Foi com a Fátima (Toledo). Foi feita com muito carinho também, muito estudo, muita pesquisa, porque a gente aborda coisas que acontecem de verdade. Vi documentários, histórias de casos reais, de pessoas que passaram por isso, também o sentimento que está na família dessas pessoas... E vimos como tirar a atuação do teatro, porque eu me expresso com expressões carregadas para o cinema, que é só o olhar, o sentimento e a micro expressão saírem, que já diz tudo. Teve uma preparação bem grande com a Fátima e uma estrutura bem legal no pré. É a parte que mais gosto.

O Norte tem tido bastante destaque no audiovisual brasileiro, não só por "Pssica", mas em outros títulos, como o "O Último Azul" e "Manas", que concorreram para ser o representante do país no Oscar. "Manas", inclusive, também fala da exploração sexual de meninas na Ilha do Marajó, no Pará, só que com outra abordagem...

Eu conheci a Mariana Brennand, que é diretora de "Manas". Ela é sensacional. E teve muita gente da equipe de "Manas" em "Pssica". Enfim, é bem legal, acho que essas obras de alguma forma se completam.

E por que você acha que a região tem chamado a atenção de tantos cineastas ultimamente?

Primeiramente, isso me traz muita felicidade e orgulho, porque, muitas vezes, a gente é tratado como se fosse de outro lugar, e não dentro do Brasil. É tudo nosso, está aqui desde sempre. Eu acho que vem por um movimento político até, de mais atenção para a Amazônia. Vai ter a COP-30 em Belém, por exemplo, os olhares estão se voltando para lá de alguma forma. E uma coisa complementa a outra: a arte é um reflexo da nossa vida e a vida também é reflexo da arte, é uma troca. A gente está tendo bastante coisas, engajando e acontecendo, de forma política e social em Belém e no Norte. É importante porque também há várias questões ambientais e climáticas que precisam ser tratadas com urgência.

É engraçado você citar as questões ambientais, porque não é um tema abordado diretamente por nenhuma dessas dessas obras comentadas aqui, mas, de alguma forma, só de estarem retratadas no cenário já chama a atenção para a importância desse lugar.

Acho que a geografia, a paisagem e a fotografia em "Pssica" são como se fossem um personagem, estão muito presentes. Tudo acontece naqueles rios e os problemas abordados de tráfico de mulheres, negligência governamental e assuntos que acontecem, como a história da Mariangel, é também reflexo da dificuldade geográfica. E é apresentada de uma forma muito linda, a fotografia de "Pssica" foi muito elogiada. A nossa fotografia é única e muito expressiva, porque é algo que não estava sendo tão visto, sabe? É visto como algo novo, mas nem deveria ser, porque sempre tiveram muitas produções lá.

E qual é a importância do Pará ser tema de tantos filmes e séries? Acredita que isso incentiva ainda mais a produção do próprio estado?

Totalmente. É super importante que tenham mais olhares para a área e a gente possa tirar disso não só o reflexo da arte, mas o impacto social que isso traz também. Quando a gente vê um lugar que está marginalizado, a gente força as pessoas que estão ali a ver da mesma forma e investir para mudar. Quando a gente evidencia esses problemas na arte, a gente estimula o investimento em educação e segurança, dá para salvar a vida de muitas pessoas. A gente melhora a qualidade de vida e evita que esses problemas aconteçam. Então, vai além da arte.

Como a vivência de atores do Pará, ou de outras regiões além do eixo Rio-São Paulo, contribui para a construção dessas narrativas que estão fora do Sudeste?

É totalmente importante, porque as pessoas de lá se sentem representadas. Eu li muito isso, falaram: "Caraca, o sotaque encaixou completamente". Quando a gente investe em atores de lá – em equipe também, porque o set de filmagem faz total diferença no resultado – a gente consegue levar a nossa cultura de uma forma muito mais forte e importante. Eu acho que a gente está começando a dar mais atenção a isso com "Pssica", "Manas" e "Boiuna" também, que ganhou Gramado…

E os atores nortistas e nordestinos também estão em mais produções do Sudeste. Acredita que vocês também podem contribuir com as histórias que estão sendo contadas lá?

Isso tem mudado sim. Como atores, a gente tem uma ampla possibilidade de estudos e de interpretações, por isso a gente é tão capaz de fazer qualquer coisa...

O clima de opressão masculina é constante em "Pssica". Janalice é alvo do desejo de homens mais velhos até nas situações banais do dia a dia. Como mulher, você sente esse ambiente machista no Pará e no Brasil? Já passou de alguma forma por isso?

