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Sob ameaça de despejo, comerciantes do Mercado do Jordão podem deixar pontos de trabalho sem receber nada

Prefeitura do Recife concluiu licitação para construção de CAPS no endereço do mercado, mas parte das pessoas que trabalham no local diz que não receberá nenhuma indenização para sair do espaço

Publicado em: 03/05/2025 06:00 | Atualizado em: 02/05/2025 20:38

Luciane Oliveira investiu R$ 8 mil para montar seu negócio no mercado e pode sair sem indenização (Crysli Viana/DP Foto)
Luciane Oliveira investiu R$ 8 mil para montar seu negócio no mercado e pode sair sem indenização (Crysli Viana/DP Foto)
 
Após quatro meses instalada no Mercado do Jordão, a comerciante Luciane Oliveira foi informada pela Conviva, autarquia responsável pela gestão dos mercados municipais do Recife, de que o espaço público dará lugar um ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Com isso, um total de 53 permissionários ficarão sem seu espaço de trabalho. Ao contrário de Luciane, segundo o que ela mesmo diz, eles vão receber uma indenização de R$ 9 mil.
 
Na última terça-feira (29), a Prefeitura do Recife homologou a construtora Octagon Empreendimentos LTDA como vencedora da licitação para contratação de empresa para construir a unidade de saúde. Os serviços são avaliados em R$ 2.770.000,00. O processo licitatório foi aberto no dia 14 de dezembro do ano passado.  

“Para os permissionários antigos, vão pagar indenização de R$ 9 mil, mas para a gente que está há pouco tempo, não ofereceram nada”, lamenta. Moradora do bairro há 43 anos, ela vendia flores e plantas como ambulante até conquistar espaço para seu negócio no interior do mercado. “Desde o ano passado, venho falando com os coordenadores do mercado para ver qual era a possibilidade de trabalhar aqui. Consegui a autorização em janeiro e entrei em um pré-cadastro de permissionários da prefeitura”, conta. 
 
Segundo os comerciantes, após expor a intenção da prefeitura fechar o mercado, a Conviva chegou a realizar um pré-cadastro dos comerciantes que ainda atuam no local. Algumas das pessoas cadastradas, contudo, contam que não receberam qualquer proposta de indenização. 
 
Ponto no mercado permitiu que Luciane parasse de trabalhar nas ruas, como ambulante (Crysli Viana/DP Foto)
Ponto no mercado permitiu que Luciane parasse de trabalhar nas ruas, como ambulante (Crysli Viana/DP Foto)
 
 
"Vieram só comunicar que vai ser construído um CAPS, que ia ser bom para o Jordão e que iam precisar do espaço. Fizeram uma lista com os permissionários mais antigos, falando que iam observar caso a caso para ver as condições de ressarcimento e realocação, mas alegaram que, como eu estava há pouco tempo, não teria direito”, afirma Luciane. 

A comerciante afirma que, caso soubesse antes da possibilidade de saída do mercado, não teria investido cerca de R$ 8 mil em materiais para a instalação da loja. “Esse espaço para mim é um sonho realizado. É a oportunidade de trabalhar no meu bairro, no meu próprio negócio, com a clientela que já tenho. Aqui, sou uma referência e tem quem me chame de médica das plantas”, diz Luciene. 

A comerciante ressalta ainda que não sabe para onde levará sua loja caso a saída do mercado aconteça. “Se sair, vou sair com uma mão na frente e outra atrás. Desesperada, sem  saber onde eu vou colocar minhas verdinhas. Como vou continuar oferecendo esse serviço à população que tanto me acolheu? Isso aqui é um pulmãozinho do bairro”, completa.

