Frevo, disco raro e gravação em Amsterdã: como foi feita a trilha sonora de "O Agente Secreto".
Filme do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, "O Agente Secreto" estreia nos cinemas comerciais em 6 de novembro, mas sua trilha sonora já chama atenção.
Publicado: 16/08/2025 às 08:00

Cena do filme O Agente Secreto (O Agente Secreto)
O filme “O Agente Secreto”, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, só chega aos cinemas comerciais em 6 de novembro, mas já desperta curiosidade em torno de sua trilha sonora. Um dos motivos por trás desse interesse está na presença constante do frevo nas primeiras sessões do filme.
O ritmo recifense brilhou na premiere mundial do longa-metragem, durante o Festival de Cannes, na França, em maio deste ano, e também na sessão especial para o presidente Lula, no Palácio da Alvorada, na última quinta-feira (7). Em ambas as ocasiões, a equipe do filme desfilou ao som do frevo da Orquestra Popular do Recife, junto ao grupo Guerreiros do Passo, cujos passistas encenam a dança do frevo de décadas atrás.
Os episódios dão uma pista do ambiente que é retratado em um dos teasers do filme, divulgado pela distribuidora Vitrine Filmes. Nas imagens, o ator Wagner Moura, que protagoniza a produção pernambucana, encontra um bloco de carnaval no centro do Recife, onde foliões se divertem ao som de “Cabelo de Fogo”, do Maestro Nunes.
A música é um frevo de rua de 1986 que marca momentos de apoteose no carnaval pernambucano até hoje. Apesar da história do filme se passar em 1977, nove anos antes do lançamento da composição, a sua escolha pode ser interpretada como uma licença poética do diretor recifense, reforçando a atemporalidade da obra.
TRILHA ORIGINAL GRAVADA EM AMSTERDÃ
Desde a produção do filme, a presença do frevo em “O Agente Secreto” vem chamando a atenção de ouvintes pelo mundo afora. É o caso dos profissionais estrangeiros que viram cenas do longa durante a gravação do som do filme em Amsterdã, na Holanda.
“Foi uma experiência bem interessante poder trocar com os gringos nossas sonoridades, muitos ficaram impressionados com o frevo, por exemplo”, lembra o músico pernambucano Mateus Alves. Em fevereiro deste ano, ele viajou até o país europeu para gravar a trilha original do filme, composta em parceria com seu irmão, Tomaz Alves Souza.
Os dois músicos já haviam trabalhado com Kleber Mendonça Filho em “Bacurau”, mas esta foi a primeira vez que gravaram uma trilha original para um filme pernambucano fora do Brasil. “Se for pra destacar um ponto dessa experiência diria que o estúdio em si, sua acústica, fez muita diferença”, ressalta Mateus.
Desta vez, o diretor também teve mais demandas para a trilha original do que nos seus filmes anteriores. “No Agente Secreto, a música original foi pensada mais como um comentário da narrativa, uma crônica, que corre em paralelo ao filme, quase que fora do tempo. Foi uma vontade de Kleber”, comenta Mateus.
Para Tomaz, as cenas oferecem vários elementos que serviram de ponto de partida para a trilha. “Tento sempre me adaptar às ideias e referências do diretor do filme, no caso, Kleber, e procurar desenvolver formas de pensar e sentir a música a partir dos temas que eu percebo com mais força no roteiro e nas imagens. Pode ser bastante coisa, desde uma expressão no rosto de um personagem, um movimento dentro do enquadramento, o ritmo da montagem, as cores”, aponta.
PAÊBIRÚ E OUTROS CÂNONES
Além dos frevos, a trilha do filme ainda conta com outros cânones da música pernambucana, brasileira e internacional entre as músicas licenciadas. Títulos como “A Briga do Cachorro com a Onça" (1973), da Banda de Pífanos de Caruaru, “Não há mais tempo” (1964), de Ângela Maria, “If you leave me now” (1974), de Chicago estão na trilha.
Entre eles, os mais curiosos são “Harpa dos Ares” e “Trilha de Sumé / Culto à Terra / Bailado das Muscarias”, do disco “Paêbirú - A caminho da montanha do sol”, de Lula Côrtes e Zé Ramalho. O álbum virou mito logo após o seu lançamento, em 1975, quando uma enchente do Rio Capibaribe, no Recife, atingiu a gravadora Rozenblit e destruiu a maior parte da tiragem única e a fita master do disco, que estavam no local. De 1300 LPs, salvaram-se apenas 300.
Atualmente, um exemplar da tiragem original é considerado um dos discos mais raros da música brasileira e pode custar cerca de R$ 10 mil. Outras cópias mais acessíveis passaram a circular no mercado depois que o álbum foi reeditado em 2008, pelo selo inglês Mr. Bongo, e em 2019, pela brasileira Polysom.
A mística em torno do disco ainda é reforçada pela psicodelia das músicas, que foram inspiradas por uma visita de Lula e Zé à Pedra do Ingá do Bacamarte - um sítio arqueológico da Paraíba, conhecido pelas inscrições rupestres. Lá, a dupla passou algumas noites tentando decifrar os desenhos sob efeito de cogumelos e saíram de lá com o material que inspirou as músicas sobre as lendas do índio Sumé.

