Sistema prisional

'Constituição não pode ser retalhada', diz Pedro Eurico. Confira a entrevista

Publicado em: 07/04/2019 08:00 | Atualizado em: 07/04/2019 10:05

Um livreiro angustiado. Assim se autodefine o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico. A angústia vem de uma renúncia forçada: precisou fechar as portas de sua livraria pelo fato de não conseguir reagir frente à concorrência. A retomada da função de livreiro, entretanto, ainda é sonho e projeto de aposentadoria. O amor pelos livros se reflete, por enquanto, na disseminação do hábito da leitura em sua área de atuação. Exemplo disso foi o projeto implementado na Secretaria e considerado como sua “mais alegre vitória”: a remissão de pena pela leitura. Em entrevista ao Diario, Pedro Eurico fala também o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, traça um panorama do sistema prisional, faz um balanço de 2018 e enumera desafios para 2019.

Remissão da pena pela leitura
Ao fim de cada leitura, o detento deve fazer uma resenha, analisada por uma comissão composta de agentes penitenciários e pedagogos da Secretaria de Educação. Até dez meses atrás, a cada texto escrito, o preso podia reduzir em até três dias a pena. Entretanto, reunimos o Conselho Penitenciário e ampliamos a remissão para sete dias. Fazer alguém ler é levá-la a uma visão diferente de mundo. Ao escrever, se estimula a compreensão, que é o grande problema da educação brasileira. Temos um presídio no Curado, o Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb), onde há quase cinco mil títulos na biblioteca, todos de doação. Acredito que quem lê, evidentemente, acaba se afastando da violência. Já tivemos 55% de aprovação entre os presos que apresentaram suas resenhas para conseguir remissão da pena. Para este ano, a meta é implementar o Ensino a Distância (EAD) universitário.

Balanço 2018
Há 15 anos não se construíam unidades prisionais no estado nem no Brasil. Isto porque o Fundo Penitenciário Nacional estava contingenciado. Conseguimos recursos com Alexandre Morais (ministro da Justiça no governo Michel Temer). Em 2018, construímos 2,7 mil vagas e estruturas qualificadas. Itaquitinga, por exemplo, foi um grande projeto de parceria público-privada que, infelizmente, não avançou. Lá tínhamos um fórum, fábrica de alimentos, padaria e lavanderia industriais, tudo projetado para cinco unidades prisionais com 3,5 mil vagas.

Superpopulação
A superpopulação acontece porque a criminalidade tem aumentado como reflexo da crise social e econômica. O crime organizado se espalhou por todo o país e tem profunda ramificação nos estados do Nordeste. Assim, a população prisional excedente é mesmo muito alta. Temos que reduzir esta cultura de que é preciso prender todos. Um rapaz de 18 anos vai para a cadeia e, lá, se especializa no crime. O que temos que trabalhar? A utilização de penas alternativas à prisão. 72% das mulheres presas, por exemplo, são companheiras de traficantes e não criminosas efetivamente. Desde dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que mães com filhos de até 12 anos que cumprem penas provisórias devem ser liberadas. Temos cumprido isso. Acreditamos que haja redução desta população, em breve, em mais de 35%. Nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, não se justifica levar ao cárcere, pois as pessoas seguem para uma estrutura de brutalização. Embora tenhamos trabalhado a ressocialização, a realidade ainda é muito distante do que queremos alcançar. No ano passado, 19 mil pessoas passaram por penas alternativas como pecuniárias e de prestação de serviços. Outra solução é a ampliação do uso de tornozeleiras. Pernambuco é o terceiro estado brasileiro que mais as utiliza (4 mil), atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.

Pacote anticrime
O plano é importante quando aponta no caminho do combate ao crime organizado e à corrupção, o que já vem sendo feito. Isso não pode ser transformado, entretanto, na solução do país. Há necessidade de se modernizar o Código de Processo Penal, mas não há porque cogitar, por exemplo, ampliar o conceito de legítima defesa para agentes públicos. Assim, ao sabor de qualquer suspeita de ameaça, se pode fazer uso de arma letal. Este é um ponto de reparo ao pacote. Outra coisa que me preocupa é a redução das progressões de pena. Não é só encarcerando que vamos resolver a criminalidade. Outro ponto é a existência de uma cultura nacional de redução das liberdades públicas. A Constituição de 1988 é uma menina de 30 anos que não pode ser retalhada de forma grosseira para reduzir direitos fundamentais. Aí entra a questão da democracia. Precisamos de um Estado com ordem, mas limitado aos preceitos da Constituição, que está em risco. Para mim o mais grave entretanto, e aí é uma visão pessoal, é a redução da maioridade penal. Trata-se de grande retrocesso, pois acho que estamos tratando nossa juventude como bandidos enquanto o necessário é, na verdade, um programa de proteção da população vulnerável, especialmente os jovens. O plano consistiria em educação, lazer, espaços públicos, fortalecimento de vínculos familiares e combate rigoroso ao tráfico de drogas. Com relação ao sistema prisional em si, em 2018 tivemos um terço do valor de 2017 nos recursos do Fundo Penitenciário Nacional. Se teremos que construir mais unidades prisionais, temos custos de construção, de custeio e a União tem que participar disso.

Tecnologia e recursos
Embora tenhamos contratado novos agentes, investimos também em instrumentos. Temos câmeras de visualização com controle dentro das unidades e scanners corporais que contribuíram para o aumento da apreensão de ilícitos. Destes, compramos sete e estamos recebendo mais cinco unidades.

Empregabilidade
A maioria da população prisional tem entre 18 e 28 anos. Uma forma de promover empregabilidade é cumprir a Lei de Execuções Penais que diz o seguinte: uma empresa que se instala dentro do presídio ou contrata egressos, abate todas as obrigações previdenciárias do apenado. Com isso, pode ter uma redução de custos de até 40%. Santa Catarina, por exemplo, tem hoje 30% dos encarcerados trabalhando e um presídio em que toda a população penitenciária exerce função trabalhista. Aqui em Pernambuco, são 990 egressos atuando. Dentro do sistema, 2,3 mil.

Municípios
Prefeituras estão contratando presidiários liberados ou em regime aberto. Eles fazem varrição, manutenção de serviços básicos. Temos convênios com São Lourenço da Mata, Recife, Olinda, Jaboatão, Caruaru, Petrolina e Cabo, onde os trabalhadores passam por cursos de pedreiros ou marceneiros.

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