STF julga Bolsonaro e ex-integrantes da cúpula militar por tentativa de golpe; saiba tudo sobre julgamento histórico
Jair Bolsonaro e outros sete aliados respondem por tentativa de golpe de Estado. Pela primeira vez na história, um ex-presidente da República senta no banco dos réus por suspeita de crimes contra a democracia
Cecilia Belo e Mariana de Sousa
Publicado: 01/09/2025 às 21:02

Ex-presidente Jair Bolsonaro (Foto: Luis Nova/Especial Metrópoles @LuisGustavoNova)
Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente da República e integrantes da alta cúpula militar encaram um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de crimes contra a democracia, conforme os autos do processo do STF. Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus, entre civis e militares de alta patente, são apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsáveis pela articulação de um plano golpista destinado a reverter o resultado das eleições de 2022 e manter o então chefe do Executivo no poder. O julgamento começa nesta terça-feira (2).
A denúncia da PGR sustenta que Bolsonaro liderou uma organização criminosa voltada a desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques às instituições e articular medidas de exceção. De acordo com o órgão, suas declarações públicas e o uso de uma rede de apoiadores digitais configuraram um esforço deliberado para fragilizar a confiança nas urnas e criar um ambiente propício à ruptura institucional. Todos os acusados negam participação e afirmam que não houve tentativa concreta de golpe.
Réus e defesas
Um mês antes do início do julgamento, Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, sob a acusação de tentar obstruir as investigações, ao lado do filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O ex-presidente nega envolvimento em planos golpistas e afirma que a acusação é “absurda e sem provas”, conforme os documentos da defesa do réu.
A defesa de Jair indicou nove advogados acompanharão o julgamento, incluindo Celso Villardi, Paulo Cunha Bueno, Daniel Tesser, seus principais defensores, além de outros advogados e estagiários dos três escritórios que atuam em favor de Bolsonaro, como descrito nos autos do processo.
Réus
- Jair Bolsonaro - ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem - ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier - ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres - ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno - ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Paulo Sérgio Nogueira (general), ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto - ex-ministro de Bolsonaro e candidato à vice na chapa de 2022.
- Mauro Cid (tenente-coronel), ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
O ex-presidente foi orientado pela defesa a não comparecer ao julgamento, bem como Mauro Cid, segundo informações do portal Metrópoles.
Outros réus também rejeitam as acusações. Militares alegam que buscaram dissuadir Bolsonaro de atitudes radicais e que não houve atos de execução do golpe. Civis apontados como articuladores digitais negam vínculo com organização criminosa. A defesa sustenta ainda que a transição de governo ocorreu dentro da normalidade institucional.
As informações foram extraídas das petições e sustentações orais em defesa dos réus.
Julgamento
Nos dias 2, 9 e 12, as audiências ocorrerão tanto pela manhã quanto pela tarde, com um intervalo para o almoço. Já nos dias 3 e 10, as sessões de julgamento ocorrerão apenas no período matutino, como determinou o STF.
Horários das audiências
2 de setembro – 9h e 14h;
3 de setembro – 9h;
9 de setembro – 9h e 14h;
10 de setembro – 9h;
12 de setembro – 9h e 14h.
Rito
O procedimento que será utilizado durante o julgamento está descrito no Regimento Interno do STF, além da Lei 8.038 de 1990, que estabelece as diretrizes processuais do tribunal.
No dia 2 de setembro, às 9 horas, na abertura do julgamento, o presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, dará início à sessão.
Em seguida, o ministro irá convocar o caso para ser julgado e passará a palavra a Alexandre de Moraes, que fará a leitura do relatório resumindo todas as etapas do processo, desde as investigações até a apresentação das alegações finais, que é a fase final antes do julgamento.
Depois que o relatório for lido, Zanin cederá a palavra para a acusação e para as defesas dos réus.
Acusação
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, será o encarregado da acusação. Ele terá um tempo máximo de duas horas para argumentar em favor da condenação dos réus.
Defesas
Após a apresentação da PGR, os advogados dos réus serão chamados ao púlpito para realizar suas sustentações orais em defesa de seus clientes. Eles terão até uma hora para expor suas considerações.
Crimes
Todos os réus estão sendo julgados no Supremo pelos crimes de formação de organização criminosa armada, tentativa de derrubada violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, danos qualificados pela violência e grave ameaça, além de deterioração de patrimônio protegido.
A exceção é o caso de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, que atualmente é deputado federal. Ele obteve uma vantagem com a suspensão de parte das acusações e apresenta apenas três das cinco imputações. Essa norma está prevista na Constituição.
