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Artes Cênicas Matheus Nachtergaele celebra a vida da mãe em peça que abre o Janeiro de Grandes Espetáculos Consagrado no teatro, cinema e TV, o ator vem ao Recife com "Processo de conscerto do desejo", em que recita poemas da mãe, falecida quando ele tinha três meses

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 07/01/2016 14:24 Atualizado em: 07/01/2016 17:39

Ator encena solo no Teatro de Santa Isabel nesta sexta e sábado. Crédito: Marcos Hermes/Divulgação
Ator encena solo no Teatro de Santa Isabel nesta sexta e sábado. Crédito: Marcos Hermes/Divulgação

É difícil desviar o olhar de Matheus Nachtergaele enquanto ele fala. O ator tem uma qualidade rara: a de ser naturalmente eloquente sem deixar de lado um sentido poético em seu discurso. Essa qualidade magnética que o ator tem em si e empresta a seus personagens vai poder ser vista in loco no palco do Teatro de Santa Isabel nesta sexta e sábado, em Processo de conscerto do desejo. A peça - não um espetáculo, como ele frisa - abre o festival Janeiro de Grandes Espetáculos e é uma homenagem à sua mãe, que cometeu suicídio quando ele tinha três meses.

Essa presença materna - ainda mais intensa após se tornar ausência - se torna teatro pela presença do filho no palco, recitando os poemas de Maria Cecília Nachtergaele e cantando algumas das músicas que ela gostava. “A minha intenção não era ter uma experiência narcísica. Precisei de um certo amadurecimento para fazer uma peça como essa. Nunca me expus tanto”, afirma Matheus. Acompanhado pelo violonista Luã Belik e pelo violinista Henrique Rohrmann, o ator transforma um espetáculo que poderia ser elegíaco em uma celebração à vida.

A peça veio ao mundo a partir de uma provocação do Festival de Inverno de Ouro Preto, que perguntou se ele teria algo para apresentar no evento. A resposta foi um recital dos poemas da mãe para 500 pessoas. “Vi que isso era forte não apenas para mim. A partir do momento em que decidi fazer esta cerimônia, tudo foi muito rápido. Eu não poderia esperar, eu precisava fazer”. A apresentação no Janeiro abre um período de circulação nacional da peça, após ficar em cartaz no fim do ano passado no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, em horário alternativo.

ENTREVISTA // MATHEUS NACHTERGAELE


Qual foi o momento em que você disse para si mesmo: “está na hora de levar para o palco o que a minha mãe deixou”?
Recebi os poemas das mãos do meu pai quando tinha 16 anos. Li os poemas da minha mãe com toda a vontade que você pode imaginar. Isso aconteceu na mesma época em que comecei a pensar em ser ator. Eu sei dela de uma forma inexplicável. Às vezes, imaginava em publicar um livro com os poemas. Também os mostrava para meus amigos e cheguei a cogitar em dirigir uma atriz para recitá-los. Desde que os li, passei a acreditar que os textos de mamãe poderiam ser montados a qualquer momento. Desde 2005, eu tinha a sensação de que não havia mais um projeto em teatro que me movesse. O texto tinha que bater em mim para poder montá-lo e, de repente, entendi que ele já estava comigo.

E como isto se materializou?
Esta é uma peça de teatro, mas não é um espetáculo, no sentido de ter uma espetacularização. É um teatro “simples”, com luz, música, poema e o encontro entre pessoas. Essa peça não é um “trabalho”, é uma cerimônia onde cantamos as alegrias e as dores. No fim das contas, tudo tem a ver com mamãe. Pode perceber: os autores sempre falam sobre a mesma coisa ao longo da vida. O filme que dirigi, A festa da menina morta, também é sobre minha mãe. Ele surgiu a partir de uma pergunta: o que aconteceria se ela voltasse? Confesso que lido com as mulheres de uma forma…eu me protejo um pouco, não posso ser mais tão magoado.

Esta é uma experiência de grande autonomia artística para você. Você, por algum momento, cogitou que alguém te dirigisse?
Sim, cogitei, mas estava tudo tão nas minhas mãos...a cerimônia me dirige dia após dia, assim como o público. Também ouvi algumas pessoas da minha intimidade, antes e depois da estreia, como Claúdio Assis e Guel Arraes. A peça é viva. Às vezes, por exemplo, troco os poemas de ordem. A peça é o processo até o momento em que devo torná-la Conscerto do Desejo. Nela, eu quero os silêncios. Luã toca Bach no palco e é preciso, simplesmente, ouvir. Tem coisas que eu não vou falar. Estou tentando, humildemente, entender o que a peça é. Essa é uma característica, de certa forma, perdida do teatro neste momento: ele é uma prece laica. É o único lugar onde o homem pode rezar sem Deus.

O que é fazer um espetáculo como esse em um mundo onde os afetos são continuamente postos em xeque?
Em quatro poemas, mamãe fala de ternura. Ela pede ternura. Para mim, essa peça ocupa o lugar de uma meditação. Preenche a ausência de ternura, ao menos ao longo de sua duração. Ela é uma busca e um pedido de piedade para todos nós, pois também temos dores. É um pedido para que fiquemos tranquilos nas tragédias pessoais e uma maneira de entendermos que existe beleza na dor. Esta peça é uma celebração do que é possível.

SERVIÇO
Processo de Conscerto do Desejo, com Matheus Nachtergaele
Quando: Dias 8 e 9 de janeiro, às 21h
Onde: Teatro de Santa Isabel - Praça da República, s/n, Santo Antônio
Ingressos: R$ 50 e R$ 25 (meia)
Informações: 3355-3323



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