Ativismo Dia da Mulher: Artistas e coletivos fazem intervenções urbanas para transmitir mensagens feministas

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 08/03/2016 12:00 Atualizado em: 08/03/2016 12:10

Anne Souza. Foto: Acervo Pessoal
Anne Souza. Foto: Acervo Pessoal
Cartazes do Colativa. Foto: colativa/divulgação
Cartazes do Colativa. Foto: colativa/divulgação
Os cabelos encaracolados e volumosos são marca registrada da estudante de artes visuais Anne Souza, 29 anos. Não somente porque ela os tem, mas por ter escolhido esse como um dos símbolos das muitas intervenções urbanas feitas nos últimos cinco anos. As ilustrações feitas por ela investigam e fazem pensar a respeito do corpo da mulher, do amor entre pessoas do mesmo sexo e da integração com a natureza. Coladas em muros de locais públicos com grande movimentação, as imagens transmitem os sentimentos e as ideias da artista de maneira sutil e delicada, além de embelezar a cidade. “Há dez anos trabalho com ilustração, mas foi só mais recentemente que resolvi colocar ele nas ruas, onde tem gente circulando, passando de ônibus,  e acaba tendo contato com meus desenhos todos os dias. Me interesso muito pela relação entre os gêneros. Tento passar minhas experiências, minhas vontades e minha visão de mundo e de mulher através da minha arte”, comenta.
 
Anne não se considera ativista, embora esteja integrada a um movimento cada vez mais forte e recorrente, o de indivíduos ou coletivos interessados em usar paredes e postes como plataforma para transmitir mensagens feministas, de combate à violência contra a mulher e de valorização do próprio corpo. De maneira mais incisiva, o grupo Deixe Ela em Paz faz uso do lambe-lambe desde julho de 2015 para, de maneira anônima e independente, espalhar cartazes com o nome da iniciativa, cujo alvo é o machismo incrustrado na sociedade e a principal bandeira é a liberdade feminina.
“Quando foi criado, a ideia era justamente promover ações que conversassem com mulheres sobre feminismo. Usar a arte urbana para isso, tornar a rua um espaço de comunicação, é uma maneira de convidar um público diversificado para pensar sobre temas que não são abordados pela mídia tradicional, por exemplo”, explica uma das integrantes do movimento, Joana Pires.
 
As organizadoras também disponibilizam pela internet o modelo do panfleto e estimulam os simpatizantes de outras cidades a imprimir, providenciar cola caseira, um rolo de pintar parede e sair às ruas para transmitir a mensagem a um número cada vez maior de pessoas. No último fim de semana, o grupo se utilizou da técnica do estêncil para ocupar três muros da cidade com a frase incompleta: “O machismo não me cala porque”. Com espaços a serem completados pelos transeuntes, o coletivo acredita em uma arte colaborativa.
 
O próximo passo previsto é a criação de uma rede de apoio, sob o lema “Cuidar umas das outras, pela segurança de todas”. Hoje, no Centro do Recife, as integrantes distribuem panfletos com mensagens sobre o combate à violência contra a mulher, além de apitos para serem usados em caso de assédio.
 
Intervenções de Anne Souza. Foto: Acervo Pessoal
Intervenções de Anne Souza. Foto: Acervo Pessoal
Outro grupo em atividade no Recife é o Colativa, formado por seis ativistas, todas estudantes ou recém-formadas. Quando não fazem uso do lambe-lambe para dar visibilidade às causas defendidas, recorrem ao grafitti como expressão artística. O objetivo é sempre levar questionamentos políticos e sociais ao espaço público. Criado há um ano e meio, o coletivo está sempre de olho nos cartazes colados. Quando notam algum arrancado, substituem por um novo. Assim como o Deixa Ela em Paz, disponibilizam todos os lambe-lambes para serem baixados pela internet e disseminados em qualquer lugar.
 
Neste Dia Internacional da Mulher, as integrantes dispensam quaisquer homenagens. “Quando você pega esse dia de luta das mulheres para conseguir direitos que já deveríamos ter e você diz que é uma ocasião para homenagear, é uma maneira de omitir o real propósito. Não queremos ganhar presentes, flores, homenagens. Queremos coisas práticas, queremos nossos direitos”, diz uma das ativistas, sem se identificar.  
 
Esses projetos se inserem em um contexto nacional de criação de movimentos feministas cujas vozes ecoam cada vez mais alto. Há, inclusive, tentativas de identificar o surgimento dessas iniciativas e localizá-las geograficamente, como ocorre com o monitoramento do Mapa de coletivos de mulheres (Mamu). A ferramenta colaborativa identifica, espalhados por todo o Brasil, coletivos dos mais diversos tipos, responsáveis por manifestações artísticas e culturais em prol das causas feministas. Em Pernambuco, o site identifica desde organizações referencia na área, como o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, blocos carnavalescos como o Grêmio Anárquico Essa Fada e o Ou Vai ou Racha, e até páginas do Facebook, como Faça Amor, Não Faça Chapinha. Esta última defende uma causa com a qual Anne Souza se identificaria, a “liberdade de expressão capilar”, para além do uso de químicas ou de artefatos para reprimir os cachos.
 
>>>> DEPOIMENTOS
 
Graciete Santos, coordenadora-geral da ONG feminista Casa da Mulher do Nordeste
Esses coletivos representam novas formas de expressão do feminismo. Reúnem sobretudo mulheres jovens que expressam o feminismo a partir desse lugar de juventude. Essa forma de inscrição, seja no lambe-lambe, seja nas redes sociais, é importante porque reflete o pensamento de uma geração e ao mesmo tempo remonta uma luta antiga do feminismo, pela  autonomia do corpo, pela liberdade do corpo. O feminismo tem essa característica de ser um movimento libertário. Já milito há algum tempo, sou de outra geração, e vejo esses coletivos como algo positivo.  É uma forma mais leve, ao mesmo bastante provocativa, que dialoga com a juventude, é irreverente, o que tira esse peso do movimento. É uma nova forma de comunicar e de provocar a sociedade.
 
Carmen Silva, educadora integrante do SOS Corpo
É um trabalho super importante. A gente conhece e acompanha o trabalho desses grupos que utilizam da estética de rua para fazer a estética feminista, e colocar a mensagem de um feminismo insurgente. Isso somente amplia o acesso, coloca outras pessoas em contato com as nossas lutas. No inicio da década de 1980, quando o grafitti ainda era chamado de pichação, exatamente em um 8 de março, o Recife amanheceu com frases feministas impactantes, que causaram rebuliço na cidade. Uma delas, pichada por toda a cidade, foi “Pergunta se ela goza”. Isso deixou uma inquietação, uma problematização enorme. Hoje você vê vários coletivos com linguagens distintas, seja com o lambe-lambe, com o grafitti, que tem uma beleza em si, e a linguagem de rua, da manifestação, que não permanece, mas não deixam de ser manifestações criativas, com gente pintada, panos na cabeça, batucadas, sempre fazendo algo que mostre de forma simbólica essa identidade feminista e essa luta por liberdade e autonomia.


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