A suspensão aplica-se aos delitos de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra bens da União, com um dano significativo para a vítima, e também à deterioração de patrimônio protegido, relativos aos acontecimentos golpistas de 8 de janeiro.
Ramagem ainda responde pelas acusações de golpe de Estado, formação de organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Votos
Alexandre de Moraes, o relator da ação penal, será o primeiro a votar. Durante sua manifestação, o ministro abordará questões preliminares levantadas pelas defesas de Bolsonaro e dos outros acusados, tais como pedidos de anulação da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos réus, alegações de cerceamento de defesa, petições para a retirada do caso do STF, além de pedidos de absolvição.
Moraes pode pedir que a turma decida imediatamente sobre as questões preliminares ou pode deixar essa análise para ser votada junto ao mérito do caso.
Depois de tratar das questões preliminares, Moraes se manifestará sobre o mérito do processo, isto é, se irá condenar ou absolver os acusados e qual será a duração da pena a ser cumprida.
Sequência de votação
Após a votação do relator, os outros membros do grupo irão expressar suas opiniões na seguinte ordem:
2. Flávio Dino;
3. Luiz Fux;
4. Cármen Lúcia;
5. Cristiano Zanin.
A decisão de condenar ou absolver será determinada pela maioria de três dos cinco ministros presentes.
Solicitação de vista
Não se pode descartar a possibilidade de um pedido de vista sobre o processo. De acordo com as regras internas, qualquer membro do tribunal pode solicitar um prazo adicional para examinar o caso, o que pode adiar o julgamento. No entanto, o processo deve ser reavaliado em até 90 dias.
Detenção
A prisão dos réus condenados não será imediata após a decisão judicial e só poderá ser executada após a análise dos recursos relacionados à condenação.
Caso sejam condenados, os réus deverão ser alocados em áreas específicas de prisões ou em instalações das Forças Armadas.
Oficiais do Exército têm direito à detenção em regime especial, conforme estabelecido no Código de Processo Penal (CPP). O núcleo 1 conta com cinco militares do Exército, um da Marinha e dois delegados da Polícia Federal, que também possivelmente se beneficiariam dessa medida.
Grupos
A denúncia sobre o esquema golpista foi segmentada pela PGR em quatro grupos. O grupo principal, conhecido como núcleo 1, composto por Jair Bolsonaro, será o primeiro a ser analisado. As demais ações penais estão na fase de alegações finais, que é a última etapa antes do julgamento, que deve acontecer ainda neste ano.
Escalada golpista
Segundo a investigação, a trama começou a se desenhar em 2021. Naquele ano, Bolsonaro promoveu uma live na internet, em que apresentou informações falsas sobre as urnas eletrônicas, acompanhado do então ministro da Justiça, Anderson Torres. No mês seguinte, o 7 de Setembro foi marcado por discursos hostis contra o STF, em que o presidente afirmou que não cumpriria decisões judiciais.
As ações se intensificaram em 2022. Em reunião ministerial registrada em vídeo, o general Augusto Heleno sugeriu “virar a mesa” antes das eleições, e Bolsonaro declarou que haveria caos no país se o PT vencesse. Poucos dias depois, o presidente convocou embaixadores ao Palácio da Alvorada para repetir acusações sem provas sobre o sistema de votação.
Mesmo após o primeiro turno, mensagens trocadas entre militares próximos ao Planalto confirmaram a ausência de fraude, mas a narrativa pública contra as urnas foi mantida por meio de influenciadores, membros do PL e canais de desinformação. No segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal (PRF ) foi acionada para realizar operações que, segundo a PGR, dificultaram o acesso de eleitores do Nordeste às urnas.
Planos extremos
Com a vitória de Lula, os atos ganharam novo fôlego. Em novembro, surgiram acampamentos em frente a quartéis, alimentados por discursos de intervenção militar. Nesse período, documentos e reuniões indicaram propostas de sequestro e até assassinato de autoridades, incluindo Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin.
Uma minuta de decreto prevendo novas eleições e prisão de ministros do STF circulou entre auxiliares diretos de Bolsonaro, que, segundo depoimentos, chegou a editar o texto. Em 7 de dezembro, o então presidente apresentou a proposta aos comandantes militares, mas o plano não avançou por falta de apoio das Forças Armadas.
Na véspera da posse, Bolsonaro deixou o país rumo à Flórida, nos Estados Unidos (EUA), sem passar a faixa presidencial. Poucos dias depois, em 8 de janeiro de 2023, prédios do Congresso, do STF e do Palácio do Planalto foram invadidos por manifestantes golpistas, em um episódio que a PGR descreve como o desfecho de dois anos de articulações.
*Com informações dos autos do processo (depoimentos, minutas e documentos apreendidos) e Agência Brasil.

