Novo "mascote" do Recife, capivara atrai público para Parque das Graças e motiva alerta de especialistas
Contato entre humanos e capivaras, comum nos novos parques do Recife, não estava previsto no projeto original do Parque das Graças e foi combatido por biólogos
Publicado: 10/08/2025 às 06:00

No Parque das Graças, capivaras e usuários têm convivência próxima (Marília Parente/DP)
“Rio das Capivaras” em tupi, o Rio Capibaribe foi significado pela presença do simpático roedor em suas margens. Presente no imaginário popular desde a constituição do Recife, no século XVI, o rio é o espelho através do qual a cidade volta a se perceber, estimulada por intervenções urbanísticas à beira do curso d’água.
No Parque Capibaribe, projeto urbanístico que inclui o Parque das Graças, na Zona Norte, a presença das capivaras tem atraído o público de todas as idades. A aproximação entre seres humanos e esses roedores, que têm se tornado símbolos do rebranding da cidade, contudo, é desaconselhada por especialistas que participaram da elaboração do projeto por riscos à saúde pública e a dos próprios animais.
Descansando em um dos bancos instalados no Parque das Graças, o funcionário público José Carlos Raposo conta que um de seus programas preferidos com a neta envolve observar as capivaras. “A gente gosta muito de olhar os filhotes. Sempre se aproximam pessoas para fotografar”, relata.
Depois de um plantão extenuante, a médica Alessandra Ferraz também aproveita o tempo livre para passear no local com a filha Jasmim e a cadela Malu. Ela conta que são comuns as interações entre pessoas e capivaras no local. “Não chegamos mais tão perto das capivaras, porque sei que elas podem transmitir doenças, mas vejo que as demais pessoas se aproximam muito, inclusive com crianças”, comenta.
Alessandra tem acompanhado com curiosidade a difusão da imagem do animal pela cidade. No Açude de Apipucos, na Zona Norte, as capivaras foram homenageadas com um monumento.
Elas também estão esculpidas em brinquedos de parques recentemente entregues pela prefeitura, dão nomes a bares, formas a doces e apareceram até no par meias presenteado pelo prefeito João Campos (PSB) ao presidente Lula, em abril do ano passado. “É tudo de capivara”, brinca a médica.
A capivara é pop
O rebranding é recente. Professora aposentada da UFRPE, Maria Adélia Oliveira lembra que a população de capivaras no Recife diminuiu vertiginosamente do século XVI para cá.
“Nos relatos do período da ocupação holandesa, você vê que eles ficam impressionados com a quantidade de capivaras nas margens do rio. Com o desenvolvimento das cidades e a caça, a quantidade de animais foi diminuindo”, diz.
Participante do projeto do Parque Capibaribe, iniciativa da prefeitura para promover o conceito de cidade-parque através de espaços de convivência no entorno do rio, Maria Adélia lembra que foram contabilizadas 37 capivaras, da foz do rio até o limite com o município de Camaragibe, em 2017. A gestão municipal, no entanto, não possui dados populacionais atuais.
“A proibição da caça contribuiu para o aumento do número de animais. Também há todo o trabalho de conservação, que faz com que as pessoas tenham um olhar diferente para as capivaras”, acrescenta.
Dotadas de forte comportamento egrégio, as capivaras vivem em grupos geralmente comandados por um casal dominante. A fama de docilidade, contudo, pode enganar. “Há sim riscos de ataque na convivência com elas, sobretudo do macho ou da fêmea dominantes. Além disso, o ser humano também pode agredi-las”, frisa.
Capivaras urbanas
No Recife, já circulam relatos de capivaras atropeladas. “Fui tomar vacina antirrábica recentemente e, na unidade de saúde, conheci uma pessoa que tinha acabado de atropelar uma capivara. Ela tentou ajudar o animal ferido e foi mordida”, conta a médica Alessandra Ferraz.
As capivaras urbanas também têm apresentado comportamentos atípicos para a espécie, o que pode ser um sinal de adaptação às novas condições de vida impostas pelo avanço da urbanidade sobre o mangue que protege o Capibaribe, segundo os especialistas.
No Parque das Graças, por exemplo, as capivaras perderam a timidez que costumava caracterizá-las. “Nesse local, você percebe que elas ficaram meio indiferentes à presença humana. Como se a gente fosse uma árvore que se mexe. Parece ser uma característica daquele grupo específico”, diz Adélia.
Equipamentos urbanos também foram incorporados à rotina das capivaras. “As fêmeas estão usando os canos de esgoto, que são um local mais fechado e protegido, para ter os filhotes”, conta. É claro que o contato com os poluentes ameaça a sobrevivência dos animais. “Assim, como nós, elas são mamíferas, então basicamente todas as doenças que temos, elas podem ter. As capivaras também são transmissoras de leptospirose”, alerta a pesquisa.
Riscos
As diversas repercussões negativas da convivência entre seres humanos e capivaras foram apontadas por biólogos ouvidos pela prefeitura durante a concepção do Parque das Graças. O projeto original, por exemplo, previa a existência de uma área específica para as capivaras, evitando que elas entrassem em contato com o público.
“A ideia era que elas ocupassem a margem oposta do rio, atraídas pelo plantio de alimentos específicos. Assim, a gente teria a felicidade de observá-las, acompanhar seu desenvolvimento à distância”, explica Adélia.
No Brasil, uma das doenças mais associadas à capivaras é a febre maculosa, transmitida pela picada do carrapato-estrela, que parasita os roedores. Segundo a Prefeitura do Recife, entretanto, a cidade nunca registrou um caso de transmissão local da doença.
De acordo com o professor Fernando Porto, do departamento de Zootecnia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a febre maculosa é causada por uma bactéria do gênero Rickettsia. Infecciosa e febril aguda, a doença tem elevada taxa de letalidade e pode variar desde as formas clínicas leves até quadros mais graves.
“O carrapato pode ser encontrado na pelagem das capivaras, mas elas também são vítimas da doença. Provavelmente, esse carrapato se instalou nas capivaras urbanas como uma zoonose que já veio de outros animais, por conta de todo o contexto de poluição urbana e esgotos”, explica Fernando.
O pesquisador ressalta que a população deve evitar a proximidade com as capivaras. “Alguns cuidados incluem limpar as patinhas dos cachorros que passaram pelos mesmos locais que elas, assim como os sapatos”, recomenda.
Gerente de Vigilância Ambiental do Recife, Vânia Nunes afirma que a cidade monitora a presença de carrapato-estrela. “No ano passado, fizemos uma capacitação com o pessoal do Ministério da Saúde e da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], do Rio de Janeiro. Ocorreu uma coleta no Parque das Graças e não encontramos as peças do carrapato que transmite febre maculosa”, explica.
Desde então, a gestão municipal tem analisado continuamente parasitas que circulam na cidade. O laboratório municipal faz a primeira triagem e, posteriormente, as amostras são encaminhadas ao Laboratório Central de Saúde Pública Dr. Milton Bezerra Sobral (Lacen-PE), do governo estadual, e ao Ministério da Saúde.
“Nós recolhemos cavalos soltos na rua e resolvemos estabelecer esse monitoramento nesses animais de grande porte, que circulam em toda cidade. Agora, no segundo semestre, a espécie transmissora de febre maculosa não foi encontrada”, acrescenta Vânia.