“Quero trabalho, não quero indenização”
 
Joselania Balbino quer permanecer trabalhando no mercado (Crysli Viana/DP Foto)
Joselania Balbino quer permanecer trabalhando no mercado (Crysli Viana/DP Foto)

 
A comerciante Jacilene França está afastada dos três boxes que administra no mercado desde junho do ano passado, quando foi vítima de um atropelamento. Em razão de recomendações médicas, ela teve que suspender as atividades de seu bar e cozinha. “Quando eu penso em voltar, essa bomba aparece. Não colocaram meu nome na lista da indenização, não sei por qual motivo”, lamenta.  

Após procurar a Conviva, a comerciante ouviu da autarquia que uma solução para seu caso estaria sendo pensada. “Até agora, não tive retorno. Estou muito triste, até com crises de ansiedade. A gente tem nosso trabalhinho tão bom, uns dias melhores, outros menos, mas não queria perder esse espaço”, afirma. 

Em outra rua do mercado, a comerciante Joselania Balbino também tem trabalhado apreensiva. Ela conquistou há pouco tempo um box para montar seu pequeno brechó infantil e chegou a ser incluída em um pré-cadastro da prefeitura. Apesar disso, conta que não recebeu nenhuma proposta de indenização ou indicativo de para onde poderia levar seu negócio.

“Esse ponto era da irmã do meu esposo e ela repassou para mim, porque eu estava desempregada. Me animei e fiz uma pequena reforma, com pintura e um cartaz novo, mas em seguida veio essa notícia de que o mercado seria demolido para a construção do CAPS. E foram embora”, frisa. 
 
Alguns comerciantes cobram reforma do local (Crysli Viana/DP Foto)
Alguns comerciantes cobram reforma do local (Crysli Viana/DP Foto)
 
Paredes e boxes do mercado apresentam desgastes (Crysli Viana/DP Foto)
Paredes e boxes do mercado apresentam desgastes (Crysli Viana/DP Foto)
 
 
Mãe de três filhos, Joselania depende da renda do comércio para complementar a renda familiar. “Só somos eu e meu marido, que trabalha como Uber. Quero trabalho, não quero indenização. A gente precisa de uma reforma no mercado, de divulgação, para que nosso público volte a frequentar esse lugar”, acrescenta. 

Segundo Joselania, as más condições de conservação do mercado e a presença de usuários de drogas têm espantado a freguesia. No interior da estrutura, é possível observar a existência de fios soltos no teto e o desgaste de algumas paredes e boxes. “A gente tem medo dessa fiação pegar fogo. Meu cunhado é eletricista, poderia nos ajudar a fazer esse serviço aqui e já até conversamos com alguns permissionários para tirar dinheiro do nosso bolso e custear tudo. Não precisa demolir o mercado. Se em todos os bairros têm um mercado público, por que é o do Jordão que tem que ser demolido?”, questiona. 

Confirmação 

Mercado Público do Jordão (Crysli Viana/DP Foto)
Mercado Público do Jordão (Crysli Viana/DP Foto)

 
Por meio de nota, a Prefeitura do Recife confirmou que pretende construir um CAPS na área do Mercado do Jordão. Segundo a Autarquia de Urbanização do Recife (URB), a gestão municipal oferecerá indenização a 53 permissionários do mercado, após processo de negociação. Leia o posicionamento na íntegra:

“A  Secretaria de Saúde do Recife informa que a área do mercado abrigará  um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) 24h voltado ao atendimento de crianças e adolescentes, na faixa dos 12 a 18 anos. Havia uma grande demanda para esse tipo de atendimento na região, especialmente nos bairros do Ibura, Jordão e Cohab - e a escolha do espaço se deu pela localização estratégica e de fácil acesso para quem mora na região. Atualmente, dois CAPS da rede municipal atendem adolescentes, nos bairros de Santo Amaro e Bongi.  

A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informa que 53 permissionários do Mercado do Jordão serão indenizados, após processo de negociação. A relação dos beneficiários foi definida pela CONVIVA Mercados e Feiras, com base em uma atualização cadastral dos permissionários com boxes ativos no local. As indenizações serão realizadas quando do fim dos trâmites jurídicos que regem o serviço público”.

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