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'O Deserto de Akin' retrata solidão de médico cubano após fim do Mais Médicos

Médico cubano, estrelado por Reynier Morales, enfrenta isolamento no longa dirigido por Bernard Lessa

Allan Lopes

Publicado: 01/08/2025 às 06:00

Cena do filme 'O Deserto de Akin'/Foto: Bel Veiga/Divulgação

Cena do filme 'O Deserto de Akin' (Foto: Bel Veiga/Divulgação)

O que resta quando tudo ao redor desaba? Essa é a pergunta que atravessa O Deserto de Akin, lançado nos cinemas na última quinta-feira (31), que tem a direção de Bernard Lessa. A trama acompanha o percurso solitário de Akin, médico cubano interpretado por Reynier Morales, enviado a uma comunidade indígena do Espírito Santo, em um momento de desmonte das políticas públicas no Brasil.


Mais do que um retrato sobre o Programa Mais Médicos, interrompido após as eleições de 2018, o filme mergulha na subjetividade de um homem estrangeiro que, diante de um país em ebulição, tenta recompor seus vínculos e decidir seu destino. “Não queria fazer um filme sobre o tema, exatamente. O tema está ali, é o pano de fundo, mas o que me interessava era contar a história de um homem. Um homem que se apaixona, que se desapaixona, que hesita, que tem dúvidas, que está disposto a viver”, resume o diretor.


O drama se intensifica à medida que Akin estabelece laços afetivos com duas pessoas que o acolhem em sua jornada: Érica (Ana Flavia Cavalcanti) e Sérgio (Guga Patriota). Sua rede de afetos, formada em meio à precariedade e ao deslocamento, abre espaço para o que há de mais humano: o desejo, a escuta, a fragilidade.


Para Reynier Morales, o papel exigiu uma construção cuidadosa: “Foi um desafio. Qualquer personagem já carrega uma pressão, mas nesse caso, ainda mais por se tratar de um médico. [...] Me inspirei em uma geração cubana que teve que reprimir sua sexualidade. Quis trazer esse tom mais contido, mais sutil.”
Além de ser um médico estrangeiro, Akin é retratado como um corpo em trânsito. Político, sim, mas também afetivo e sensível. Um personagem que, como observa o diretor, “carrega um pouco de mim, um pouco do Renier, um pouco dos muitos médicos cubanos que estiveram aqui”.


Também no elenco, Guga Patriota carrega em sua trajetória pessoal um elo com o universo do filme. “Hoje estou finalizando uma especialização em Medicina de Família e Comunidade, que é uma prática profundamente influenciada pelos valores da medicina cubana. [...] O filme, para mim, é um gesto de homenagem. Um posicionamento político e poético sobre o cuidado.”


Ana Flavia Cavalcanti reforça o valor simbólico do encontro entre artistas negros em diáspora e da pluralidade de olhares que o filme propõe. “Sinto que essa conexão entre nós aparece no filme. Somos duas pessoas negras, ele cubano, eu brasileira. Muitas coisas nos atravessam de forma parecida — cultural, social, financeiramente. Foi um encontro muito potente.”


O Deserto de Akin é o terceiro longa de Bernard Lessa, após A Mulher e o Rio (2019) e A Matéria Noturna (2021). O novo filme venceu o prêmio de Melhor Ator no Festival do Rio 2024, além de ter passado por festivais como o de Havana e o Panorama Internacional Coisa de Cinema (onde venceu como Melhor Roteiro).

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