° / °

Vida Urbana
Relato

Tortura, extorsão e milícia: livro do CNJ expõe como atua líder de facção no presídio de Itaquitinga

Relato de reeducando do presídio de Itaquitinga aponta que Edcleidson Evilásio, um dos "Gêmeos de Gaibu", atua como chaveiro e estaria à frente de crimes cometidos na unidade

Marília Parente

Publicado: 06/07/2025 às 08:00

Presídio de Itaquitinga, localizado no Agreste de Pernambuco/Divulgação/SEAP

Presídio de Itaquitinga, localizado no Agreste de Pernambuco (Divulgação/SEAP)

Em texto publicado em livro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um reeducando do Presídio de Itaquitinga, localizado no Agreste de Pernambuco, relata que um dos “Gêmeos de Gaibu” estaria praticando tortura e extorsão contra outras pessoas privadas de liberdade. Ele seria “chaveiro” do Pavilhão B da unidade e andaria acompanhado por uma milícia de cerca de 40 homens.

Os “Gêmeos de Gaibu”, também conhecidos como “Gêmeos de Catende” ou “Tudo Dois”, são uma facção criminosa liderada pelos irmãos Edcleibson João da Silva e Edcleidson Evilásio da Silva, ambos de 37 anos. Investigado por diversos homicídios, tráfico de entorpecentes, associação para tráfico e organização criminosa, o grupo ficou conhecido pela alta capilaridade em Pernambuco, onde comandariam cerca de 20 mil homens, segundo apontam escutas realizadas durante inquérito da Polícia Civil de Pernambuco (PCPE).

Edcleibson, conhecido como “Cleibinho”, foi preso no dia 27 de novembro de 2018 e atualmente está recolhido no Presídio Rorinildo da Rocha Leão (PRRL), em Palmares, na Zona da Mata. Já Edcleidson, também chamado de “Evilásio” e “Mano”, está detido no Presídio de Itaquitinga e foi preso no dia 15 de janeiro de 2019.

A obra, intitulada “Deus e o Sistema Prisional”, é fruto de oficinas de escrita promovidas em abril deste ano pelo projeto “Mentes Literárias”, uma iniciativa do CNJ que promove a leitura como ferramenta de ressocialização e remição de pena. Escrita no Presídio de Itaquitinga, a narrativa autobiográfica que menciona o comportamento de Edcleidson foi desenvolvida por um preso que conviveu com ele no Pavilhão C da unidade.

“Estou há quase uma década preso, já vi e passei por muitas coisas dentro do sistema, já fui oprimido, fui vítima de várias covardias, não nesse pavilhão onde estou agora, em um pavilhão ao lado de onde moro. Um outro preso que tem o título de chaveiro e atende pelo apelido de “Gêmeos de Gaibu”, tem uma milícia montada dentro desta unidade prisional”, diz o texto.

Segundo o reeducando, Edcleidson costumava espancar outros presos com barrotes. “Ele anda acompanhado de cerca de 40 homens. Eu fui uma vítima dele, fui ameaçado quando ele me perguntou: quem mandava no pavilhão? E eu falei que era a polícia. Me fez dizer que quem mandava no pavilhão era ele, me bateu e me colocou em uma cela de castigo, onde eu também vi colegas ‘meu’ sendo espancados e apanhando de barrote”, acrescenta.

Edcleidson também teria praticado extorsões na unidade. “Nós PPL [Pessoas Privadas de Liberdade] por muitas vezes fomos extorquidos por ele [...] Hoje é dia 26/04/2025, faz uns 40 dias que foi trocada toda a direção desta unidade, estou relatando isto porque sei que a nova direção não sabe do que já se passou antes da chegada dele”, completa.

Regeneração

Para o reeducando, as diversas experiências de violência vivenciadas no sistema prisional dificultam a reinserção das pessoas privadas de liberdade na sociedade. “Fui preso, condenado a 10 anos e 6 meses, penso em sair desse lugar totalmente regenerado. Deixo uma pergunta a você: qual homem que passa por essas coisas dentro de uma unidade prisional vai sair sem maldade em seu coração?”, questiona.

De acordo com Alex Giostri, que é editor livros, responsável pela condução das oficinas literárias e colaborador do CNJ, os documentos produzidos pelos presos são encaminhados aos 13 conselheiros da instituição, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao Ministério Público e aos gestores das unidades prisionais visitadas. “Os livros não são comercializados. São entregues às autoridades e podem ser solicitados pelos cidadãos”, explica.

Giostri destaca que a importância do projeto “Mentes Literárias” vai além de garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade à literatura. “Ele serve também para que o gabinete entenda o que está acontecendo nas unidades prisionais brasileiras. A partir desses relatos, se dá o encontro do conselheiro com os presos e são pensados planos de ação”, afirma.

Atualmente, o CNJ atua na implementação nacional do Plano Pena Justa, que visa melhorar a responsabilização e a reinserção social das pessoas apenadas. A iniciativa segue determinação do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347), que indicou a existência de violações sistemáticas de direitos humanos nas prisões.

“Em Pernambuco, houve um diálogo entre o conselheiro e o presidente do Tribunal de Justiça local para se pensar ações efetivas. No estado, há 30 mil presos para 15 mil vagas. Como trabalhar todas essas remições de pena?”, completa.

Outro lado

Procurado pelo Diario de Pernambuco, o advogado de Edcleidson, Marcos Augusto de Morais Calado, nega a veracidade dos relatos presentes no livro. “Se você tiver acesso ao Atestado de Conduta vai ver que ele tem um bom comportamento desde que ingressou no sistema prisional. É uma pessoa pacífica, tranquila, que goza da confiança da direção em termos do bom comportamento”, argumenta.

Segundo o advogado, os “chaveiros”, conforme ficaram conhecidos os presos que detinham maior poder nas unidades prisionais em razão de conchavos com diretores, deixaram de existir nos presídios de Pernambuco. “Não procede essa situação de espancamento, muito menos de se juntar com mais 30, 40 ou 50 para torturar ninguém. Não é prática dele, nem a unidade prisional, que se espelha no RDD [Regime Disciplinar Diferenciado], permitiria esse comportamento de um reeducando”, conclui.

A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária de Pernambuco (SEAP) sobre o comportamento de Edcleidson na Unidade Prisional de Itaquitinga. Até o fechamento da matéria, contudo, não houve retorno da pasta.

Mais de Vida Urbana