Policiais do Bope são absolvidos por alteração de cena de crime em Itamaracá
As vítimas foram mortas no dia 10 de novembro de 2020, nos viveiros de camarão localizados após a Travessa da Salina, na comunidade do Chié. Elas tiveram seus corpos arrastados e retirados do local
Publicado: 02/10/2025 às 18:40

Para o juiz, as vítimas já apresentavam sinais inequívocos de morte (Freepik)
A Vara da Justiça Militar de Pernambuco absolveu policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do crime de fraude processual por manuseio de provas relacionadas a dois homicídios registrados em 2020, na Ilha de Itamaracá, no Grande Recife. O crime diz respeito aos homicídios sob tortura de Marcone José da Silva e Deyvison Fernando da Silva Santos.
As vítimas foram mortas no dia 10 de novembro de 2020, nos viveiros de camarão localizados após a Travessa da Salina, na comunidade do Chié. Elas tiveram seus corpos arrastados e retirados do local. Para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que acusou os policiais, o manuseio das provas configura fraude. Segundo o Art. 347 do Código Penal, a indução do juiz ou perito ao erro configura crime, sob penas de multa e detenção de três meses a dois anos.
O processo aberto para julgar o caso envolve dois crimes distintos: tortura seguida de morte, de competência do Juiz Militar, e fraude processual, de competência do Conselho Permanente de Justiça, que diz respeito à manipulação das provas para suposta tentativa de enganar a perícia e a Justiça.
A sentença, publicada ontem, trata apenas sobre a fraude processual e absolveu os policiais Aryclayton Accioly da Silva, Carlos André da Silva Soares, Diogo Correia Santos, Eliade Abdias Cruz do Nascimento, Paulo Henrique Gomes Machado, Antônio Senilson da Silva e Jorge Fernando Santiago.
A decisão foi tomada com base na deliberação do Conselho Permanente de Justiça, composto pela tenente Fabiana Batista de Oliveira, pelo capitão Edmilson Paulo da Silva, pela major Giselle da Silva Campelo Figuerôa e pelo coronel Rutênio Augusto da Costa Rodrigues. Todos eles absolveram os réus.
Apenas Francisco de Assis Galindo de Oliveira, juiz titular da Justiça Militar, votou pela condenação de Aryclayton, Carlos André, Diogo, Eliade Abdias e Paulo Henrique. Para ele, contudo, não há prova suficiente para a imputação do crime a Antônio Senilson e Jorge Fernando, que teriam apenas conduzido viaturas na área, sem contato com a cena do crime e as vítimas.
“O perito criminal afirmara que, no dia seguinte, identificara sinais claros de arrastamento, evidenciando a manipulação do cenário, e as testemunhas, familiares das vítimas, confirmaram que, ao chegarem ao lugar, não acharam os corpos, apenas sangue e cápsulas, que foram recolhidas por populares, o que demonstra alteração proposital da cena do crime”, declarou Oliveira.
Para o juiz, as vítimas já apresentavam sinais inequívocos de morte, estando uma delas com exposição de massa encefálica. A condição do corpo, portanto, seria incompatível com a versão defensiva de que a movimentação dos agentes visava socorrer as vítimas.
“Havia condições seguras para aguardar a chegada dos peritos, conduta que demonstra a real finalidade, que era alterar o cenário original, suprimindo elementos essenciais para a reconstrução dos fatos, o que revela o dolo específico, necessário à configuração do tipo penal”, acrescentou Oliveira.
Depoimentos
De acordo com a sentença, obtida pelo Diario de Pernambuco, os policiais negam ter praticado os crimes. Eles alegam que as mortes aconteceram no mesmo dia em que o efetivo realizou a prisão de um traficante ligado à facção criminosa conhecida como “Trem Bala”, identificado como “Diogo Monstro”, que faria uma entrega de drogas na comunidade do Chié.
“Chegamos ao viveiro e a única forma de entrar no local era rastejando; (...) alguns indivíduos notaram nossa presença, vieram em nossa direção e anunciamos que éramos polícia; iniciou uma troca de tiro”, afirmou o agente Aryclayton da Silva, durante depoimento à Justiça.
Após os disparos mútuos, ainda segundo ele, o grupo teria progredido e localizado os dois homens no chão. “Uma parte da equipe ficou com eles e a outra parte foi em direção a casa, onde seria feita a entrega das armas e drogas; (...) não houve tortura e a morte deles foi fruto da troca de tiros; (...) nós fizemos o socorro do jeito que pode. Pois era um local de difícil acesso”, narrou Aryclayton.
Também foram ouvidos parentes das vítimas, que relataram que elas não tinham envolvimento com tráfico de drogas, nem portavam armas de fogo. “Meu cunhado foi torturado, ele estava espumado e com muitas marcas de espancamento; o rosto estava deformado; (...) no meu filho deram um tiro na nuca; (...) eu acho que eles queriam tirar alguma informação”, disse um familiar.
Um primo das vítimas acrescentou que eles estavam no viveiro a trabalho. “Eles não tinham armas, nunca pegaram em arma na vida”, disse.
O que diz a SDS
A Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social informou, por nota, que instaurou um Processo Administrativo Disciplinar Militar (PADM) para apurar as condutas dos policiais militares.
Conselho de Disciplina segue em trâmite na Comissão Processante, nos termos da legislação aplicável, e apenas ao término da instrução processual será possível inferir acerca da culpabilidade ou não dos militares.
Nesse sentido, importante frisar que compete ao Órgão Correicional apurar o caso sob o viés ético-disciplinar, sendo as instâncias administrativa e jurídico-penal independentes.

