Recife Antigo O desafio de trazer moradores

Por: Tânia Passos - Diário de Pernambuco

Publicado em: 30/04/2017 13:57 Atualizado em: 30/04/2017 14:50

Desde 2000, o Porto Digital ocupa o antigo prédio do Bandepe, em cessão feita pelo governo. Foto: Porto Digital/Divulgação
Desde 2000, o Porto Digital ocupa o antigo prédio do Bandepe, em cessão feita pelo governo. Foto: Porto Digital/Divulgação

O Bairro do Recife nunca mais foi o mesmo após a chegada do Porto Digital, que iniciou suas atividades em 2001. Desde o início o núcleo de gestão da empresa entendeu ser necessário oferecer um espaço adequado para atrair empresas na área de tecnologia para se instalar no bairro. Em 16 anos de atuação, o Porto conseguiu recuperar 80 mil metros quadrados de área, incluindo a atuação direta do Porto Digital e dos parceiros. E a estimativa para até 2022 é de chegar a 120 mil metros quadrados de área recuperada.

O setor que atua no desenvolvimento de tecnologias encontrou na recuperação de imóveis também uma forma de negócio. O modelo desenvolvido pela empresa tem retorno certo, uma vez que a demanda é crescente. Além do Bairro do Recife, o Porto fez uma primeira expansão de território em 2012, no chamado quadrilátero de Santo Amaro. Mais recentemente, o Porto Digital alçou voos também para os bairros de Santo Antônio e São José. “A proposta não é apenas recuperar imóveis e instalar empresas, mas principalmente modificar a realidade do seu entorno”, explicou Gustavo Rocha, superintendente de infraestrutura da empresa.

Um novo bairro se descortina
A ilha em transformação

A preocupação com o entorno foi um dos pontos observados pelos investidores. E é aí onde se espera a participação do poder público. “Obviamente, o Porto Digital, além da preocupação em apoiar as empresas, também aposta na melhoria do bairro”, destacou Rocha. A requalificação urbana é um dos pontos, mas o Porto Digital vem sendo provocado para ter um novo olhar sobre a recuperação dos imóveis antigos além da função original de atrair empresas. Percebe-se, agora, que o bairro é feito de uma composição de serviços, empresas e também de gente.

“É o que se chama de cidade para as pessoas. E não por acaso, o nosso presidente Francisco Saboya e o diretor executivo Leonardo Guimarães já estão fazendo os contatos com o BNDES para trabalhar também dentro dessa perspectiva”, revelou. Ele diz, no entanto, que a iniciativa ainda é embrionária, mas passou a ser um dos pontos a considerar nos futuros projetos.
O secretário de Planejamento do Recife, Antônio Alexandre, admite a necessidade de moradias no Centro da cidade. “Para consolidar a diversidade de usos e a revitalização do bairro, precisamos estimular a opção de moradia no centro da cidade. Os incentivos existentes serão direcionados para a recuperação de imóveis ou construção visando novas unidades habitacionais. Dessa maneira teremos espaços capazes de viabilizar a permanência das pessoas nas diversas atividades”, revelou o secretário.

Empreendedor vê dois bairros em um

"O bairro é um tesouro da história do Brasil, mas está relegado a um plano inferior, tendo como prioridades meros eventos do calendário turístico", Gustavo Bettini, no Atelier de Impressão, na Rua da Moeda. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
"O bairro é um tesouro da história do Brasil, mas está relegado a um plano inferior, tendo como prioridades meros eventos do calendário turístico", Gustavo Bettini, no Atelier de Impressão, na Rua da Moeda. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
Gustavo Bettini, 26 anos, é paulista, mas está no Recife há 17 anos e se considera um pernambucano. Ele não esconde seu apego ao bairro, porém ressalta as duas realidades de quem trabalha ou vive na ilha. “De dia o Recife Antigo é uma maravilha, mas à noite muda completamente o perfil. Parece outro lugar”, criticou.

Sócio de Bettini, Fernando Neves também elenca algumas dificuldades. “O bairro é um tesouro da história do Brasil, mas está relegado a um plano inferior, tendo como prioridades meros eventos do calendário turístico da cidade”, critica.
Para o arquiteto e urbanista Geraldo Marinho, apostar no lazer e no turismo é uma estratégia correta, mas não deve ser única. “É preciso uma dosagem. Falta uma diversidade de uso, principalmente pela quase total ausência de moradias. Há um descontrole das atividades de lazer e digo que não deve ser fácil morar ali. É preciso oferecer vantagens para atrair moradores também”, afirmou o urbanista.

O único conjunto habitacional do Bairro do Recife é a comunidade do Pilar, que já foi conhecida como Favela do Rato. Desde 2000 foi anunciado o projeto de requalificação da área com novas unidades habitacionais. O projeto teve início só em 2010 e ainda não foi entregue. “A implantação apropriada do Pilar e a expansão da quadras ociosas nas imediações da Praça Tiradentes podem favorecer condições favoráveis de habitação”, opinou Geraldo Marinho.

ÁREA COMERCIAL

Após a chegada de órgãos públicos, bancos e o polo tecnológico, uma outra reconfiguração se consolidou no bairro, com a entrada do projeto Porto Novo. Entre as mudanças, que faziam parte, inicialmente, do antigo projeto do complexo Turístico Cultural Recife e Olinda, está a recuperação e os novos usos dos espaços não operacionais do Porto do Recife.

Os antigos armazéns do porto, situados ao longo da Avenida Alfredo Lisboa, estão em fase final de recuperação e novos usos, a exemplo da Central do Museu do Artesanato, o Museu Cais do Sertão, o próprio Terminal Marítimo de Passageiros, além dos espaços destinados para escritórios, restaurantes e cafés. Há ainda armazéns sendo restaurados e a previsão de um hotel marina nas imediações da Ponte do Limoeiro.