Acho que o machismo é instalado de uma forma violenta, mas cada vez mais sutil. Até pessoas do nosso cotidiano soltam frases ou situações que oprimem a gente de diversas formas, e não é só no Brasil. Acho que é uma realidade histórica do mundo que a gente tem lutado contra, com o feminismo, e conseguido muitos resultados incríveis, mas a gente ainda vê na nossa rotina, quando está na rua e se sente insegura, enfim... (O combate a isso) É uma realidade que ainda precisa ser mais construída com as pessoas.

"Pssica" parte do vazamento de um vídeo íntimo de Janalice, que é só uma adolescente. A exposição indevida de menores nas redes sociais também foi tema recentemente de um vídeo do influenciador Felca, que chamou a atenção para o tema da "adultização" e os riscos que as crianças correm com isso. Você acredita que isso contribui para esse cenário do tráfico de pessoas que está na série?

Com certeza, porque traz um olhar para essas crianças que não é para ter. Criança, tem que brincar e não se expor dessa forma. Quando "Pssica" traz esse debate e influencers também fazem isso, a gente ajuda a proteger essas crianças. Os pais ficam mais atentos se a dancinha que ela está fazendo ali não pode ser vista de outra forma, porque às vezes a gente nem pensa, né? A gente acha fofinho e tal, mas como uma pessoa que tem uma mente maliciosa pode ver aquilo? É uma responsabilidade dos adultos com as crianças que está sendo cada vez mais reforçada.

A forma como os fatos se desenrolam em "Pssica" deixa traumas em Janalice, de maneira que, muito cedo, ela desenvolve um senso de sobrevivência que está acima de qualquer sentimentalismo adolescente. Como você vê isso na personagem?

Acho que uma das coisas que eu mais gosto do roteiro é como a gente construiu ela. Ela tem uma força vulcânica, que a vida faz ela tirar de dentro dela. Acho o final sensacional, foi uma coisa muito bem construída, pensada e discutida. Particularmente, me orgulho dele.

A que você acha que se deve o sucesso mundial de "Pssica"?

Eu acho que se deve a qualidade do trabalho. Está tudo muito bonito: a fotografia, o trabalho do elenco – meus colegas são muito inspiradores para mim –, a direção, o roteiro, o lugar onde se passa. A Netflix tem esse alcance global e chega a 192 países e fez um lançamento simultâneo em todos eles. Acho que é um conjunto de fatores.

Você chegou a conhecer bem o interior do Pará antes do filme?

Eu estudava em Belém, mas qualquer férias ou dia livre, minha família ia para Vista Alegre. Isso foi muito importante, porque me deu um repertório enorme de vivências e de observação, que só na cidade, por mais que seja Belém, eu não teria tão completo. E eu usei muito esse repertório em "Pssica", eu via os personagens em pessoas que eu já conhecia, era próximo de muitas maneiras.

Lá (Vista Alegre) é um interior de pesca, que vive do marisco, peixe, camarão, caranguejo, mexilhão, sururu. Fico muito assustada quando vejo o preço do camarão fora de lá, onde sempre tiram a grude, que é a parte que vale mais pra vender, e dão a carne do peixe... Então, é uma outra realidade e até uma vivência política, social, de visão de mundo. Sou muito grata à minha mãe por essa experiência e por ter me introduzido na nossa família do interior.

E você está morando no Rio de Janeiro agora, fez cursos em escolas de teatro tradicionais, como a Casa de Artes de Laranjeiras (CAL). Como estão os planos para o futuro?

Agora eu estou fazendo estudos com a Estrela (Straus). Comecei o laboratório de arte e está sendo muito legal, estou aprendendo novos métodos de atuação. O estudo da arte como atriz para mim é isso, vou aprendendo vários métodos para ver o que mais te ativa. Você tem que ter um leque de repertórios e conhecimentos. Eu tenho estudado muito desde o final de "Pssica". Acho que evoluí muito como atriz e estou muito mais segura agora, por causa dessa dedicação.

Quais são suas referência dentro da área de atuação?

A Fabíola Nascimento. Tem o trabalho dela em "Estômago", mas em "O Auto da Compadecida 2" ela estava surreal, porque a personagem dela trazia muito o teatro. Ela tem essa base e eu me identifico com isso, trouxe isso de uma forma que funciona muito bem no cinema, admiro muito ela. Também tem a Maeve Jinkings que, em "Os Outros", tem o olhar fortíssimo, que te hipnotiza. Assim, claro, tem a Fernanda Torres, a Fernanda Montenegro... São pessoas que eu admiro e me inspiram profundamente a continuar estudando mais e seguindo nisso.

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