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Historiografia do rádio no Brasil minimiza o papel da Clube

Estudos e livros publicados no Sudeste sobre o rádio tratam superficialmente o pioneirismo da emissora, cujos documentos atestam fundação em 1919

Publicado em: 13/08/2018 09:45 | Atualizado em: 13/08/2018 09:51

Foto: Acervo Renato Phaelante (Foto: Acervo Renato Phaelante)
Foto: Acervo Renato Phaelante (Foto: Acervo Renato Phaelante)
O Brasil era um país de maioria analfabeta no final da década de 1950. Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirmam que 53% da população não sabiam ler ou escrever e, entre esses indivíduos, mais de 60% moravam em áreas rurais. O rádio servia como fonte primária de informação para esses brasileiros. A televisão só chegou ao Brasil na década de 1950, então, não por acaso, o rádio era um bem mais acessível às pessoas que geladeiras ou aparelhos de TV (veja quadro abaixo).

Os números confirmam: nos domicílios urbanos, do total de 6 milhões de brasileiros, 72% tinham energia elétrica e 61% ouviam as transmissões feitas por um equipamento de rádio, conforme estudo de Lia Calabre, doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, autora do artigo No tempo do rádio: radiodifusão e cotidiano no Brasil, 1923-1920 e estudiosa da Casa Rui Barbosa, uma instituição subordinada ao Ministério da Cultura. “Ou seja, entre os anos 20 e 60 do século 20, o rádio foi o principal veículo de comunicação de massa do Brasil”, frisa ela, lembrando que as quatro décadas “foram de mudanças profundas nas estruturas sociais, culturais, econômicas e políticas da sociedade brasileira”. Transformações, frisa Calabre, das quais o rádio participou “ora cumprindo papéis secundários e ora cumprindo papéis fundamentais”.

Do pioneirismo da Rádio Clube de Pernambuco, citada superficialmente por alguns poucos historiadores da comunicação como sendo a primeira emissora fundada no Brasil - em 6 de abril de 1919 - até 1958, quando o IBGE divulgou o Anuário Estatístico do Brasil, nota-se duas fases de expansão do rádio. O boom se deu na década de 1950, quando a quantidade de emissoras saiu de apenas 23 (1950) para 180 (1956), conforme mostra tabela ao lado. Acredita a historiadora Lia Calabre que a maior dificuldade das emissoras era a manutenção financeira. “A legislação brasileira não permitia a veiculação de textos comerciais, o que dificultava a sobrevivência das rádio-sociedades”.

Somente a partir da década de 1930, a publicidade transformou o rádio em economicamente rentável, sobretudo depois de promulgada em 1932 lei que promovia a transmissão do programa oficial do governo, chamado de Programa Nacional, depois intitulado Hora do Brasil. Da década de 1940 em diante viu-se a expansão do rádio com as radionovelas e um fenômeno de crescimento acelerado se deu a partir de então.

Quando se trata de história do rádio no Brasil, a Rádio Clube de Pernambuco ainda carece do reconhecimento merecido, em estudos feitos no Sudeste. Documentos atestam que um grupo de amigos de radiotelegrafia fundou a Rádio Clube no dia 6 de abril de 1919. A rádio se instalou em sua primeira sede oficial, um pequeno pavilhão no Jardim Treze de Maio, no bairro da Boa Vista, em Recife. Fez a primeira transmissão em 17 de outubro de 1922, após reorganização, objetivando usar a radiodifusão por meio de um pequeno transmissor de 10 watts de potência.

Em fevereiro de 1923 ouvia-se a transmissão da Rádio Clube em alguns bairros do Recife. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi fundada em 20 de abril de 1923, dois meses depois da transmissão da Rádio Clube. Muitos pesquisadores creditam o pioneirismo à emissora carioca, que em 7 de setembro de 1923 teria realizado a primeira transmissão radiofônica. Os registros fazem referência ao discurso do presidente da República Epitácio Pessoa, feita do Corcovado, tendo ao lado o príncipe Alberto da Bélgica. A polêmica é mencionada em muitos livros. Outros, em especial os de autoria de pesquisadores e escritores do eixo Rio-São Paulo, minimizam o papel da Rádio Clube ou o ignoram, tratando de dar protagonismo à Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

O inventor do rádio no mundo

O inventor do rádio foi o cientista italiano Guglielmo Marconi. Ele fez transmissões em sinais telegráficos, sem fio e em código Morse, chamado de radiotelegrafia.

Na história do rádio no mundo, está registrado que em 1901 Marconi iniciou uma revolução mundial no campo das comunicações ao realizar uma transmissão transatlântica. Em 1909 ganhou o Prêmio Nobel de Física pelas contribuições à comunicação sem fio. No Brasil, há quem conteste esse título e defenda o padre brasileiro Roberto Landell de Moura, que obteve em março de 1900 a patente de um aparelho destinado à transmissão à distância com fio e sem fio. Ele migrou para os Estados Unidos e registrou lá a patente, em 1904. 

As pioneiras no Brasil

Rádio Clube de Pernambuco (PE)    06/04/1919
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (RJ)    20/04/1923
Rádio Educadora Paulista (SP)    30/11/1923
Rádio Sociedade da Bahia (BA)    23/03/1924
Rádio Clube de São Paulo (SP)    17/06/1924
Rádio Clube Paranaense (PR)    27/06/1924
Rádio Clube do Brasil (RJ)    25/11/1924
Rádio Clube de Ribeirão Preto (SP)    23/12/1924
Rádio Sociedade de Pelotas (RS)    06/06/1925
Rádio Hertz de Franca (SP)    08/11/1925

Fonte: Livro História do Rádio no Brasil, de Magaly Prado (Ed. Da Boa Prosa, 2012)

Evolução do número de emissoras 

Ano de inauguração    Quantidade
De 1923 a 1930    013
De 1931 a 1940    056
De 1941 a 1950    023
De 1951 a 1956    180
Sem especificação    009
Total    481

Fonte: IBGE/ Anuário Estatístico do Brasil de 1958/ Fundação Rui Barbosa

O poder do rádio em números

Nº de domicílio    %    Domicílios urbanos    %    Domicílio rural    %
TOTAIS    13.497.823        6.350.126        7.147.697
Iluminação elétrica     5.201.521    38,5    4.604.057    72,5    597.464    8,3
Rádio    4.776.300    35,3    3.912.238    61,6     864.062    12,0
Geladeira    1.570.924    11,09    1.479.299    15,8    91.625    1,2
Televisão    621.919    4,3    601.552    9,4    20.367    0,2

Fonte: IBGE/Recenseamento geral 1960/ Fundação Rui Barbosa 
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