[Entrevista César Barros //urbanista

César Barros vive em um prédio próximo ao Marco Zero, no centro do bairro. Foto: Julio Jacobina/DP
César Barros vive em um prédio próximo ao Marco Zero, no centro do bairro. Foto: Julio Jacobina/DP


O arquiteto e urbanista César Barros é um dos 602 moradores do Bairro do Recife. Da varanda do seu apartamento, na cobertura de um prédio de cinco andares, na Avenida Alfredo Lisboa, próximo ao Marco Zero, ele curte o cantinho que escolheu para morar há cerca de 20 anos. Na época em que vislumbrou o potencial do lugar comprou o andar interior, incluindo o acesso à cobertura, por R$ 18 mil. Hoje, uma sala no prédio é vendida a R$ 50 mil.

O urbanista é um dos defensores da reocupação do Bairro do Recife como alternativa também de habitação e não apenas de empresas e uma das razões é a diversificação de uso, uma vez que o bairro só tem vida diurna, exceto nos grandes eventos como o carnaval. Nesta entrevista ao Diario, ele fala como é morar no bairro e as oportunidades de ocupação dos espaços ainda existentes.


Por você decidiu morar no Bairro do Recife?
Há quase 20 anos, eu adquiri essas salas e, posteriormente, o apartamento. A ideia foi ficar mais próximo de um lugar mais dinâmico. Ao longo desses 20 anos, o bairro passou por uma dinamização e nesse processo ficou muito clara a estrutura complementar, com bancos, centros culturais e museus. A prefeitura está aqui, então você tem um núcleo de diversidade de serviços bastante interessante, mas apenas durante o dia. À noite isso muda completamente. Isse é outra discussão, a da necessidade de moradia.

Quais são os desafios de viver, de certa forma, isolado?
Um lugar para se morar não se complementa apenas com o acender e o apagar das luzes. Tem que haver uma dinâmica porque é o que se justifica habitar aquele território. Tem que haver diversidade de uso, justamente o que falta no Bairro do Recife. Há um processo efervescente durante o dia, com pessoas saindo das empresas, indo almoçar, tomando café, circulando pelo bairro. A partir das 18h, vira um lugar de fantasmas e eu sou um deles. Não acontece nada, a não ser em períodos festivos, o que, aliás, é outro problema. Se houvesse moradia haveria outras atividades correlatas, como mais farmácias, padarias. Hoje a gente não tem quem faça uma entrega de uma pizza ou remédio aqui. Isso pode ser resolvido se houver incentivo a esse tipo de uso.

Como é morar de frente para o principal palco da folia?

É terrível. Eu não permaneço aqui no carnaval. Fujo, e não deveria ser assim. Você deveria ser incentivado a permanecer em um lugar maravilhoso onde há um dos maiores carnavais do Brasil. Só que operacionalmente não funciona assim. A prefeitura não entende nada de trânsito. Fecha ruas e não leva em conta o trajeto que o morador é obrigado a fazer. Não permite acesso de determinados atores, em determinados lugares. Então acaba transformando espaços públicos em espaços privados com camarotes dentro de praças, essas coisas. Então, o poder público e a sociedade não lembram que existe gente morando no Bairro do Recife. Um amigo meu, que mora na Rua do Apolo, já foi proibido de entrar com o próprio carro até a porta da casa porque estava interditado. E o policial perguntou se ele tinha carteira de morador, como se existisse. A gente brincou que ia fazer uma associação imaginária para ter as carteirinhas. Aqui não é Olinda. Não tem como comparar a mesma cultura de fazer carnaval de 100 anos. Aqui tem de uns 15 anos para cá.

Quais são os problemas em relação à questão da segurança?
A minha percepção de segurança é um pouco diferente. Eu acho o bairro bastante seguro. Durante o dia tem a segurança natural, que advém da unidade de vizinhança. Eu aqui conheço todos os flanelinhas, o menino da banca de revistas, o chaveiro. Se você esquecer um celular, as pessoas lhe devolvem, então há uma harmonia. À noite, eu já tenho outra visão. O bairro é muito tranquilo porque não tem ninguém. Nem bandido nem policial. Então está ótimo, a gente circula tranquilamente. Há uma segurança virtual, imaginária, que são as câmeras. O que se atribui de insegurança é uma coisa muito pontual, que a polícia sabe como resolver, que são as galeras que vêm brigar aqui nos domingos, dia em que há muitas atividades. Depois das 22h, eles marcar de se encontrar aqui, pelas redes sociais, e acabam brigando. Mas não se trata de insegurança no bairro. É um problema que pode ser resolvido.

O Bairro do Recife está com várias edificações em restauro. Qual a sua perceppão como morador e urbanista da vinda de novas empresas para o bairro?
A redinamização é um processo natural. Quem mais atrapalha é o poder público. O olhar para o bairro não é por modismo, mas porque se descobriu que aqui é de fato o melhor lugar, em termos de infraestrutura instalada, diversidade de possibilidades, retorno imediato. O Porto Digital teve um papel muito importante porque conseguiu mostrar que é viável a reutilização de alguns edifícios. Só que eu acho que chegou o momento de redimensionar a questão da oferta para empresas. E eu até já falei para o Francisco Saboya, presidente do Porto, da necessidade de o Porto, como ator de relevância, também ofertar unidades para habitação. A cada “X” para comércio e serviço, um percentual para habitação seria uma forma de gerar o precesso redinamizador numa forma natural. Em vários países do mundo, o poder público resgata imóveis, seja desapropriando, hipotencado. Se falta de pagamento do IPTU, e a prefeitura retém o imóvel, faz a reforma e oferta à iniciativa privada. Assim você vai redinamizando o bairro.

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